Textos e fotos por Bruno Capelas e Marcelo Costa
IRA! – Palco Júlio Prestes – 18h (sábado)
O grande show da Virada Cultural de 2014 foi parte de uma feliz combinação. Talvez não existisse melhor lugar para a volta, após sete anos, da banda de rock que melhor canta São Paulo em suas canções. Nem melhor banda para dar a largada para a décima edição de um evento que, apesar de defeitos e choques de gestão, já é um marco na agenda anual da cidade. Juntos novamente, Nasi e Edgard Scandurra lembraram grandes hits, enveredaram por lados B (“Como os Ponteiros de Um Relógio” e “Prisão das Ruas” dedicadas “para quem conhece o IRA! não pelo ‘Acústico MTv’, mas pela nossa carreira”, como pontuou o guitarrista, dono de grandes solos), mostraram uma inédita (a tola mas divertida “ABCD”), elogiaram o projeto municipal de combate ao crack, criticaram a especulação imobiliária, e, acima de tudo, fizeram crer que esta volta não é (apenas) um caça-níquel. Os substitutos Daniel Rocha (baixo) e Evaristo Pádua (bateria), além do tecladista Johnny Boy, não deixaram a peteca cair, e fizeram cama para uma meia dúzia de momentos arrepiantes — a explosão em “Longe de Tudo” (sintomático abrir o primeiro show em sete anos com a canção que abre o primeiro disco da banda, de 1985), o inferno de Sganzerla em “Rubro Zorro” (com o trompetista Guizado), o grito de “porra caralho…” em “Dias de Luta”, o parabéns especial em “Envelheço na Cidade”, o bis com “Coração” e “Nas Ruas”… não, apesar dos pedidos, não teve “Pobre Paulista” (e nem precisava). Ok, o som poderia estar melhor, e a banda ainda pode se entrosar mais para a turnê de mais de 40 datas que acontece em breve pelo País. Mas loucura seria falar mais desse sentimento, e depois de tanto tempo, é hora de se entregar como nunca.
Juçara Marçal – Palco Barão de Limeira – 20h (sábado)
Responsável por um dos grandes discos nacionais deste 2014 sem água, com Copa e muita conversa fiada, a cantora Juçara Marçal exibiu as canções do álbum “Encarnado” (download gratuito aqui) abrindo os trabalhos do palco da Barão de Limeira acompanhada do trio instrumental que trabalhou no disco (Kiko Dinucci na guitarra, Rodrigo Campos na guitarra e no cavaquinho e Thomas Rohrer na rabeca) e tocou praticamente todo o disco ao vivo, para delírio de uma bela plateia atenta. Se não bastasse a execução intocável do disco, Juçara acrescentou ao repertório as versões de “Comprimido”, de Paulinho da Viola (que chegou a ser cogitada para o álbum, e merecia ter entrado), e a clássica “Opinião”, de Zé Keti, já no bis, executada pelo quarteto pela primeira vez em um evento que marcava os 50 anos do Golpe Militar, e reprisada com força na Virada Cultural. Dois pontos altos e inesquecíveis da noite: a versão de “E o Quico?”, de Itamar Assumpção, e, principalmente, a surpreendente releitura de “Não Tenho Ódio no Verão”, de Tom Zé, com Juçara mostrando domínio impecável da voz (assista aqui). De arrepiar.
Riachão – Palco Luz – 21h (sábado)
Você pode nunca ter ouvido falar dele, mas conhece suas canções: “Chô Chuá (Cada Macaco No Seu Galho)”, gravada por Gilberto Gil e Caetano Veloso na volta do exílio em 1972? É dele. “Vá Morar Com o Diabo”, relida por Cássia Eller em seu “Acústico MTV”? Também. Aos 92 anos, Riachão é uma lenda viva da música brasileira e da escola do samba de roda da Bahia. Ele gravou um dos mais bonitos discos de 2013, “Mundão de Ouro”, relendo suas principais canções e a expectativa para o show na Virada era grande, mas a noite teve gosto de concessão e frustração. Parte pela condição um bocado debilitada do “malandro”, como Riachão se autodenomina; parte pela banda que o acompanhava, que apostou em arranjos exagerados e simplistas para tentar conquistar o requebrado do público; mas, sobretudo, pela péssima qualidade do som no palco, que teve momentos de intermitência e chegou a deixar Riachão “mudo”. Ainda assim, foi bonito ver o nonagenário no palco, feliz por dividir sua música com a plateia, em posição de prestígio que poucas vezes teve na vida.
