Entrevista: Silva, Lucio Silva
Carlos Eduardo Lima
“Claridão” talvez seja o disco nacional mais interessante de 2012. A qualidade do primeiro trabalho de Silva, Lucio da Silva Souza, não deve ser surpresa para quem prestou atenção no EP que ele lançou no início do ano, com algumas canções que já deram a pista do que estava por vir. Um cuidado com a melodia, boas influências, o ponto exato entre o low fi e o high fi, se é que isso pode existir.
Silva tem 24 anos e um contrato assinado com a Slap (com distribuição da Som Livre) e está pronto para ser apresentado como uma opção de bom som para uma juventude que precisa sair do circuito de tchús e tchás. Talvez seja errado pensar assim, uma vez que o público já conquistado pelo jovem multiinstrumentista capixaba é fiel e frequenta as novidades da grande rede de computadores. Mas Silva está aí com “Claridão”, disco cheio de referências aos anos 80, ao bom pop em português.
Neste bate papo ele fala um pouco sobre esse processo de transição e avalia seu trabalho. Abaixo, você pode ouvir “Claridão”.
As primeiras impressões que saltam aos ouvidos no disco é de uma sonoridade retrô anos 80. Isso foi intencional?
Gosto bastante dos anos 80 e trago influências de lá sim, mesmo tendo nascido em 88. Mas não tentei soar retrô, como alguns artistas que eu curto fazem, apenas trouxe alguns elementos lá de trás, como as baterias eletrônicas e as camadas de sintetizadores.
Quais suas inspirações e influências no teclado?
Sou muito influenciado por pianistas e tenho alguns favoritos como Vladimir Horowitz, Nelson Freire e Martha Argerich. Também sou muito fã do Brian Eno, do que ele já fez e continua fazendo, do Cesar Camargo Mariano e do Bill Evans.
Há um conceito por trás de “Claridão”?
“Claridão” foi produzido e gravado em casa, sem muita pressa. A hora que eu mais gosto de compor é no final da tarde e acho que minhas músicas sempre carregam um pouco disso. Me inspirei nas coisas que gosto de ouvir, ver e ler. Talvez se o disco tivesse sido gravado num estúdio com horas contadas, soasse diferente.
Quais as semelhanças que você poderia apontar entre o Silva EP e este primeiro disco? Parecem distintos e parecidos ao mesmo tempo.
Decidi juntar as músicas do EP com as composições que fiz esse ano e para isso tive que fazer um trabalho pra que as novas músicas não destoassem das que eu já tinha. Talvez por isso elas se pareçam de alguma forma, foram todas mixadas e adaptadas para um mesmo contexto.
Como foi a experiência de participar do Festival Sonar?
Pra mim foi uma honra fazer um dos meus primeiros shows no Sónar. Confesso que fiquei bastante nervoso, mas a experiência foi muito marcante.
Você tem planos para excursionar pelo país com banda?
Tenho planos sim, estou quase terminando a faculdade e depois disso vou ficar mais livre pra tocar por aí!
Você é de Vitória, ES. Como é a cena musical de lá?
Vitória é uma cidade pequena, mas temos alguns artistas interessantes aqui no Estado. Não temos uma cena musical muito bem definida, eu mesmo não fiz parte de uma e até gostaria de ter feito, deve ser menos solitário.
Você é um músico com formação clássica, filho de mãe pianista e formado em violino. Onde estão essas influências na tua música?
Acho que a formação erudita me ajuda na hora de compor, me deu algumas ferramentas boas. Ter tocado em orquestra e estudado outros instrumentos também me proporcionou gravar o disco sozinho e não fiz isso só porque quis, mas por uma questão financeira também. Fazer os próprios arranjos e executá-los acaba poupando uma boa grana.
Como é compor em parceria com seu irmão, Lucas?
Nunca compus com mais ninguém além do meu irmão. Ele tem uma veia literária muito forte e eu sempre admirei isso nele. Acabou virando um parceiro de composição inevitável.
Qual sua preferida no disco?
Acho que “2012” e “Mais Cedo” são as que eu mais gosto agora.
Se você tivesse que apresentar o seu disco para uma plateia do Domingão do Faustão, como você faria?
Se eu pudesse tocar sem playback eu não veria problema algum. Acho que a música está aí para todo mundo ouvir, sem preconceito de lugar, raça, sexo ou qualquer outra coisa. Nunca concordei com a elitização de alguns gêneros nem com a segregação de outros. Talvez grande parte das pessoas só ouve o que toca nas rádios porque é só isso que chega até elas. Há uns anos atrás eu toquei numa orquestra regida pelo João Carlos Martins e apresentamos várias peças conhecidas num dos lugares mais carentes do Espírito Santo. Acho que nunca vi um público tão emocionado ouvindo Bach, Mozart e Beethoven. Aquilo serviu pra me abrir os olhos.
Como você vê a situação da música pop nacional hoje?
Tenho ouvido muita coisa legal sendo produzida no Brasil ultimamente, mas não sei se abrem espaço pra todo mundo, o que é uma pena. A música pop do Brasil hoje, essa que toca nas rádios e em todos os canais de TV, parece que se resume a dois gêneros e isso acaba ficando um pouco cansativo. Mas tenho esperança, tem vários festivais vindo pra cá e abrindo espaço para outros tipos de música. Vamos torcer!
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– Carlos Eduardo Lima (siga @celeolimite), historiador, jornalista, fã de música e responsável pela coluna Sob o CEL no Scream & Yell e pelo podcast Atemporal.
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