por Bruno Capelas
Durante boa parte dos anos 00, Will Prestes era um dos principais band-leaders do cenário independente brasileiro, comandando a Wonkavision com riffs de guitarra chicletudos e letras espertíssimas. Um bom tempo fora do ar após o lançamento, em 2008, de “Outravision”, segundo disco do quarteto gaúcho, Will volta à ativa com o WAHGEE (uma abreviatura para Will and His Good Enough English), um projeto de “banda de um homem só” que ainda carrega consigo os refrões poderosos do pop da Wonkavision, mas já envolvidos no atual namoro que o músico tem hoje com o folk e o country.
Os ouvintes de “Nanana” e “Quando 16” podem se surpreender, mas segundo ele, os ritmos acústicos são uma paixão antiga. “Entre os anos 80 e 90, ouvi muito os escoceses do The Proclaimers e o Violent Femmes, do Gordon Gano, com suas letras cheias de angústia adolescente e o som cru do violão e baixo acústico do primeiro disco”, rememora, contando ainda que hoje vê boas histórias sendo contadas no country americano por gente como Kacey Musgraves, “a versão trailer trash da Taylor Swift”.
“Town and Country”, primeiro EP do projeto, foi lançado no começo de janeiro, e conta com belas canções como a carta de (des)amor “Dear Rose” ou a empolgante “Ear Candy Treat”. Na entrevista a seguir, ele comenta as dificuldades que existiam em transportar uma banda cheia de equipamentos “em um país onde dirigir pelas estradas é uma roleta russa e a gasolina não é barata” e conta que quer tocar em “casas e apartamentos, ou pequenos bares que pareçam casas ou apartamentos de pessoas”. Abre a porta e deixa o moço entrar.
Você passou alguns anos parado entre o fim da Wonkavision e o lançamento desse novo projeto, Will and His Good Enough English (o nome cheira a piada interna). O que você fez nesse meio-tempo, e o que te motivou a voltar a gravar e mostrar para o mundo as tuas canções?
Na verdade, o conceito para o WAHGEE começou há bastante tempo. Tempo o suficiente para dizer que não houve exatamente um hiato entre os projetos. Desde 2008 que comecei a esboçar canções para um violão e duas vozes. Neste meio tempo até tentei alguns formatos de dupla: primeiro com o Tiago Pedalino, do Ramirez (que entre alguns nomes, poderia ter se chamado The Dangerines), depois com a Patrícia Spier (Tea For Two) – inclusive temos algumas canções gravadas nos nossos HDs. Mas apesar dessas iniciativas terem sido super bacanas, percebi que precisa fazer algo sozinho.
Em algumas entrevistas por aí, você comentou que todos os instrumentos do disco foram gravados por você mesmo no estúdio. Por que você escolheu esse caminho, e quais foram as tuas limitações nesse processo? Além disso, imagino que o projeto não deva ficar só restrito ao disco, mas também a algumas apresentações por aí, e, nesse sentido, você já pensou como funcionaria a execução ao vivo?
Este foi o desafio no momento que escolhi virar um ato solo. Parte desta decisão foi artística, mas grande parte foi relacionada a viabilização de um artista independente no Brasil. Na época da Wonkavision deixamos de fazer muitos shows porque nossas estrutura era custosa. Éramos quatro pessoas na banda e tínhamos muito equipamento pesado. Num país desse tamanho, onde dirigir pelas estradas é uma roleta russa, comprar um ônibus velho e sair por aí não é tão viável como é para os artistas gringos, que contam com boas estradas e gasolina barata. O WAHGEE nasceu móvel e completo. Tenho um PA portátil, cenário e luzes. Tudo fácil de transportar, cabendo no meu carro, ou sendo despachável por avião como bagagem normal. Porém, esta mobilidade traz outros desafios, como arranjar as músicas de forma a ficarem preenchidas com os instrumentos que eu consigo tocar simultaneamente sem parecer um homem-banda, e desenvolver minhas habilidades de performance (basicamente coordenação motora) para poder executar os arranjos ao vivo. O plano para shows do WAHGEE é simples. Quero tocar em casas ou apartamentos de pessoas, ou pequenos bares que pareçam casas ou apartamentos de pessoas. A ideia é começar com uma audição para amigos, aqui em casa. O plano era ser em fevereiro, mas acabei saindo de férias e vai ficar pra março. O repertório vai bem além do EP, já com músicas para um álbum completo.
Para quem acompanhou o teu trabalho na Wonkavision, com guitarras e os sintetizadores da Manu, chega a ser surpreendente a tua incursão pelos violões acústicos, pelo folk e pelo country. Explica pra gente de onde vem essa influência, e por que você escolheu dar vazão a esse lado agora.
Se tu prestar bem atenção vai notar que no segundo disco da Wonkavision já tinha um traço country na música “Not For Me”. Só que, pelo estilo da banda, resolvi simular um banjo com um som de moog. Mas confesso que sempre gostei de música folk e música country. Entre os meus heróis nos anos 80, estava o Violent Femmes, do Gordon Gano, com suas letras cheias de angústia adolescente e o som cru do violão e baixo acústico do primeiro disco. Nos anos 90 ouvi muito os gêmeos escoceses The Proclaimers, com harmonias de voz sensacionais. Mas o country mesmo rolou num processo meio reverso. Comecei a escutar com mais frequência porque queria estudar mais sobre o estilo e principalmente aprender alguns licks de guitarra. Acabei ouvindo tanto que hoje tenho um iPod só de música country. Hoje, o que mais me prende são as letras. O country clássico tem um artesanato muito particular em como as palavras são esculpidas. Contém muita analogia sagaz, muito whiskey, amor e camionetes. Mas vejo também um novo country surgindo, com gente nova cantando sobre coisas mais obscuras e ao mesmo tempo estreitando a linha com o pop. Ouve a Kacey Musgraves, por exemplo. A versão trailer trash da Taylor Swift. Ela escreve muito sobre um confronto com as tradições conservadoras do sul dos Estados Unidos. Não é algo da nossa cultura, mas é uma história bacana de se observar como está sendo contada, porque é inteligente. Gosto desse contraste, da mesma forma que o pop e o conteúdo das letras da Wonkavision se chocavam. Por enquanto o WAHGEE é ainda mais singelo do que sarcástico. Mais questionador do que irônico. Sei lá, deve ser a idade. 😉
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista e assina o blog Pergunte ao Pop.
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