por Marcelo Costa
Pedro Veríssimo é filho do Luis Fernando e neto do Érico. Sei que é meio foda começar um texto estudando a genealogia do cara, e que as artes exibem aos montes exemplos contrários do ditado popular que diz que “filho de peixe, peixinho é”, mas é importante falar dos Veríssimo agora, pois em “2”, dito segundo álbum da Tom Bloch, Pedro dissipa a nuvem de sons e barulhos na qual ele se escondia nos primeiros lançamentos do grupo e, parafraseando uma das canções emblemáticas deste “2”, se joga com letras e voz à frente de guitarras poderosas e batidas sincopadas como se estivesse dançando em um campo minado. O resultado é um disco sensacional, que pega na veia, cospe na cara, bate no peito e, por fim, acalenta o ouvinte em um abraço mudo.
Crescer sobre o brilho da luz de duas lendas da literatura nacional tem seu lado bom e, consequentemente, seu lado ruim. Se há um aprendizado, uma vivência literária inerente ao meio, também há um cobrança explicita que visa descobrir (muitas vezes de forma cruel) se há algo genético que perpetue a tradição familiar. No caso de Pedro, isso se amplificou quando ele optou por assumir a frente de uma banda de rock, quando ele arriscou-se a escrever letras. Essa opção, no entanto, surgiu velada e pode ser simbolizada a perfeição pelo rapaz com um saco de papelão sobre a cabeça, uma imagem que acompanha o trabalho da banda desde o início.
Essa estratégia de desfocar-se funcionou bem nos dois primeiros trabalhos do grupo – o EP “Demo Deluxe” (2000) e o álbum “Tom Bloch” (2002) – principalmente pela presença forte de Gustavo Mini Bittencourt (Walverdes) no embrião da banda, compondo e dividindo atenções (e canções) com Pedro. Essa divisão de atenção marcou imensamente a estréia da banda, mesmo com o fato de Mini não estar na Tom Bloch desde o EP anterior, já que a estética proposta pela imagem do rapaz com um saco de papelão sobre a cabeça permanecia ganhando forma de álbum. Ótimo na teoria, confuso na prática. “Tom Bloch”, a estréia, traz a voz de Pedro escondida entre os instrumentos, ás vezes acariciada por efeitos que a descaracterizam, como alguém que observa aos outros dançarem enquanto afoga dentro de si o desejo indecente de mover o corpo, e o faz mexendo os pés.
“2”, segundo álbum da Tom Bloch, apresenta uma nova banda. Primeiro, a formação de sexteto que gravou a estréia foi desfeita. O núcleo permanece: Pedro Veríssimo na voz (e, agora, assumindo todas as letras) e o mago dos estúdios sulistas Iuri Freiberger na bateria, programações, teclados, produção e mixagem, além de guitarras eventuais. No baixo, o experiente Patrick Laplan (cujo currículo inclui serviços prestados ao Biquíni Cavadão, Los Hermanos e Rodox, entre outros); na guitarra, Júnior Tostói (da banda carioca Vulgue Tostói). Com a formação reduzida, Pedro Veríssimo sai detrás da nuvem em que se escondia nos primeiros álbuns da Tom Bloch e apresenta um repertório de letras inspiradas que encontram complemento perfeito na musicalidade apurada de Iuri Freiberger.
“Sob a Influência” abre o disco de forma singular: um arranjo de cordas circular, preguiçoso, faz a cama para que a voz de Pedro – forte e clara – mostre que algumas coisas mudaram no som da banda. Acompanhado de guitarras (ambientadas de forma precisa na mixagem) e alfinetas de eletrônica, o vocalista convida náufragos, desesperados e desalojados a participarem da “primeira convenção dos corações partidos”. Em “A Dúvida”, a segunda faixa, um rock poderoso com melodia vocal que remete a algo da jovem guarda, a questão central é como se desfazer da foto da ex pessoa amada, um gesto doloroso que causa um cruel embate entre coração e mente: “É ou eu rasgo a tua foto ou atiro no que pra mim ainda vem pela frente / É ou eu rasgo a tua foto ou retiro a carta que sustenta todo o castelo / Se eu não quero mais viver no presente melhor então me desfazer do passado / É ou rasgo a tua foto e me viro, ou então não rasgo a tua foto e me mato”.
“Entre Nós Dois”, primeira música de trabalho do álbum, que já ganhou clipe e marcará presença no próximo curta-metragem do cineasta Jorge Furtado, é uma porrada que traduz a diferença entre amor e sexo com mais precisão do que Arnaldo Jabor: “Ninguém aqui presta, mas no momento atual você e eu é só o que resta (…) / E já não tem por que ir devagar, a gente sabe bem onde isso vai terminar”. A próxima, “A Invenção”, continua brincando com o tema no ótimo refrão: “O amor eu inventei pra justificar o prazer que me dá quando você vem”. Na mesma toada ainda se segue “Vendetta (Frase Feita)”, que conta com o vocal feminino de Alessandra Verney repetindo: “O que eu fiz foi por vingança”. A banda pisa no freio nas duas faixas que encerram o álbum. A temática da balada de guitarras “O Refém” lembra algo da Legião Urbana do álbum “A Tempestade”, assim como a próxima, “Por Favor, Mente”, uma das grandes canções do álbum, que abre versando de forma bela e fudidamente dolorida sobre piano e guitarras afundadas na mixagem: “Hoje eu sou seu pra sempre / Se eu perguntar, por favor, mente”.
O resumo desta nova fase da Tom Bloch se encontra em “Situação de Dança”, canção emblemática que rememora toda uma geração de pessoas que, em festinhas na adolescência (as lendárias reuniões dançantes), não sabia o que fazer em situação de dança, jogando luzes sobre aquele grupo de pessoas que preferia ficar em pé no canto da festa a arriscar uns passos na pista. Diz a letra: “As minhas juntas não movem separado de um plano inicial pré-determinado / Se eu tentar pode ficar evidente, eu danço como eu nado sincronizado / Mesmo versado no controle da mente, mover um corpo exige bem mais cuidado / Posso tentar, mas não vai ser diferente: eu danço como eu ando em campo minado”. Metafórica, a canção joga Pedro Veríssimo desajeitadamente para a frente da Tom Bloch, uma situação que o vocalista parecia evitar nas gravações anteriores, mas que parece ultrapassada neste excelente segundo álbum, que soa – na verdade – como a estréia da banda. Agora só falta Pedro e Iuri tirarem o saco de papelão da cabeça do rapaz que simbolizava a Tom Bloch: aquele rapaz cresceu e está pronto para enfrentar o mundo.
“2”, Tom Bloch (Som Livre Apresenta)
Nota: 9,5
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Não achei este disco tão diferente assim do primeiro – chego a preferir o álbum anterior em alguns momentos. Mas canções como Imitação da Vida e A Invenção do Amor já estão entre as melhores que ouvi este ano…
Ainda não tenho esse cd, que vergonha… mas só vou ouvir as músicas quando tê-lo mesmo. Tom Bloch é excelente.