Rosanah – Palco Arouche – 21h (sábado)
Palco mais popular da Virada em todos os anos, a escalação no Arouche (seria uma provocação a Caco Antibes?) prometia uma alta cantoria quando Peninha (responsável pelo único milhão de cópias da carreira de Caetano, que regravou “Sozinho”), Kátia (a cantora cega protegida durante anos por Roberto Carlos e responsável pelo sucesso “Qualquer Jeito (Não Está Sendo Fácil)”) e a diva Rosanah entoassem seus hits. Esta última, vitima de plásticas, botox e de arranjos duvidosos, só não bateu em tosqueira o show de Wando neste mesmo palco em 2009 (ano em que todo mundo cantou “Fogo e Paixão” com violão e bateria eletrônica). Dividindo-se entre a guitarra e o teclado e acompanhada por um baixista, um baterista e arranjos programados, Rosanah cantou 4 Non Blondes (“What’s Up”), fez um momento poperô (“Vamos dançar um house de qualidade”, disse antes de uma base manjada fazer todos os presentes tirarem o pé do chão), dedicou o show a seu cabelereiro, Hudson, chamou um fã para um dueto no palco (minutos depois, no meio da plateia, o rapaz chorava rios que poderiam encher a represa da Cantareira enquanto gritava “diva, diva, divaaaaa”), fez embromation em “It’s Raining Man” e “Got To Be Real” e relembrou sucessos próprios como “Nem Um Toque” (cantada em coro pelo público) e “O Amor e o Poder”, tema de Reginaldo, na novela “Fogo no Rabo”, em arranjo “indígena”. Uns choravam, outros gargalhavam, mas ninguém saiu imune do “show” de Rosanah, que emendou – num medley bizarro – Roupa Nova, Jota Quest, Celly Campelo, Chubby Checker, “Twist and Shout” e “La Bamba”. O público… aprovou.
Otto – Palco Rio Branco – 23h (sábado)
Um dos palcos mais interessantes da Virada, criado em 2012, traz uma série de artistas homenageando álbuns clássicos. Neste ano, entre os 12 shows escalados estavam Felipe Cordeiro refazendo “Expresso 2222”, de Gilberto Gil; Fred ZeroQuatro tocando o álbum de 1973 de Nelson Cavaquinho e Lucas Santana recuperando “Gita”, de Raul Seixas. O pernambucano Otto teve a incumbência de revisitar o clássico “Canta Canta, Minha Gente”, de Martinho da Vila, e fez bonito. Também, pudera: acompanhado de um time luxuoso, não tinha como dar errado. O maestro Pupillo ficou responsável pelas baquetas; Thiago França se alternou entre sax e flauta enquanto Regis Damasceno (violão) e Rodrigo Campos (cavaquinho) conduziam o festejo nas cordas e os percussionistas Malé e Axé atacavam os tambores – Toca Ogan, da Nação Zumbi, entrou no meio do show para dançar, e se juntou aos dois percussionistas. À frente da turma, um Otto impressionantemente seguro de si convocou o público para um coro na faixa título e viu dezenas de casais dançaram coladinho no hino “Disritmia”. Entre as canções, filosofou aquelas coisas que só ele entende enquanto arriscava alguns improvisos cantando de “Tropicália” (Caetano) a “Magrelinha” (Luiz Melodia) e “Oração de Mãe Menininha” (Maria Bethania). A cada pausa elogiava o disco: “Puta que pariu, que álbum foda”, disse em certo momento, explicando que ouviu tantas vezes esse disco na infância que sabe ele de cor, mas preferiu levar as letras transcritas para “respeitar a poesia de Martinho”. No recado mais útil de todo o fim de semana, orientou: “Desliguem a TV. Pensem por vocês mesmos”. E encerrou a noite numa batucada de terreiro com “Festa de Umbanda”, que trouxe citações de “Celular de Nana”. Bonito, muito bonito.
