por Marcos Paulino
Uma das vantagens de ser independente: resolver gravar um disco com apenas cinco músicas num sítio, à beira de uma represa, com o requinte de registrar os vocais quase com os pés na água, e realizar tudo isso pouco depois de um mês da decisão ser tomada.
Foi assim que a Fresno fabricou “Eu Sou a Maré Viva”, EP recém-lançado que mantém a banda gaúcha no caminho do rock progressivo e sinfônico, mesmo que o líder, vocalista, compositor e produtor Lucas Silveira relute em abraçar esse rótulo.
“Manifesto”, com participação de Lenine e Emicida, é o ponto alto de um álbum pesado e com letras acima da média recente do rock nacional. Sobre esse trabalho, Lucas deu a entrevista a seguir ao PLUG, parceiro do Scream & Yell. Confira.
O título do disco traz referência à maré viva, período em que há maior movimentação dos peixes, portanto mais produtivo para a pesca. O que isso tem a ver com este trabalho?
Acho que é porque estou me aproximando mais do meu pai, que mora em Mostardas, uma cidade pesqueira lá do Sul. A música que a gente cria é sempre um produto daquilo em que a gente está imerso. Quando dá a maré viva, a onda vai bater nas dunas. É uma figura boa pra ilustrar quando precisamos de uma força sobre-humana para enfrentar um momento da nossa vida. Não só uma banda, mas todos nós temos nossos momentos de maré viva.
Vocês optaram por gravar na beira de uma represa e chegaram lá com boa parte do material inacabado. Por que essa decisão?
Quando componho, já vou meio que produzindo, traçando um caminho. Nosso objetivo foi não se prender a esse caminho que tracei quando comecei a compor a música. Eu quis que o resto da banda também inventasse em cima daquilo. Depois de dois dias no sítio, tua energia começa a mudar e quisemos condensar esses momentos na gravação. Lá tivemos escolhas muito importantes. Uma delas foi eu ter gravado os vocais fora da casa, quase com o pé na água.
Vocês realmente aproveitaram o ambiente para produzir alguns efeitos nos vocais?
Experimentamos bastante coisa lá. Quando você está desconectado de internet, telefone, essas coisas, você se conecta mais com o que está dentro de ti, com coisas que o dia a dia da cidade não deixa. Pudemos parar tudo e tomar um banho de rio ou pegar um caiaque e sair remando pra pensar naquela música. Isso teve um papel cabal no resultado.
Neste trabalho, assim como no penúltimo, “Infinito” (2012), o som do disco remete ao rock progressivo. Esse flerte é reconhecido até no texto de divulgação do CD. Vocês realmente têm procurado essa linha ou tudo acontece naturalmente?
Acho que rock progressivo engloba tantas bandas tão diferentes. Há muitas bandas hoje que revisitam um som mais antigo, numa tentativa de descomputadorizar a música. Mas não sou muito dessa coisa de volta às raízes, gosto de abraçar a tecnologia. Mesmo tendo um flerte com sons mais alternativos, nossa linguagem final acaba sendo bem popular. Neste disco, inclusive, tivemos uma preocupação de falar com todo mundo, mas sem nivelar por baixo, sem simplificar demais as coisas. Acho que a super simplificação faz as pessoas não estarem mais acostumadas a ouvir aquilo que exija algum nível de abstração. Houve um momento em que esse rock progressivo era o que havia de mais popular na música. Hoje esse popular é bastante mastigado. Vamos na contramão disso.
A participação do Lenine e do Emicida no disco tem a ver com essa ideia de falar com todo mundo?
O que me fez ter uma banda de rock foi uma série de variáveis que me levou a ter isso como preferência. Mas se eu tivesse nascido em outro lugar, me mudado pra uma cidade diferente, eu teria virado outra coisa. O Lenine e o Emicida pensam mais ou menos o mesmo que a gente, mesmo que isso aconteça numa linguagem diferente. Sou muito fã deles, e quando apareceu a faixa “Manifesto”, percebi que precisaria deles pra engrossar aquele discurso. Essa faixa é o grande acontecimento deste disco.
No lançamento do “Infinito”, vocês estavam lidando com a saída do Tavares. Agora, a situação é oposta, com a estreia do Guerra na bateria. Isso mudou o astral durante as gravações?
A saída de um integrante nunca é legal, mas a entrada de um cara novo sempre é legal. O público é testemunha da eterna evolução da banda, e às vezes essa evolução não é a mesma que a das pessoas que fazem parte da banda. Vamos seguindo os caminhos para os quais a música vai nos levando, e ninguém é obrigado a estar 100% de acordo com isso. Por isso que as saídas acontecem. O Tavares teve os motivos dele, que estão mais do que explicados. As saídas são sentidas, mas nunca serão uma cicatriz irreparável. Já o Guerra tocava comigo há muitos anos, e estou feliz de ele hoje ser da Fresno.
Recentemente, o Marquim, do Raimundos, disse que eles estão felizes por serem independentes de uma gravadora. Vocês também se sentem assim?
Com certeza. Essa liberdade é uma bênção e um fardo. Na nossa fase underground, tudo tinha um peso muito menor. Hoje a Fresno é uma empresa que, dependendo do show, emprega dezenas de pessoas. Mas nada paga a liberdade e a agilidade criativa que a gente tem. Um mês depois de decidirmos gravar este disco no sítio, estávamos fazendo isso. Com a gravadora, isso não existe. Até agora, eu estaria aprovando repertório com um diretor artístico, que de artístico não tem nada, é um diretor de negócios. O crowdfunding feito pelo Raimundos para gravar o disco deles mostra cada vez mais que a nossa gravadora são os nossos fãs. Eles que vão divulgar, te colocar na TV ou no rádio, de tanto que vão pedir, e que vão te fazer gravar um próximo disco, te mantendo motivado econômica e mentalmente.
– Marcos Paulino é jornalista e editor do caderno Plug, do jornal Gazeta de Limeira.
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