por Adriano Costa
Gilberto Gil é uma entidade na música brasileira e, independente do fato de se apreciar ou não a música do baiano, sua relevância e influência é uma certeza. Político, pop, regional, musical, esotérico, visionário, apaixonado, contestador, polêmico, conflituoso, global são algumas das referências que podem ser direcionadas a sua personalidade, que assim como as frases que profere atingem níveis extremos entre determinado ponto de vista e outro radicalmente oposto, mas de alguma maneira, complementar.
No ano passado, a Editora Nova Fronteira colocou no mercado um livro com 400 páginas, que anteriormente estava previsto para ser publicado em 2012 a fim de comemorar os 70 anos de vida do artista. “Gilberto Bem Perto” é uma biografia autorizada escrita pela jornalista Regina Zappa (a mesma de “Para Seguir Minha Jornada”, sobre Chico Buarque), em parceria com o retratado. Tem a missão de cobrir uma trajetória bem extensa, repleta tanto de percalços quanto de glórias e conquistas.
Gilberto Gil é múltiplo, mutável. Como bem disse um de seus filhos, citando uma grande canção dele, Gil é como um abacateiro, que amanhece tomate e anoitece mamão. Essa diversidade de pensamento e de direcionamento talvez seja a parte mais complexa para se cobrir em um livro sobre sua vida e trabalho. Em bom percentual, Regina Zappa consegue abranger isso, porém deixa muito a desejar em outros aspectos, principalmente no que tange as polêmicas e equívocos, sendo o tom sempre superficial e bastante parcial.
Isso logicamente passa pelo fato de ser uma biografia autorizada ditada pelo próprio Gil e complementada com depoimentos de amigos e contemporâneos como Caetano Veloso, Hermano Vianna, Rita Lee, Jorge Mautner, Fernanda Torres e José Miguel Wisnik. A redundância de temas também incomoda, como no capítulo “Gil a Mais”, em que várias coisas já mencionadas ganham nova redação (um pouco diferente) adicionadas a trechos de discursos proferidos em momentos específicos, como quando era Ministro da Cultura do Presidente Lula.
“Gilberto Bem Perto” peca pela parcialidade e por ser mais ou menos leve e sempre benigno, e, por isso, é uma biografia mais indicada para quem conhece pouco sobre a vida e trabalho do artista. É como um extenso perfil feito pela assessoria de imprensa pessoal em várias partes, mas serve para mostrar o menino que desde muito pequeno já dizia para a mãe que queria ser “musigueiro” e que da Bahia pegou régua e compasso para encantar o mundo, com sua forma especial de tocar violão e maneira peculiar de enxergar as coisas.
O livro narra a infância no interior da Bahia, a ida para Salvador e depois para São Paulo já formado em administração de empresas para trabalhar na Gessy Lever, sendo preparado para o mundo executivo até desistir de tudo e escolher a música. Narra a influência primordial de Luiz Gonzaga, a descoberta de João Gilberto e depois de Beatles, Jimi Hendrix, Jackson do Pandeiro, Bob Marley e tantas outros. E também a relação extraordinária com Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia, Elis Regina e Jorge Mautner. E, claro, o tropicalismo.
E como toda biografia (mesmo as não tão boas) apresenta alguns ótimos casos, como a composição de “Aquele Abraço” e “Drão”, como também a primeira vez que Baden Powell o viu tocar, dizendo imediatamente para Edu Lobo que estava ao lado a seguinte frase: “olha outro diferente aí”. Sim, Gil é diferente e “Gilberto Bem Perto” demonstra um pouco disso. Algo que se sobressai bem na obra é quantidade de fotos espalhadas pelas páginas tanto em preto e branco como coloridas, oriundas de várias fases da carreira.
O parceiro, poeta e letrista Torquato Neto disse certa vez que “há várias maneiras de se cantar e fazer música brasileira. Gilberto Gil prefere todas.” Nada mais definidor. Até por isso Gil merecia um retrato melhor, mais completo e neutro. Porém, biografias autorizadas não tendem muito a essa neutralidade, infelizmente. E Gil, sendo o Ministro da Cultura que ficou marcado pelo Creative Commons, paradoxalmente se envolveu com o trágico movimento “Procure Saber” que em linhas gerais versa sobre a proibição de biografias não autorizadas. Talvez, só talvez, se “Gilberto Bem Perto” fosse “não autorizado” teria um resultado final melhor, fazendo jus ao cracaço que Gil foi (e é) dentro da música. Quem sabe no futuro.
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
Leia também:
– Gilberto Gil e Stevie Wonder no Rio: “Gil enfileirou clássicos após clássicos” (aqui)
Esse e o do Erasmo Carlos, são exemplos bem claros pra mim do quanto seria ruim a censura às biografias não-autorizadas. Li os dois e fiquei com a sensação de que não dizem quase nada. Mais chapa branca impossível.