Lafayette + Autoramas + B Negão – Palco Arouche – 07h (domingo)
Entre virados e madrugadores, o domingo começou às 7h no Largo do Arouche, com o power trio Autoramas fazendo um show 2 em 1, em uma combinação dupla tão eficaz quanto café expresso e pão na chapa. Na primeira parte, o grupo se juntou ao veterano organista Lafayette para reler grandes canções do período da Jovem Guarda, acordando os vovôs presentes com clássicos como “Negro Gato” e “Devolva-me”, envenenados pela guitarra de Gabriel Thomaz e os backing vocals deliciosos da baixista Flávia Couri. Em seguida, Lafayette deu lugar a B Negão, que há quase um ano divide palcos (e EP) com a banda. O ex-Planet Hemp comandou um sacolejo que ajudou a despertar a plateia, com direito a releituras espertas de “Let’s Groove” (do Earth, Wind & Fire) e “Walk on the Wild Side” (num medley com “Enxugando Gelo” e dedicada ao Arouche), protesto com a “Dança do Patinho” e rodinhas de pogo em “Essa é Pra Tocar no Baile”, “Você Sabe” e “Surfin’ Bird”. Divertido e empolgante, o grupo fez um show tão fácil como “1,2,3,4”. WOW!
Pepeu Gomes – Palco Júlio Prestes – 09h (domingo)
Todo festival tem aquele show que você olha, torce o nariz, mas acaba vendo e se diverte. Foi o caso da apresentação de Pepeu Gomes neste ano, um ótimo adversário para o confronto com o cansaço acumulado e a vontade de ir para casa e tirar um cochilo. Cada vez mais plastificado pelo Botox, e com a pose de guitar hero que lhe é conveniente, Pepeu não se intimidou perante a plateia de uns poucos gatos pingados no palco principal da Virada, apostando mais em seus solos de guitarra do que nos inúmeros hits de rádio que colecionou nas décadas de 70 e 80. Surpreendeu o caráter rrrrock do show, que foi aberto (“Oye Como Va”, de Tito Puente, mas lembrada na gravação de Santana) e fechado (“(I Can’t Get No) Satisfaction”, dos Rolling Stones) com clássicos do gênero, teve vários duelos de guitarra e ainda contou com uma homenagem a Chico Science em uma versão de mais de dez minutos de “A Cidade”.
Demônios da Garoa – Palco General Osório – 10h (domingo)
O Arnesto nos convidô pra ver os Demônios da Garoa na tenda da rua General Osório, mas nóis “fumo” e num “encontremo” ninguém, esperando a banda até uma hora depois do que estava previsto na programação oficial. Um membro da organização do palco, que disse não ter poder de avisar o público sobre o atraso, alegou que a produção dos Demônios da Garoa estava inacessível. Em tom de troça, o diretor de palco ainda se orgulhou de poder proporcionar aos presentes “a apresentação de seu gosto musical”, enquanto as caixas de som do local tocavam “Happy”, de Pharrell. Horas depois, a reportagem do Scream & Yell descobriu que a banda avisou, via Facebook, o cancelamento do show “por falta de condições”, em postagem feita por volta das 10h da manhã. Procurada, a Secretaria Municipal de Cultura não respondeu a tempo da publicação deste texto. Pior para o público, que ficou esperando feito besta um dos grupos que melhor representa a cidade (e que é quase uma instituição da Virada Cultural). Como diria a canção: “isso não se faz Arnesto, mas ocê podia tê punhado um recado na porta”.
