por Marcelo Costa
“A Autobiografia”, Pete Townshend (Globo Livros)
O eterno guitarrista do The Who gasta aproximadamente 500 páginas para rememorar sua história pessoal, que, em muitos momentos, esbarra na história de sua banda. Usando a caneta como um divã, Pete Townshend relata as histórias ao mesmo tempo em que tenta entende-las e traduzi-las para os fãs (e para si mesmo). O exercício não deixa de ser interessante, ainda que o Who apareça apenas no 2/5 do livro e ali pelo final do 3/5 já se torne um peso que Pete terá que carregar por toda sua vida – e que fará dele tão milionário quanto celebrado mundialmente. Na primeira parte, destaque para sua família e incursão numa escola de artes (este trecho é ótimo). A segunda foca no desenvolvimento de sua amizade com Roger Daltrey até a formação do Who, os primeiros shows, os primeiros hinos e, na sequencia, o megassucesso das óperas rock “Tommy” (1969) e “Quadrophenia” (1973) coincidindo com o momento ególatra (alcoólatra e drogado) que resvala na insistência em projetos que tomaram anos (alguns deles, décadas) de sua vida (o lançamento sêxtuplo da ópera “Lifehouse”, de 2000, reúne esboços de 1971 a 1999) mostram um homem genial e absolutamente inseguro diante de suas próprias conquistas. O saldo final é positivo, pois Pete Townshend consegue soar sinceramente honesto tanto nos momentos em que junta cacos de um relacionamento (destruído por seus próprios erros), como quando se aprofunda em seus sentimentos de fé e/ou se devota a sua banda, mostrando que até mesmo os deuses da guitarra têm dúvidas, e erram, e seguem em frente.
Nota: 8
Leia também:
– Pete Townshend fala de Jimi Hendrix (aqui)
– Pete Townshend e a batalha entre o velho e o novo (aqui)
“Tocando a Distância: Ian Curtis e Joy Division”, por Deborah Curtis (Edições Ideal)
Na manhã de 18 de maio de 1980, Deborah Curtis encontrou o marido (eles estavam se divorciando, mas os papéis não haviam sido assinados) enforcado na cozinha do casal em Macclesfield, cidade vizinha de Manchester. O último gesto do vocalista do Joy Division colocou ponto final em uma vida breve (ele tinha 23 anos) e Deborah tenta entendê-lo neste livro lançado originalmente em 1995 na Inglaterra. “Tocando a Distância” humaniza Ian Curtis ao mesmo tempo em que o mitifica. Segundo a esposa, Ian era ciumento e possessivo (ele fazia cenas quando ela usava roupas decotadas e saias curtas tanto quanto a proibia de conversar com homens e amigas de escola). Deborah também questionava o conteúdo nazista da banda (“Joy Division era como os nazistas chamavam as prisioneiras mantidas vivas para serem usadas como prostitutas pelo exército alemão. (…) Era repugnante, de mau gosto (…), apoiava a degradação das mulheres”), mas se apaixonou pelo ídolo Ian Curtis muito antes da multidão. Quando o Joy Division se tornou badalado (ainda que Ian não tivesse dinheiro para ajudar a esposa a pagar a conta de luz), Deborah foi excluída do círculo da banda para que Ian circulasse com sua amante belga. Repleto de entrevistas, “Tocando a Distância” é bem mais profundo e completo em ideias do que o raso filme inspirado no livro (“Control”, de Anton Corbijn, que foca demasiadamente nas dúvidas de Ian em relação às suas mulheres – a esposa, a amante e a filha Natalie) e desenha um retrato intenso do vocalista focando na epilepsia, na bipolaridade e em seu desejo de morrer jovem, algo que Deborah já havia identificado no começo do relacionamento, oito anos antes, mas não acreditava que Ian levaria a cabo. Ele levou. Mesmo sendo o livro de uma esposa traída (de diversas formas), “Tocando a Distância” é obrigatório para tentar entender Ian Curtis e o Joy Division.
Nota: 9
Leia também:
– Documentário traz esforço interessante de contar a história da banda do Joy Division (aqui)
– “Best Of”, Joy Division: apenas para quem descobriu Ian Curtis ontem (aqui)
“The Smiths: A Light That Never Goes Out”, Tony Fletcher (Ed. Best Seller)
Entre 1982 e 1987, se não foram a maior banda do mundo, com certeza os Smiths foram a maior banda da Inglaterra, e esse volume imperdível de mais de 600 páginas que reconta a história do grupo lança luz sobre boa parte das coisas que impediram os Smiths de serem tão grandes quanto o R.E.M. (seu equivalente espiritual no Novo Mundo). Tony Fletcher soa didático e consegue um resultado surpreendente ao cavocar não só a história das famílias de Stephen Morrissey e Johnny Marr, mas, principalmente, de Manchester (numa das melhores introduções de biografias musicais já escritas), para mostrar como a cidade influenciou decididamente na personalidade dos futuros músicos (para o bem e para o mal). Morrissey e Mike Joyce se negaram a colaborar com Tony Fletcher, mas Marr e Andy Rourke foram ouvidos e, juntando-se a isso pesquisas (Morrissey falou tanto no período – e depois dele – que a quantidade de aspas o faz parecer tão presente no livro quanto Marr) e entrevistas com uma porção de quase empresários, jornalistas, gente da Rough Trade, da Sire, da EMI e da equipe que acompanhava os Smiths em turnê, Tony Fletcher consegue desenhar um painel extremamente bem acabado da banda, com Johnny Marr posando de gênio e rockstar, Morrissey de gênio com ataques sem noção de estrelismo, e Andy e Mike como coadjuvantes de luxo (ainda que importantíssimos para fazer os Smiths soarem como Smiths) num grupo que poderia ter tido o mundo nas mãos, mas ninguém quis atender quando o sucesso bateu a porta – na verdade, dificultou ao máximo a chance de ser popular, algo que Morrissey faria totalmente ao inverso no início de sua carreira solo (“Typical me, typical me”, grita o letrista de algum lugar). A última página é de chorar. Obrigatório.
Nota: 10
Leia também:
– “The Sound of Smiths” substitui de forma exemplar as coletâneas anteriores (aqui)
– Discografia comentada: sobre todos os discos da carreira solo de Morrissey (aqui)
Mac: a biografia dos Smiths é realmente ótima. Para mim, o trecho que dá vontade de chorar – de raiva – é a gravação de um clipe dos Smiths. Tudo acertado, equipamentos e banda a postos… E o Morrissey não aparece.
“Mesmo sendo o livro de uma esposa traída (de diversas formas), “Tocando a Distância” é obrigatório para tentar entender Ian Curtis e o Joy Division.” – Definiu bem o que senti lendo o livro.
The smiths foi a maior banda de rock de todos os tempos depois dos Beatles.