por Marcelo Costa
Em destaque na foto, de tampa amarela, a Westvleteren 12, apontada como a melhor cerveja do mundo. Vleteren é uma aldeia na província dos Flandres Ocidentais, na Bélgica. A cidade (quase na fronteira com a França) é conhecida por dar nome a uma cervejaria fundada em 1838 na abadia trapista de Saint Sixtus, cuja produção de cerveja visa apenas financiar a comunidade.
Até 2012 era raro encontrar Westvleteren para comprar fora da Abadia de Saint Sixtus. Os monges levam o “não capitalismo” tão à sério que, desde 1941, a Westvleteren era vendida unicamente no mosteiro, com cota máxima de cinco caixas de 24 garrafas para cada pessoa, que tinha que marcar data e hora para retirar sua cota no mosteiro (sem atrasos) – e o cliente tinha que prometer não revender a cerveja!
Porém, após um projeto de modernização do mosteiro em 2012, que colocou milhares de caixas no mercado (uma manchete na época dizia que havia mais fila para comprar Westvleteren do que o então recém-lançado iPad 2), ficou mais fácil encontrar as três versões (6, 8 e 12) em bons empórios de Amsterdam, Paris ou Bruxelas. O preço varia entre 10 e, no máximo, 20 euros a garrafinha de 330 ml.
Tenho cinco Westvleteren em casa (duas número 12, duas número 8 e uma Blond Ale) compradas em:
1) Duas em Bruxelas, em junho do ano passado. Paguei 12 euros (cerca de R$ 39) em cada no Bier Temple (e 10 euros, pouco mais de R$ 30, no balcão do Au Bon Vieux Temps);
2) Três em Amsterdam em 2012. Tinha me planejado para compra-las, mas assim que acordei precisei voltar a Paris, de ônibus, para resgatar o laptop que eu havia esquecido no aeroporto Charles de Gaule. Uma amiga que estava viajando comigo ficou encarregada de procurar as Westvleteren, e as achou ao preço de 16 euros (R$ 50). Ela conta que todo mundo no empório ficou boquiaberto quando ela disse que iria levar três garrafas. É um preço que eles não estão acostumados a pagar por cerveja, nem pela melhor do mundo.
Estou relembrando essas histórias porque acabei de passar em um bar/empório no bairro Vila Olímpia, em São Paulo, e quase cai para trás quando vi uma garrafinha da Westvleteren 12 sendo vendida por… R$ 300. Isso mesmo: seis vezes o preço que ela é vendida em Amsterdam (10 vezes o do pub em Bruxelas). Fui procurar no Mercado Livre e há garrafas lá entre R$ 139 e R$ 174. Queria ver a cara dos holandeses vendo esse preço. Se eu fiquei perplexo, imagina eles.
Fico tentando imaginar a conta que uma pessoa que vende uma cerveja que é encontrada por R$ 30 na Europa faz para chegar a esse preço de venda de R$ 300 no Brasil. Não consigo chegar a nenhuma conclusão que não seja abuso da boa-fé do consumidor. A base, claro, não é o valor real do produto, mas a dificuldade que uma pessoa tem de encontra-lo, o que inflaciona seu preço de custo conforme a necessidade do mercado. É vergonhoso.
Lembro da mesma amiga que comprou as Westvleteren em Amsterdam, um tempo depois, comentando que após uma tempestade que caiu no Festival da Ilha de Wight, na Inglaterra, transformando toda a área em um imenso lamaçal, os vendedores de galochas abaixaram os preços para aproveitar o momento e liquidar o estoque. Se fosse no Brasil, facilmente o ditado “a necessidade faz o ladrão” seria colocado a prova: se você precisa, vão cobrar mais caro. É fato.
Longe de achar que comerciante não deva ter lucro, imagina. Acredito fielmente que o capitalismo consciente seja um dos caminhos para a humanidade. É um modelo que pode ser encontrado em diversos países da Europa, mas no Brasil, filhote do pensamento norte-americano (que financiou as ditaduras da América Latina e impôs seu “american way of life” simbolizado aqui, no auge, pela triste Lei de Gerson), é muito raro.
Como sommelier e apaixonado por cervejas, tento sempre estar atento aos novos rótulos que chegam as prateleiras e entender a lógica dos preços. Semana passada, por exemplo, comprei uma Del Ducato, italiana, por R$ 22 (garrafa de 310 ml). Em Veneza, em 2012, paguei 5 euros (cerca de R$ 16) pela mesma cerveja, e imagino essa margem (quase 30%) como impostos, taxas e tudo o que envolve trazer uma bebida feita em uma cidade italiana e coloca-la numa gôndola em São Paulo. Mais de R$ 30 eu não pagaria.
Há, sim, cervejas caras que valem o investimento, e isso é preciso ser dito. Afinal deixar uma cerveja em barris envelhecendo por dois anos (como uma lambic) é mais custoso que produzir uma quantidade em larga escala em 15 dias e colocar o produto no mercado (com uma pilsen tradicional de boteco). Porém cobrar R$ 300 em uma cerveja que custa R$ 30 em outro país é, para mim, nada mais, nada menos que exploração. E é vergonhoso.
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