por Marcelo Costa
“Os Doces Bárbaros”, de Jom Tob Azulay (1978)
Em 1976, para comemorar 10 anos de carreira, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa planejaram uma turnê conjunta formando, para isso, Os Doces Bárbaros. O diretor Jom Tob Azulay acompanhou as primeiras datas da tour, e o que seria um documentário simples de 30 minutos para a TV transformou-se num longa após os eventos que ocorreram em Florianópolis, quarta parada da trupe. Gil e o baterista Chiquinho Azevedo foram presos por porte de maconha, e a notícia virou manchete nos principais jornais do país. “Os Doces Bárbaros”, o filme, só chegou aos cinemas em 1978, mutilado pela Censura, mas foi relançado em sua versão integral em 2004 (e em DVD em 2008) transformando o registro de um show num poderoso documento de época. As cenas em que se desenrolam a prisão de Gil até seu julgamento são imperdíveis (do delegado contando o ‘macete do pé na porta’ até o advogado de acusação culpando o cantor pelo uso da “erva maldita”), retratos envelhecidos de um momento particular da história do país. Isso tudo sem contar os momentos brilhantes do show como a poderosa versão de “Fé Cega, Faca Amolada”, de Milton e Ronaldo Bastos, da batida sincopada e os riffs fortes da guitarra de Perinho Santana. Em outro grande momento, “Atiraste Uma Pedra”, de Herivelto Martins e David Nasser, Caetano abre o caminho para que Maria Bethânia encante. E ainda tem “Chuckberry Fields Forever”, “Esotérico”, “São João Xangô Menino” e “Um Índio” além de entrevistas com os quatro doces bárbaros. Clássico.
“Filhos de João – O Admirável Mundo Novo Baiano”, de Henrique Dantas (2010)
Esqueça as regras básicas do cinema documental. Quem for assistir ao filme de Henrique Dantas esperando uma obra que desbrave a origem de uma das míticas formações musicais brasileiras poderá se decepcionar. “Filhos de João” tenta contextualizar a formação do grupo no “mundo novo baiano” através de imagens que buscam situar os integrantes em um momento local (com direito a cenas de filmes da época como “Caveira My Friend”, de Álvaro Guimarães; “Meteorango Kid, o Herói Intergalático”, de André Luis Oliveira; e “O Superoutro”, de Edgard Navarro), mas falha ao não apresentar todos eles nem dizer como a maioria entrou na banda (entrevistada, Baby do Brasil vetou depois o uso das imagens). Pra lá do meio do filme, por exemplo, Pepeu Gomes concede um depoimento. É a primeira vez que aparece em cena, e um desinformado talvez nem saiba que ele era um novo baiano. Dantas parte do pressuposto que o público conhece tanto sobre o grupo quanto ele (o que prejudica, inclusive, exibições estrangeiras), e esse tropeço só não lhe custa o filme porque a música dos Novos Baianos é sensacional e a história do grupo é sublinhada por dezenas de causos absurdamente surreais e hilários – alguns deles na presença do mestre João Gilberto. Isso tudo mais cenas antológicas da época (as melhores retiradas do documentário “Novos Baianos Futebol Clube”, lançado em 1973 por Solano Ribeiro) fazem de “Filhos de João” um filme obrigatório, ainda que falho. De quando o conteúdo é melhor que o formato.
“Raul — O Início, o Fim e o Meio”, de Walter Carvalho (2012)
Quando Jim Morrison morreu e os integrantes do The Doors foram ao cemitério Pere Lachaise, em Paris, para o enterro, era difícil acreditar no que tinha acontecido, não só pela morte, mas por tudo que o Morrison representava: “Ele não pode estar ai. Era grande demais para caber neste túmulo”, disse um dos integrantes. A sensação parece se replicar neste documentário sobre Raul Seixas: como resumir uma persona tão ampla e complexa quanto a de Raul? O diretor Walter Carvalho cumpriu com méritos a árdua tarefa, e ainda abriu outras questões interessantes para discussões de mesa de bar. Da abertura, com um cover de Raul (tinha que ter) pilotando uma moto ao som de “Blue Moon / Asa Branca” (que resume a visão genial de Raulzito em aproximar Elvis Presley de Luiz Gonzaga), Walter Carvalho segue uma ordem cronológica preenchida por diversas entrevistas (o trabalho investigativo é excelente) que tentam dar ao espectador uma centelha do mito em passagens deliciosas (seja com Os Panteras, seja com Paulo Coelho e o episódio da mosca, seja com os satanistas, seja com as ex-mulheres, ou mesmo o polêmico trecho final, com Marcelo Nova entre a cruz e a espada) que colocam “Raul — O Início, o Fim e o Meio” ao lado de outros grandes (e obrigatórios) documentários recentes nacionais – como “Loki”, sobre Arnaldo Baptista, “Música Para os Olhos”, sobre Cartola, e “Ninguém Sabe o Duro que Dei”, sobre Wilson Simonal. A caprichada versão em DVD, duplo, acrescenta mais 30 minutos de extras.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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