Entrevista: Linda Martini
por Pedro Salgado, de Lisboa
Ao longo de 10 anos de existência, o Linda Martini manteve a coerência indie e o coração no punk e hardcore que marcaram os projetos anteriores dos seus integrantes. “Fazemos rock com muito noise, às vezes pesado, às vezes calmo, cantado em português, mas pouco”, resume a baixista Cláudia Guerreiro. Durante o ano de 2006, através da parceria com a banda irlandesa God is an Astronaut, possibilitando uma tour britânica, bem como a participação nos festivais portugueses Super Bock Super Rock e Sudoeste, o grupo lisboeta cimentou a sua imagem e abriu caminho para a notoriedade do disco “Olhos de Mongol” por intermédio do compacto “Cronófago”.
Com a edição de “Casa Ocupada”, em 2010, um disco de que valoriza o instrumental e o experimentalismo alternando momentos de fúria e tranquilidade, e com a faixa “Juventude Sónica” à cabeça, o conjunto assinou aquele que ainda é apontado como o seu melhor álbum. O mais recente trabalho, “Turbo Lento”, retira o título de um jogo de palavras sobre a turbulência social e política causada pela crise econômica. Nele, o formato canção é explorado abertamente e as letras de André Henriques (guitarra e voz), revelam maiores preocupações com o atual contexto português. A política “Febril”, por exemplo, utiliza um sample de “Tanto Mar” (Chico Buarque) e fala das promessas da revolução de 25 Abril de 1974 que não se concretizaram.
Na apresentação do disco em Lisboa, a 12 de Outubro, na Meo Arena, a distorção das guitarras de André Henriques e Pedro Geraldes, bem como a força da seção rítmica de Cláudia Guerreiro e Hélio Morais deram cor a temas como “Juárez”, “Ratos” e “Volta”, sem esquecer canções antigas como “Dá-me a Tua Melhor Faca”, numa noite em que o Linda Martini começava gradualmente a conciliar o êxito do show com o sucesso de vendas de “Turbo Lento”. De acordo com Cláudia Guerreiro, ”a reação foi muito boa, as pessoas já sabiam as letras desde o primeiro concerto de apresentação (do disco). Isso significa que as expectativas não foram defraudadas”.
A baixista do grupo lisboeta sente que o momento é histórico e importa realçar a sua validade: “Embora nunca tenhamos pensado nisso, gostaríamos que a nossa fase atual fosse recordada no futuro como uma etapa muito boa, algures no meio da carreira. O que significa que ainda pretendemos continuar tocando por muitos anos”, diz. Para já, o conjunto está plenamente sintonizado com o tempo presente, ao qual se junta a confiança de vários anos de estrada e o progresso das suas edições discográficas. De Lisboa para o Brasil, a baixista Cláudia Guerreiro conversou com o Scream & Yell sobre o percurso do Linda Martini. Confira:
Porque a aposta no formato canção em “Turbo Lento”?
Por nenhuma razão em especial. Simplesmente aconteceu. O André Henriques passou por três anos em que teve mais vontade de escrever e isso acabou por se refletir no Linda Martini. Não há esquemas previamente definidos e nunca se sabe qual vai ser o próximo caminho.
Vocês incluíram um sample de “Tanto Mar”, de Chico Buarque, na canção “Febril”. Com que objetivo?
Um pouco na lógica da resposta anterior, não temos objetivos definidos à partida. As ideias surgem e, se parecem fazer sentido, usa-se. No caso da “Febril”, o André escreveu a letra inspirado na canção “Tanto Mar”, do Chico, e quando fechamos a seção instrumental da música, fez-nos falta “algo” na parte final. Pareceu-nos fazer sentido usar um trecho da música que inspirou a nossa.
Em “Volta”, canta-se: “Que o fado agora quer ser samba, soltar o corpo, perna bamba”. A quem ou a quê se referem?
Gostamos de deixar as ideias em aberto e que cada um encontre o seu sentido nas letras. O que motivou o André a escrever essa frase acaba por significar uma coisa diferente para cada um de nós. Gostamos que aconteça o mesmo com quem nos escuta.
O disco “Casa Ocupada” ainda é visto como um expoente criativo do Linda Martini. Qual é a vossa justificação para tal fato?
Não tenho essa noção. No nosso entender, é natural que as últimas músicas que fizemos sejam o nosso expoente criativo, porque esperamos sempre ter-nos superado. Para nós, o “Turbo Lento”, sendo o nosso último álbum, superou o “Casa Ocupada”. Mas para o público, esse é um processo que só começou há um mês, pois até lá as últimas coisas que conheciam eram do “Casa Ocupada”. Creio que, para os fãs, o “Turbo Lento” começa agora a apoderar-se desse lugar.
Uma atuação no Brasil está nos planos futuros do grupo?
Infelizmente não há planos para isso, no entanto vontade não falta. Já esteve para acontecer umas três vezes, mas acabou por não ir para a frente. Desta vez, e com a distribuição digital a chegar ao Brasil, temos muita esperança que isso aconteça. Vamos ver!
Os shows do Linda Martini são explosivos e intensos. Até onde pretendem levar a vossa experiência de palco?
Não sei para onde podemos levar mais a nossa experiência em palco. Tentamos sempre dar tudo, pôr toda a nossa energia na atuação. Quando isso não chegar não sei o que faremos. Mas creio que se um dia isso não bastar é porque estamos tocando para o público errado…
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.
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