Falcão – Palco Arouche – 11h30 (domingo)
O plano original era ver Evinha na República e depois almoçar no Minhocão, mas o atraso de duas horas no palco ‘black’ da Virada Cultural fez a rota mudar. Afinal, no meio do caminho tinha um Falcão. Com o tradicional girassol na lapela do paletó, o cearense juntou uma galera considerável no Arouche para um espetáculo que tinha um tanto de música, mas uma boa parte de stand-up comedy às antigas (com inúmeras piadas sobre o órgão sexual masculino). Apoiado por uma banda de formação jovenguardista (com direito até a orgão… de churrascaria), o cantor fez uma apresentação curta, mas recheada de clássicos, incluindo uma versão extensa e hilárial de “Ai! Minha Mãe” e a porrada “Holiday Foi Muito” (aquela que diz que “homem é homem, macaco é macaco e viado é viado”). No comemorado bis, o cantor ainda tirou os óculos (rá!) e fez duas covers pra ninguém botar defeito: “Tu És o MDC da Minha Vida”, de Raul Seixas, e “Atirei o Pau no Gato” dentro da base de “Another Brick in the Wall”. Imperdível, bonito, lindo e joiado, Falcão não é tudo, mas é um cara 100%.
Romulo Fróes – Palco Rio Branco – 13h (domingo)
Responsável por recriar no palco aquele que é considerado o melhor álbum de toda a carreira do baiano Caetano, o paulista Romulo Fróes montou um escrete de ouro para o desafio do galo e trouxe ao palco o Passo Torto (Kiko Dinucci na guitarra, Rodrigo Campos na guitarra e no cavaquinho e Marcelo Cabral no baixo) acrescido de Curumin (impecável nas pontuações da bateria) e Thiago França, alternando entre sax e flauta, uma formação de banda que podia (DEVERIA) ser testada em um disco cheio. Em São Paulo, três horas antes de um chuva de granizo antecipar o final da Virada, o sexteto mandou ver em versões encorpadas de “You Don’t Know Me” e “Nine Out of Ten”, arrebentou numa brilhante recriação de “Triste Bahia”, com 10 minutos de um crescendo empolgante e metalizado (assista), que contou com o coro de um excelente público, e também de “Mora na Filosofia” (assista). Para Romulo, era “uma honra e uma responsabilidade” recriar “Transa” no palco, e o grupo fez bonito, entortando o repertório do disco, sem descaracteriza-lo, num grande show.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista e assina o blog Pergunte ao Pop
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– Virada 2007: Paulinho da Viola, Maria Alcina, Garotos Podres (aqui)
– Virada 2008: Luiz Melodia, Vanguart, Tom Zé, Ultraje (aqui)
– Virada 2009: Wando, Odair José, Los Sebozos Postiços (aqui)
– Virada 2010: Céu, Tulipa Ruiz, Raimundos (aqui)
– Virada 2012: Man Or Astro-Man, Defalla, Titãs, Pinduca (aqui)
– Virada 2014: Ira!, Juçara Marçal, Falcão, Pepeu Gomes (aqui)
– Virada 2015: 51 shows que o editor do Scream & Yell gostaria de ver (aqui)
achei o show do ira! incrível, não sou fã da banda mas quis ir assistir a esse retorno tão esperado.
me surpreendi muito, muita gente emocionada, todo mundo com as letras na ponta da lingua e muita animação.
teve momentos que achei que estava em um show do one direction, tamanha era a gritaria.
ouso dizer que vai ser eleito o melhor show nacional no fim do ano, aqui por esse site.
assisti o silva tb e como sempre ele fez um belo show sem muita conversa. ponto positivo.
De todos os shows que vi o de Romulo foi realmente o melhor.
Eu achei a banda bem entrosada sim e o som também não estava dos piores , o Nasi que não está com a voz 100% ;mas R’nr é isso aí ! Grande show ! ” Prisão das Ruas ” matou a pau !
Eu vou ver esses caras (Ira!) aqui em Curitiba no mês que vem,e fui na resenha pensando que iam meter o pau na formação nova,na vontade de ganhar dinheiro da banda.Achei que ia acontecer isso,mas não.Deve ter sido foda,e Com os Ponteiros de um Relógio é de chorar.
Pode soar meio vintage demais, mas o Mark Farner quebrou tudo e deixou a velharada que curte Grand Funk de queixo caído! Foi tão quanto legal ver o Silva falando mais com sorriso do que com palavras… Otto foi mais seguro e divertido que nas duas datas que teve pra lançar no Sesc a homenagem ao velho Martinho.