texto de Gabriel Pinheiro
O mar da tranquilidade (Mare Tranquillitatis) é o nome de uma região localizada na face visível da lua. Foi ali que, em 20 de julho de 1969, o homem pisou pela primeira vez, na missão espacial Apollo 11. Em “Mar da tranquilidade”, novo romance de Emily St. John Mandel, a ocupação lunar — e de outras áreas de um universo aparentemente infinito — é uma realidade. Quer dizer, é uma de suas realidades. Mas o que é o real? Essa é uma das perguntas que ressoam nas páginas desta inusitada ficção científica. O livro, publicado pela Intrínseca, tem tradução de Débora Landsberg.
“Mar da tranquilidade” lida com as dobras no tempo, distorções no espaço-tempo que permitem viagens temporais. De 2401 a 1912, de 2203 a 2020, a narrativa atravessa diferentes séculos, encontrando personagens interligados por um estranho fenômeno: uma experiência inexplicável em que ouvem as notas de um violino ecoando em um terminal de dirigíveis. “Os detalhes já lhe escapam. Ele entrou na floresta e depois o quê? Ele se recorda de uma escuridão; notas musicais; um som que não conseguiu identificar; tudo em um piscar de olhos. Será que aconteceu de verdade?”
Um detetive do futuro, membro do misterioso Instituto do Tempo, atravessa séculos de história humana para investigar a origem dessa experiência perturbadora. “Mandar alguém de volta no tempo inevitavelmente muda a história. A presença do viajante é uma ruptura por si só, é o que lembro do meu pai falar. É impossível voltar, se envolver com o passado e deixar a linha do tempo totalmente inalterada”.
De uma colônia lunar num futuro especulativo à Colúmbia Britânica no início do século XX, a jornada empreendida pela autora canadense é fascinante. Sabe aquelas narrativas que conseguem amarrar todas as pontas? Esse é um belo exemplo.
Emily St. John Mandel constrói uma narrativa que lida tanto com a vastidão do universo quanto com o aspecto mínimo da experiência humana. Imaginando um futuro, a narrativa olha para questões prementes do presente: a solidão, a perda da dimensão humana em relações mediadas pela tecnologia, a fragilidade da memória e nossa vulnerabilidade frente a um inimigo mortal e microscópico, um vírus. “A doença nos assusta porque é caótica. Existe nela uma terrível falta de método”.
Estaríamos vivendo uma simulação? Caso este mundo seja um simulacro, quem estaria no comando? O tempo realmente corre apenas em uma direção? Numa leitura acessível e intensamente fluída, “O mar da tranquilidade” é uma ficção científica reflexiva e filosófica, profundamente interessada no aspecto humano e nos efeitos – muitas vezes irreversíveis – de nossas ações.

– Gabriel Pinheiro é jornalista. Escreve sobre suas leituras também no Instagram: @tgpgabriel.