Sob o CEL 25
BLUR
por Carlos Eduardo Lima
Se alguém perguntar qual minha banda inglesa predileta nos anos 90 ou, quem sabe, minha última banda inglesa predileta desde sempre, eu não hesitarei em cravar o Blur. Tenho várias razões para isso, sejam sentimentais, musicais e umbigais. Apenas posso dizer que gosto intensamente de alguns discos e canções da banda a ponto desses trabalhos pontuais superarem discografias inteiras de contemporâneos do quarteto de Colchester, cidade de origem romana, integrante do condado de Essex, a noventa quilômetros de Londres. Na minha visão brasileira dos fatos, sempre associei o Blur a Londres, e seus integrantes – Damon Albarn, Graham Coxon, Dave Rowntree e Alex James – a jovens ingleses de classe média formados em escolas de arte, algo bem diferente de brucutus operários como, por exemplo, o Oasis, uma espécie de nêmesis do Blur, cuja trajetória paralela nos anos 90 levou a imprensa britânica – a pior do planeta, a mais copiada pela imprensa musical brasileira – a fabricar uma rivalidade entre os grupos. Em seus respectivos mundos, Damon e Noel Gallagher riam disso tudo e agradeciam a escalada de hits nas paradas de sucesso inglesas e, em algumas vezes, mundiais. Sempre achei que o chef Jamie Oliver poderia ser um amigo natural de gente como os integrantes do Blur, não só pela origem compartilhada (Oliver também é de Essex), mas pela aparência descolete e bem humorada. Tal impressão se desfez ao ver o chef, em um episódio de suas variadas séries sobre gastronomia, receber integrantes do… Jamiroquai. Na verdade, Albarn nasceu em Londres.
O Blur esteve ausente por um bom tempo. Lançou um disco bem chato em 2002, o “Think Tank”, que não melhora com o tempo e permanece como o pior trabalho do quarteto. A banda puxou o freio de mão e, principalmente, Damon e Graham foram tocar suas vidas e seus projetos pessoais. O guitarrista do Blur já tinha uma extensa carreira solo e continuou gravando suas canções, sempre inspiradas em bandas independentes americanas dos anos 90, sobretudo daquela interseção entre o grunge e o lo-fi, gente como Guided By Voices, Pavement, gente assim. Albarn, por sua vez, criou o Gorillaz para se distrair mas, ao fim de alguns anos, a nova banda já estava nos mesmos patamares de fama e importância que o próprio Blur e sua proposta não comportava nada muito sério ou extenso. Hits memoráveis como “Clint Eastwood” ou “Feel Good Inc.” foram longe nas paradas e, apesar de legais, dançantes e do apelo visual inegável – apenas para quem não estava no planeta nesses anos, o Gorillaz é uma banda falsa, com personagens desenhados em vez de gente “de verdade – o fôlego do projeto sempre foi curto. Albarn ainda lançou mais um projeto paralelo, The Good The Bad And The Queen, que materializou-se em um disco interessante, gravado em 2007.
Dois anos depois a banda estava reunida, realizando dois concertos concorridos para 50 mil pessoas no Hyde Park, nos dias 2 e 3 de julho de 2009, com os ingressos esgotando rapidamente e permitindo a banda retomar uma relação de mais de vinte anos com o público. Ao longo deste tempo, posso dizer que tive momentos na vida que foram marcantes e marcados por canções do Blur. Em 1994, por exemplo, ano do lançamento do terceiro disco da banda, o soberbo e irretocável “Parklife”, eu estava no segundo ano da faculdade de jornalismo. Eu e meu amigo e padrinho de casamento, Leonardo Salomão, um grande crítico musical que escreveu poucas, mas preciosas resenhas, havíamos iniciado uma rotina pessoal de troca de informações sobre bandas e discos que gostávamos. Eu havia ouvido “Mr. Jones”, do Couting Crows, e ficara admirado pela mistura de referências legais que a música trazia, pitadas de Dylan aqui, vocal decalcado de Van Morrison ali, poesia intelectualóide de Adam Duritz acolá, enfim, eu estava no telefone com o Léo e “Mr. Jones” estava tocando em meu quarto, portanto, ele era capaz de ouvi-la do outro lado da linha. E disparou:
– Cara, vou colocar uma música daquela banda Blur que eu te falei.
