por Bruno Capelas
“Um filme sobre você”. É assim que a diretora Vera Egito define seu primeiro longa-metragem, “Amores Urbanos” (2014), que finalmente chega aos cinemas. Depois de participar como roteirista em filmes como “À Deriva” (2009) e “Serra Pelada” (2012) e realizar curtas-metragens elogiados (“Elo” e “Espalhadas Pelo Ar”, exibidos no Festival de Cannes de 2009), a cineasta dá seu primeiro grande passo em voo solo com uma história que talvez possa lhe parecer familiar – se não com a sua vida, com a de algum amigo seu.
“Amores Urbanos” – filmado com o nome conceito de “SP é Uma Festa” – conta a história de Diego (Thiago Pethit), Júlia (Maria Laura Nogueira) e Mica (Renata Gaspar), três vizinhos do piso térreo de um prédio em São Paulo. Além de compartilhar paredes, os três estão entre o final dos 20 e o meio dos 30 anos de idade, sofrem com desilusões amorosas e ainda buscam um trabalho que os faça se sentir realizados (ou ao menos, com algum dinheiro no bolso). “Meio que tudo dá errado na vida deles – mas não mais do que na vida de qualquer pessoa”, diz a cineasta, em entrevista ao Scream & Yell. “A única coisa que não dá errado é a relação que eles têm um com os outros. Afinal, a amizade é uma forma de amor também”.
Realizado com poucos recursos e muita ‘brodagem’, “Amores Urbanos” se inspira no modelo de filmes como “Frances Ha” (2012), do diretor americano Noah Baumbach. “A ideia é de fazer uma produção leve, que faz com que o filme aconteça, mesmo sem dinheiro nenhum”, conta Vera. Além do trio principal, o elenco conta com participações da cantora Ana Cañas e da ex-VJ da MTV Sarah Oliveira, enquanto a equipe técnica é formada toda, sem querer, por mulheres.
Nascida e criada em São Paulo, a cineasta tem em pré-produção outro projeto bastante paulistano — “Maria Antonia – A Incrível Batalha dos Estudantes”, sobre o conflito entre estudantes da USP e do Mackenzie na rua homônima em 1968. “É minha cidade, minha casa. É onde estou na minha área. Para um projeto como esse, é uma guerra, é uma guerrilha. para ser guerrilheiro, tem que estar na sua área, né?”, explica Vera. Na entrevista a seguir, a cineasta conta mais sobre a produção e a inspiração de “Amores Urbanos”. Além disso, Vera fala sobre como é filmar em uma cidade tida como cinzenta, suja e feia, mas acolhedora: “O bonito-bonitinho nem sempre é o mais interessante para uma obra de arte. O estranho e o caótico às vezes tem uma beleza mais interessante”, diz.
Como você define o “Amores Urbanos”?
Para mim, o filme funciona como uma comédia dramática, porque ele tem um pouco de humor. Os personagens tem uma visão irônica sobre os seus próprios problemas, mas é um filme para ser levado a sério. É um genero que faz bastante sucesso no cinema independente dos EUA.
Em algumas entrevistas recentes, você disse que queria trazer um pouco do estilo do “Frances Ha” para o cinema brasileiro. Em que sentido essa comparação é válida?
Acho que a semelhança é mais de modelo de produção, mesmo. O “Frances Ha”, do Noah Baumbach, foi feito com pouquíssimo dinheiro, entre amigos, de uma forma totalmente independente. A ideia no “Amores Urbanos” é de fazer uma produção leve, que faz com que o filme aconteça, mesmo sem dinheiro nenhum. O “Frances Ha” foi feito assim e é um puta filme legal. Por que não tentar o mesmo modelo?
E quem são os personagens principais dessa festa toda?
São três amigos, e eles moram no mesmo prédio: são vizinhos de apartamento, em três apartamentos térreos. Cada um vive suas questões amorosas e profissionais, e meio que tudo dá errado na vida deles – mas não mais do que na vida de qualquer pessoa. O grande lance do filme é a amizade dos três: tudo dá meio errado na vida deles, menos a relação que eles têm um com o outro. É como não conseguir ficar com um namorado… mas ter os melhores amigos do mundo. A amizade é uma forma de amor também.
Na época das filmagens, “Amores Urbanos” era chamado de “SP é Uma Festa” – um título que remete diretamente ao livro “Paris é Uma Festa”, do escritor norte-americano Ernest Hemingway. Qual o motivo dessa relação?
Foi uma relação voluntária. O livro do Hemingway conta um pouco os relatos da época em que ele morava em Paris quando era jovem. A história do filme não tem a ver com a do livro do Hemingway, mas talvez o espírito tenha: para o Hemingway era uma época bem difícil, com ele escrevendo para jornal e contando moedinhas, no meio de um monte de gente sem grana. Ao mesmo tempo, era uma festa estar ali. São coisas boas de lembrar, e que fortalecem a narrativa de alguma forma. Acho que Paris era naquela época uma cidade de encontro criativo, de escritores e artistas, e acho que São Paulo é um pouco assim hoje. O mais legal de São Paulo, na verdade, são as pessoas que moram aqui. É assim que São Paulo está no filme: na maneira como as pessoas vivem, na liberdade que elas têm para viver, fazer suas escolhas. No mundo, São Paulo é uma das cidades que tem mais isso, essa aceitação para você seguir o caminho que você quiser, tanto de orientação sexual, quanto de opção profissional. É uma cidade te abre o mundo. Paris devia ser assim nessa época.
