Cantiga de Ninar, de Chuck Palahniuk

Por Danilo Corci

Parece que a literatura da atualidade encontra-se em uma grande encruzilhada. Se por um lado as vanguardas do século 20 permitiram toda a liberdade estética que hoje todas as formas de arte gozam, por outro parece ter condenado a literatura a um círculo sem volta. O que rege os escritos de hoje é, sem sombra de dúvidas, o mercado, com suas armadilhas de facilitação dos textos para uma rápida deglutição. Se fosse viável, alguns leitores exigiriam que livros viessem com um DVD para facilitar ainda mais a vida.

Este sombrio cenário parece ser a grande maldição da literatura em sua entrada no século 20. Autores comprometidos com suas vendas, para assim sobreviverem de seus escritos, e nenhuma grande filosofia, nenhuma utopia crucial a penetrar nos meios literários. Seguindo a sigla cunhada pelos irmãos Campos, a era da pós-utópica pode ser alienante. Os desafios morreram. Se ainda existe algum desafio na literatura, geralmente ela se confina à trama, aos enredos. Adeus ao volume da linguagem. Adeus aos “ismos”.

Se na primeira metade do século passado, a literatura era uma das principais estéticas da arte, atualmente o cinema reduziu as boas chances da literatura em ser extremamente popular. Porém, a fantasia ainda resiste como um dos cernes literários. Borges, talvez, tenha sido o mais fantasioso de todos os tempos. Hoje, a procura pelos Jorges Luis parece uma missão quase impossível. Eu disse quase. Às vezes, surgem umas opções. Tal como o norte-americano Chuck Palahniuk.

O paralelo entre Palahniuk e Borges não parece descabido. Existe, sim, um pequeno traço do universo borgiano em “Cantiga de Ninar”, recém-lançado pela editora Rocco. Afinal, quer algo mais Borges do que uma cantiga de ninar capaz da matar quem as ouça? Fantasia pura e mística.

Mas as comparações param por aí. Palahniuk é destes pós-utópicos. Parece não crer em quase nada. Talvez o único “ismo” que apregoe seja o Cinismo. O escritor, famoso por seu livro “Clube da Luta”, não rebusca em nada sua linguagem, parece seguir, ainda que sem abraçá-la de maneira substancial, o jeito de se escrever criado pelo estilo best-seller (ligeiro, ágil, sem firulas e surpresas no enredo, não na escrita). Sim, as antigas vanguardas parecem que não deixaram muitos seguidores. Mas legaram a Chuck Palahniuk seu direito a ser cínico, um cínico extremamente habilidoso.

Em “Cantiga de Ninar”, a história gira em torno do jornalista Carl Streator, que ao investigar casos da sinistra morte infantil súbita dá de cara com um mistério envolvente: uma cantiga de ninar capaz de matar qualquer um que a ouça. Conforme a investigação desenrola, Strator descobre que mais pessoas sabem sobre o segredo da página 27 de um livro raro. Junto com Helen Hoover Boyle, corretora especialista em imóveis assombrados, sua secretária e o namorado ecoterrorista dela, o jornalista parte para uma jornada através dos Estados Unidos para eliminar os trezentos exemplares do livro que ainda restam.

Palahniuk é hábil em mostrar que palavras podem “matar”, quase um simulacro das vanguardas já ultrapassadas. Com seu ritmo alucinante, destila seu cinismo e ironia sobre o mundo atual e as conseqüências de todo um desejo onipresente da sociedade de massa, do capitalismo desenfreado. Estamos, atualmente, num mundo sem grandes ideais. O escritor sabe muito bem disto e não para de cutucar o leitor o tempo inteiro, num desafio inteligente e raro. Se muita gente acredita que a literatura entrou de vez na decadência, então, felizmente, Chuck Palahniuk está presente para provar o contrário. E viva o cinismo e o fim das utopias.

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Danilo Corci é jornalista e editor dos sites Speculum e Mojo Books

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Leia também:
– “Clube da Luta”, o filme, por Marcelo Costa (aqui)
– “Clube da Luta”, o livro, por Hugo (aqui)

9 thoughts on “Cantiga de Ninar, de Chuck Palahniuk

  1. Opa , vou correr atrás para devorar esta leitura.

    belo texto.

    e sim, hoje em dia o extrato bancário é mais importante que o estilo próprio.

  2. pra mim o unico livro bom de palahniuk foi o memorável clube da luta os outros são apenas tentativas de chocar as pessoas sem nenhum sentido real…

  3. Não, João, não são meras tentativas de simplesmente “chocar as pessoas”, na verdade, o Palahniuk escreve com o mesmo ideialismo. Aliás, sempre dá para tirar algo das histórias dele, e são todas incríveis.

  4. acabei de ler o “assombro” (há 2 minutos) e amei… amei cantiga de ninar tb,… Choke tb… Mas o meu preferido até agora é “o sobrevivente”… Vcs sabem quais outros foram lançados em portugues?

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