– Tudo bem, rapaz, manda aí – respondi, desligando o som e grudando o ouvido no fone. Em poucos instantes ouço os acordes de “End Of A Century”, até hoje minha canção favorita da banda, e a semelhança com climas de inconsciente coletivo plantados pelos Beatles fase “Revolver”-“Rubber Soul” me chamaram a atenção.
– Porra, Leo, Counting Crows é o cacete, hein?
– Não te falei?
Até hoje conto esse diálogo para o meu amigo e ele se admira pela minha capacidade em lembrar-se de algo tão trivial para jovens dos anos 90 como iniciar um projeto de fazer resenhas das bandas que mais gostam. O Blur é uma banda dos anos 90 em essência, falava para nós na época e ainda fala para a minha versão de 20 e poucos anos que vive aqui dentro em algum lugar. Aliás, é ela que deve estar no controle, escrevendo essas linhas.
No dia seguinte comprei “Parklife” e iniciei minha coleção de discos da banda. Logo comprei o primeiro, “Leisure”, que nunca foi meu preferido e fiquei a postos para conseguir o segundo, “Modern Life Is Rubbish”, lançado em 1992, que nunca tivera uma versão nacional. Naquele tempo – 1994/95 – era impossível comprar o disco em alguma loja como a Modern Sound ou a Spider. Só fui encontrar o disco tempos depois, numa barraquinha da Rua Pedro Lessa, no Centro do Rio, onde funcionava um mercado informal de venda, troca e compra de discos. Um dos sujeitos tinha uma cópia lacrada e novinha do “Modern Life”, mas eu não tinha um tostão na carteira. Eram tempos em que não havia cartão de débito e eu só tinha o dinheiro da passagem do metrô para a Uerj e o ônibus para voltar pra casa. Mas havia um talão de tickets-refeição novinho em folha. Após muita negociação, o sujeito concordou que eu pagasse o valor do disco em tickets-refeição, algo que, em toda a minha extensa carreira de comprador de discos, ainda não foi igualado.
O que me anima no britpop, movimento que o Blur capitaneou nos anos 90 e do qual o Oasis apenas participou, porque, quando surgiu, a banda de Colchester já estava no terceiro disco, foi seu caráter nacionalista. A última tentativa para que jovens ingleses ouvissem música feita na Inglaterra havia falhado. As guitar bands, Happy Mondays e Stone Roses à frente, não conseguiram ultrapassar a barreira do underground e o grunge de Seattle já atravessara o oceano e se instalara confortavelmente nas paradas de sucesso britânicas. O Blur fora um participante tardio dessa onda, com seu primeiro single “There’s No Other Way”. Fez sucesso relativo, tocou no Lado B MTV aqui e o primeiro disco da banda teve lançamento nacional, junto com uma banda one hit wonder, o Soup Dragons, que conseguiu sucesso inesperado com sua versão de “I’m Free”, dos Stones. Pois o Blur ressurgiria em pleno 1992 com o disco que é o marco zero do britpop, seu segundo álbum, aquele que eu compraria com tickets-refeição dois anos depois numa barraca da Cinelândia (a globalização ainda engatinhava, mas já existia), “Modern Life Is Rubbish”. A chave do sucesso da empreitada foi a capacidade dos sujeitos em amalgamar um leque de influências do rock inglês de vários períodos, passando por Kinks e Small Faces – suas influências mais evidentes no início da carreira – passando por glam, punk, Stones, Beatles e tudo mais. As letras de Albarn eram pequenas críticas aos maneirismos ingleses, às britanicices daquela gente estranha da velha ilha. Deu certo. Uma multidão de jovens já não via muito sentido nas letras depressivas de Cobain e companhia e caiu dentro da ladainha nacional. Na esteira vieram bandas memoráveis como Oasis, Suede, dentre tantas. O movimento ainda iria até 1997/98, e teve momentos intensos como o quarto disco do Blur, “The Great Escape”, os três primeiros discos do Oasis, “Definetely Maybe” (1993), “What’s The Story Morning Glory” (1995) e “Be Here Now” (1997), “Everything Must Go”, do Manic Street Preachers (1996), enfim, uma lista que você pode completar com o seu favorito.