E como a cidade aparece como personagem?
Ela aparece através desses personagens, mesmo. Não tem nenhuma preocupação em filmar pontos turísticos da cidade. Tem alguns bares, alguns restaurantes, tem o B. Bar, o Spot, o Mandíbula, a festa Javali, são lugares que estão no filme e que fazem parte da história da cidade. Mas São Paulo está nessas pessoas, a relação desses três e a forma como eles vivem só aconteceria aqui.
Como nasceu esse projeto?
Comecei a pensar, anotar e escrever relatos das pessoas que eu conheço, de amigos e amigos de amigos. Desencontros amorosos, fulana que terminou com fulano, questões profissionais, falas, diálogos, coisas que retratam essa geração que vive na cidade hoje. Em algum momento achei que isso tinha que virar um filme, mostrando a vida dos meus amigos que tem entre 30 e 40 anos hoje. O filme nasce dessa vontade de fazer essa coisa real, muito contemporânea, que diz respeito até ao público do cinema. Afinal, quem vai ao cinema [ver um filme como esse] são pessoas como nós.
Fiquei curioso dessa escolha ser o teu primeiro longa-metragem. Há um tempo atrás, você tinha um outro projeto, chamado “Maria Antônia – A Incrível Batalha dos Estudantes”. O que é esse filme?
É um projeto que também tem muito a ver com São Paulo. É a história do que aconteceu em 1968, aqui na cidade, no confronto entre os estudantes da USP e do Mackenzie. É um filme bem mais complexo, de época, com figuração grande, com cenas de batalha campal, invasão policial, então acaba sendo um filme com um orçamento bem mais alto. É um projeto do coração e está caminhando¬. Vamos começar a filmar em setembro. O “Amores Urbanos” passou na dianteira porque é um projeto muito mais leve.
São Paulo é uma cidade pouco filmada, e quase sempre conta histórias muito específicas. Há quem diga que é uma cidade feia, cinza, ruim de filmar. Como é para você filmar aqui?
São Paulo tem lugares bonitos, prédios bonitos, mas não definiria SP como uma cidade bonita. Mas acho que essa estética de não mostrar o que não é bonito… é a vida, e o cinema é a vida. A feiura tem uma força, uma estética muito impactante. São Paulo é uma cidade desordenada, onde muitas vezes a feiura se impõe, mas também tem o verde, tem lugares poéticos, e tem muito a ver com a história que você tá contando. Você pode filmar na periferia de Paris e encontrar uma coisa feia, que é bonita. O bonito-bonitinho nem sempre é o mais interessante para uma obra de arte. O estranho, o caótico, às vezes tem uma beleza mais interessante. Não só na cidade, mas também nos atores, nos figurinos. Às vezes, nada é melhor que um rosto estranho, mas que você não consegue parar de olhar. Não acho difícil filmar em SP não, até porque eu nasci aqui. É minha cidade, minha casa. É onde estou na minha área. Para um projeto como esse, é uma guerra, é uma guerrilha. Para ser guerrilheiro, tem que estar na sua área, né? A gente usa esse termo, cinema de guerrilha. Para mim, “Amores Urbanos” só poderia ser aqui, um filme como esse. Eu nunca morei em outro lugar. Além de conhecer a cidade e conhecer o que significa tudo que tem aqui, o SP contou com a participação de amigos, então o que aconteceu é que eu também trouxe a teia de pessoas que eu construí nessas décadas em São Paulo. O figurante que foi meu amigo de escola, a fotógrafa que começou a fotografar porque eu a chamei para um clipe lá atrás. São as pessoas que eu acompanho e me acompanham durante esses 30 anos.
Tem filmes sobre São Paulo que você recomenda?
Tem uns filmes obrigatórios. “São Paulo S/A” [do cineasta Luiz Sérgio Person, de 1965], que não tem como não ver. Ele mostra a Galeria Metrópole, tem umas cenas da cidade que são muito fortes. Dos filmes atuais… não sei, acho que há poucos filme sobre São Paulo. O Heitor (Dhalia) fez um filme em SP, “Nina”, que tem uma estética louca, que tem que ser visto também, a cidade está sendo usada ali de um jeito único, de um ponto de vista único. Não sei. Tem que pensar.
Para encerrar: se o “Amores Urbanos” não tivesse esse nome, qual seria?
Difícil dizer. Sei que, enquanto a gente estava construindo os roteiros, um dos títulos que o filme teria era “Um filme sobre você”. Talvez seja uma frase que apareça ainda, embaixo do título. A maior intenção é a de fazer uma crônica sobre nós todos que estamos aqui em SP.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista e assina o blog Pergunte ao Pop.