De Curitiba: conheça a imof

por Leonardo Vinhas

Em seu livro Barulho, sobre a cena independente dos EUA do começo dos anos 1990, André Barcinski aproveita a entrevista com Jello Biafra para apresentar Pippen, a gata de estimação do ex-Dead Kennedys. “Ela é praticamente um museu do rock underground norte-americano”, diz Biafra no livro. “De Subhumans a Hüsker Dü, todo mundo usou Pippen como travesseiro”.

Guardadas as proporções, dá para dizer que Dógui, o pastor alemão de Ivan Santos, tinha um status semelhante para o cenário independente nacional (não só de rock). Ivan e sua esposa Adriane Perin são proprietários do selo De Inverno, que há mais de uma década organiza shows em Curitiba, incluindo o festival Rock de Inverno, que equilibrava bandas locais com atrações de outros estados e até de outros países. No esquema de “redução de custos”, muitas vezes cediam sua própria casa, cheia de animais de estimação, para hospedar as bandas. Embora não se tenha notícia de alguém usando Dógui como travesseiro, o fato é que ele presenciou (e ao seu modo, participou) de mais ensaios, jams, festas e discussões sobre música e outros assuntos que muito bípede dotado de consciência por aí.

A ausência deste personagem canino é o tema de “Um Silêncio Novo na Casa”, uma das canções mais pungentes de 2012, que dá título ao primeiro single da imof, banda nova de Ivan (disponível para download aqui). “A casa agora ficou tão deserta de repente / Tá faltando algo no chão, tá faltando o chão / olho pro lado / e vejo esse grande nada / um imenso vazio / um silêncio novo na casa”, canta Ivan sobre uma base mais roqueira e com mais pendor pop de que as que costumavam dar o tom de suas bandas anteriores, notadamente OAEOZ e Hotel Avenida.

A canção foi a primeira composta pela banda tal qual ela se consolidou – antes, Ivan (voz, violão e guitarra) e Osmário Jr. (bateria) contavam com a companhia de Jansen Nunes no baixo e Juliano Sarza na guitarra, quando ainda usavam o nome Reticênciaz. Essa formação recebeu o acréscimo de Martinuci (piano e guitarra), mas logo Jansen e Juliano abandonaram o barco. Quando entrou o baixista Fernando Lobo, ficou claro que era uma nova banda, e daí o novo nome, simplesmente composto pelas iniciais de seus integrantes.

A dinâmica entre os quatro ajudou na tal “leveza musical” mencionada há pouco. “Existe sim, uma preocupação minha de fazer músicas mais simples, objetivas e arejadas”, diz Ivan. “Cansei um pouco daquela coisa arrastada que vinha desde minhas composições com o OAEOZ. Hoje vejo que posso falar de coisas mais pesadas, com um ritmo, uma levada ou uma melodia mais leve, até para contrabalançar esse lado mais melancólico. Como dizia o Ira! em seus áureos tempos, a vida às vezes pede ‘outros sons, outras batidas, outras pulsações’.”

Também é perceptível o prazer dos músicos em executar seu repertório, e esse era o comentário predominante entre o público que viu a banda em sua estreia nos palcos, no dia 3 de agosto de 2012, no Wonka Bar (Curitiba). Mas como ninguém ali é moleque, os shows já são pensados de uma maneira diferente. “A gente quer tocar ao vivo o máximo possível, e quanto mais, melhor. Mas é claro que, a essa altura, procuramos evitar certas roubadas, até por uma questão de não se desgastar inutilmente. Procuramos na medida do possível privilegiar shows em espaços diferentes que não necessariamente bares e casas noturnas, como a Bicicletaria Cultural, onde tocamos no dia 15 de setembro, e onde o show é em um sábado a tarde, em um espaço alternativo, sem a pretensão de ser uma ‘casa de shows’ onde você não está lá para ‘animar’ uma balada, e sim para tocar em um espaço cultural onde as pessoas estão mais abertas a conhecer coisas diferentes. Mas é claro que cada caso é um caso e estamos abertos a convites (risos).”

É curioso notar que, no repertório da banda, folk, rock e pop convivem em doses iguais e em proporções indistinguíveis. Mas existe uma identidade muito bem amarrada, em termos de música e letra, que evita comparações derivativas. Talvez porque a imof seja um caso raro de agremiação que foge da eterna juventude do rock’n’roll. Seria justo dizer que a banda faz rock para quem já deixou a adolescência para trás? “Acho que é inevitável. Não teria sentido a gente querer fazer música adolescente, seria ridículo”, diz Ivan. “Então é natural que a temática das nossas canções tenha a ver com o momento em que a gente está vivendo, e aborde questões como as que a gente enfrenta na vida adulta, da necessidade de lidar com as perdas, de encontrar motivação para continuar, se reinventar”.

Como exemplares de “rock adulto”, ele cita exemplos como Nick Cave and The Bad Seeds, Tindersticks, Spiritualized, Gutter Twins e The Sand Band, definindo-os como artistas que não se preocupam em encaixar-se na estética da vez. “Acho que existe espaço pra isso no Brasil, também, apesar de muitos duvidarem (risos).” Essa “adultescência” é o que faz com que as três canções do single se destaquem em meio aos (bons) lançamentos nacionais deste ano. Mas não só – faz muita diferença o cuidado instrumental, principalmente a preservação do timbre do violão de Ivan ou as belas frases de Martinuci ao piano (especialmente em “Imperfeição”). O fato do disco ter sido quase inteiramente gravado na casa do vocalista (apenas os vocais foram registrados em um estúdio “profissional”) garante a naturalidade dessa proposta sonora.

A julgar pelo clima entre os integrantes, e pela velocidade com que surgem novas composições, a imof veio, se não para ficar, pelo menos para durar por muito tempo. O que é ótimo – a vida adulta precisa de uma trilha sonora em português.

Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

7 thoughts on “De Curitiba: conheça a imof

  1. Excelente. Não conhecia, interessei, baixei e não paro de ouvir. São somente estas músicas por enquanto?

  2. Por enquanto só isso, Gustavo. Mas pelo ritmo dos músicos envolvidos, não me surpreenderia se aparecesse mais ainda esse ano.
    Recomendo muito o show. É excelente!

  3. valeu Gustavo. em breve vamos gravar algumas músicas ao vivo em estúdio (rs) para um programa de rádio. e se tudo der certo, até o final do ano gravamos mais um single. assim que tivermos novidade avisamos. qualquer coisa fica ligado no nosso blog. http://www.deinverno.blogspot.com que sempre tem novidades por lá. abraço.

  4. Opa! Muito obrigado, Léo e Ivan. Já favoritei o blog, e fico no aguardo das novas músicas. Abração!

  5. No blog Mofonovo, full download do especial do programa Último Volume da Lúmen FM com o imof ao vivo tocando quatro músicas, três delas inéditas

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