Corta pra 2009. Este foi o ano da minha primeira viagem para a Europa. Já havia visitado os Estados Unidos por três vezes, mas o Velho Mundo permanecia misterioso. O roteiro era curto e criterioso: teríamos cerca de dez dias, divididos entre quatro cidades, a saber, Lisboa, Porto, Londres e Liverpool. Apesar da capital portuguesa ter ganho o título de cidade mais bela da viagem, claro que Londres era o carro-chefe. Andar pela Oxford Street e parar numa HMV gigantesca e comprar uma quantidade ensandecida de discos é um prazer a que todos, por lei, deveriam ter direito. Por uma ironia temporal imensa, minha chegada à cidade se deu três meses depois do reencontro do Blur no Hyde Park. O pouco tempo em Londres também não me permitiu entrar no clima da cidade, algo que, imagino, só seja possível com cerca de dez dias. A notícia de que o Blur lançaria os dois concertos do parque em CD e um documentário sobre sua história, chamado “No Distance Left To Run”, me deixou menos irritado. Comprei os discos em pré-venda e esperei o doc ser lançado por aqui. Em pouco tempo eu já dispunha de notícias da banda e sua performance ao vivo, ainda que menos espetacular do que eu poderia prever, me emocionou, claro, em “End Of A Century”, quando Albarn mudou a letra para “and the mind gets dirty when you get closer to … forty”, mudando o “thirty” original, de 1993/94, quando os sujeitos tinham a mesma idade que eu e o Leo Salomão no telefone. O documentário também é impressionante, sobretudo por sua capacidade de contar toda a história da banda, desde o tempo em que se chamavam Seymour e pensavam em desistir de tudo. Toda a década de 1990 passa diante dos nossos olhos e outras lembranças vêm à mente como a felicidade em ouvir a abertura do então novíssimo Fifa 1998 – Road To World Cup – e constatar que “Song 2”, do quinto e homônimo disco da banda, desfila solene em seus quase dois minutos de duração.
Corta pra 2013. O Blur está novamente no Hyde Park gravando um CD/DVD ao vivo. A data é 12 de agosto, encerramento das Olimpíadas de Londres e, enquanto o Who está no palco da cerimônia oficial de encerramento, o Blur está aqui fora, cabelo ao vento, gente jovem reunida a céu aberto. A participação do público é intensa e o resultado disso em canções como “Song 2”, por exemplo, é impressionante. Não que o Blur não tenha registros ao vivo interessantes lá dos anos 90. O raro disco “Live At Budokan”, de 1996, lançado apenas no Japão e disseminado pelo mundo logo depois, é um exemplo do quanto a banda pode soar sensacional em cima do palco. “Parklive” é o nome do CD/DVD desse novo show no Hyde Park e finalmente comprei o DVD – o disco já estava no computador desde o fim de 2012 e o CD chegou no início de 2013. Nova celebração, nova emoção, na mesma música, na passagem do verso de “forty” para “fifty”, lembrando que Albarn é apenas dois anos mais velho que eu e que essa percepção da passagem do tempo sempre será a mesma, um fator ainda maior de identificação com o sujeito. Após ver “Parklive”, conectá-lo obviamente com o ‘Parklife” de 1994 e entender que o título de 2013 poderia ser traduzido como algo mais naturalizado, que se estabeleceu, a “existência no parque”, em vez da “vida de parque” de vinte anos atrás. Pergunto pra minha amiga Lory, órfã de Londres, o significado da expressão e ela oscila entre o hábito de correr pro parque quando faz sol e uma gíria criada para ressaltar ainda mais a “britanicidade” dos ingleses e seus hábitos. Ficamos no meio do caminho, mas sabendo exatamente que o português – mais rico que o inglês – não pode expressar em palavras exatas.
Nesses dias decidi finalmente comprar “21”, a caixa comemorativa dos 21 anos de existência do Blur. Eu já tenho a coleção completa da banda, mas vou atrás dos discos-bônus, dos DVD’s raros e do prazer renovado em ter aqui em casa, velhos conhecidos de um tempo que não volta mais. Nem pra mim, nem pra banda. Eu sei que o Oasis tem grandes discos, eu sei que a origem dessa sonoridade não está no Blur, sei do valor de Kinks e Small Faces, mas, Inglaterra, pra mim, tem cheiro de Blur. E som de Blur. E está bom assim.
– CEL é Carlos Eduardo Lima (siga @celeolimite), historiador, jornalista, fã de música e responsável pela coluna Sob o CEL no Scream & Yell e pelo podcast Atemporal.
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Leia também:
– Blur no Hyde Park: um fragmento de perfeição no mundo pop, por Marcelo Costa (aqui)
– “Think Tank”, aquela banda que todo mundo conhecia como Blur acabou, por Mac (aqui)
– “Best Of Special Edition – Blur Live Wembley”, do Blur, por Marcelo Costa (aqui)
– Livro: “A Ascenção e Queda do Britpop”, de John Harris, por Mateus Ribeirete (aqui)
Ótimo texto, deu vontade de ouvir a discografia do Blur.
Não sou dos maiores fans do Blur, mas gosto de algumas musicas, prefiro o Oasis, otimo texto, você sempre nós brinda com materias otimas.
Interessante o apanhado histórico do texto. E eu tb prefiro o Oasis, mas sempre fui fissurado no Blur. Ao contrário do Suede, q investiam numa coisa mais acida e dramática, e o Oasis com aquela postura rocker, o Blur trazia o humor, a ironia, e um lado mais lúdico, e aí não tem como negar q um dos pilares da inspiração do Blur sejam os Kinks, nas temáticas e na estética, ao lado de Syd Barret.
Belíssimo texto, um dos melhores que já li sobre Blur e a era do britpop.
1. Discordo da sua opinião sobre o “Think Tank”; eu sempre gostei dele, embora de fato não seja uma das obras-primas da banda (ou seja, o disco homônimo de 97 e “Parklife”). Porém, canções como “Ambulance”, “Out of Time” e “Caravan” ainda me agradam.
2. “Toda a década de 1990 passa diante dos nossos olhos e outras lembranças vêm à mente como a felicidade em ouvir a abertura do então novíssimo Fifa 1998 – Road To World Cup – e constatar que “Song 2? (…) desfila solene em seus quase dois minutos de duração.” – identifiquei-me muito com esse trecho, até porque foi graças a Fifa 98 que descobri Blur (embora só tenha começado a ouvi-los pra valer seis anos depois, quando já tinha 14, depois que li uma resenha do Omelete sobre “Parklife”).
Eu sou mais novo que o Blur, e posso não ter acompanhado a história na época que percorreu, porém graças que seus discos a contam pra mim.
Eu sempre gostei, apesar de conhecer pouco. Fiz o caminho contrário da carreira do Albarn pra chegar até o Blur (Good, bad and the queen, Gorillaz e então Blur). Blur tem algo que me contagiou de tal maneira, que quem sabe, eu deva intitulá-la de “banda favorita”. Isso porque ouvir a discografia da banda, foi uma experiência sem igual.
Geralmente as histórias de bandas são “um disco magnifico e a decadência após isso” ou “carreira que subiu até acabar no topo”, entre outras que se repetem. E ao ouvir os discos (sem tanto conhecimento sobre história que corria paralela a música) eu percebi uma das carreiras mais honestas de todas. E mais que isso, a história da banda está nítida nos discos por si só. Quando vi o documentário, foi o momento que me fisgou, pois ver a história contada era exatamente a que eu conhecia só ouvindo os discos. Os moleques que faziam um barulho meio sem compromisso ou jeito dos dois primeiro disco. A popularização e o nível “bom acertado”, dos 3 discos seguintes. A provação do Blur, em tentar fazer algo diferente. E o jeito de se livrar de tudo que pesa do 13. O desacertos que refletem no Think Tank.
Artisticamente, o Blur nunca irá representar o que é realmente é. Não são apenas músicas.
O Parklife é o clássico dos clássicos do Britpop. Só com musicas como Bad Head, a musica instrumental tax collector e a vinheta engraçadinha lot105, deixa toda a discografia do Oasis no chinelo. O problema é que depois a banda não saiu do mesmo, apesar de discos como 13 e the great escape serem muito bons.