Cinema: “Capitão América: Admirável Mundo Novo” prova que a Marvel (ainda) tem muito a aprender com seus erros passados

texto de Davi Caro

Logo no início de “Capitão América: Admirável Mundo Novo” (“Captain America: Brave New World”, 2025), o herói-titular Sam Wilson – interpretado por Anthony Mackie – tem um breve, ainda que significativo, diálogo com outro personagem chave da trama. “Olhe para o mundo lá fora”, ele diz. “Está tudo de cabeça para baixo”. É uma cena curta, e que pode passar despercebida ao espectador casual. No entanto, ao fim dos pouco mais de 1h30 do novo longa, o 35º do Universo Cinemático Marvel, a frase toma outro significado, seja em relação à ampla narrativa iniciada em 2008, seja se tratando do público-alvo, cada vez mais exigente e menos entusiasta, ou falando mesmo do mundo no qual vivemos em 2025. Seja qual for a ótica pela qual se encara tal questão, é muito difícil ignorar a insatisfação ao sair do cinema, por muitos motivos. Sobretudo, porque “Admirável Mundo Novo” se mostra um filme muito deslocado do momento atual, para o bem ou (principalmente) para o mal.

Dirigido por Julius Onah (responsável pelo retumbante fracasso de “O Paradoxo Cloverfield”, de 2018), a produção é a primeira a alçar o personagem de Mackie à posição de protagonista, após anos como coadjuvante – desde sua introdução, no ótimo “O Soldado Invernal”, de 2014 – e uma série mediana, na qual o personagem abandonou de vez a identidade de Falcão para assumir o escudo deixado por Steve Rogers (“Falcão e o Soldado Invernal”, de 2021, onde compartilhou a principal posição da trama com o Bucky Barnes de Sebastian Stan). O longa também chega após uma sucessão de lançamentos pouco inspirados da parte dos estúdios coordenados por Kevin Feige. O penúltimo lançamento da chamada “Fase Cinco” do MCU – que deve ser concluída com o futuro “Thunderbolts*”, previsto ainda para este ano – não chega a fazer tão feio quanto seus antecessores diretos, guardando alguns bons momentos na manga. Muitos dos elementos utilizados para validar sua existência, porém, acabam se provando os principais pontos fracos em um longa que, desde o início, possuía a responsabilidade de trazer de volta (pelo menos) um pouco da atenção de uma audiência saturada de uma fórmula exaurida.

Dois anos após assumir o título deixado por Rogers, Sam Wilson ainda luta para se lidar com a responsabilidade de fazer jus ao nome que assumiu, ainda que relutante, mesmo sem poder contar com o poderoso soro que concedeu super-habilidades a Steve e Bucky. Contando com o apoio do amigo e parceiro Joaquin Torres (o novo Falcão, vivido por Danny Ramirez), o herói se vê envolvido em um dilema geopolítico originado pelo surgimento de uma gigantesca forma de vida petrificada no oceano (conforme visto no esquecível “Eternos”, de 2020). A descoberta de um novo elemento metálico – bastante familiar aos leitores de quadrinhos – na nova “ilha” é visto como uma vantagem estratégica pelo recém-eleito presidente dos EUA, Thaddeus “Thunderbolt” Ross (Harrison Ford, substituindo o falecido William Hurt), que põe sobre as costas de Wilson a tarefa de reconstruir os Vingadores.

Um inesperado atentado à vida de Ross pelas mãos de um aliado de Sam, Isaiah Bradley (Carl Lumbly) causa pânico e chama a atenção para o que pode ser uma sinistra conspiração, que ameaça tanto o mandato do presidente quanto o frágil equilíbrio da paz mundial. Wilson e Torres, junto à agente Ruth Bat-Seraph (Shira Haas) precisam, então, correr contra o tempo para desvendar a misteriosa trama, e interromper os planos daquele que está por trás de tudo: o professor Samuel Sterns (Tim Blake Nelson, reprisando o papel que interpretou em “O Incrível Hulk”, de 2008), bem como sua ligação com o próprio presidente, que luta para guardar seu próprio monstro interior.

Uma simples olhada na trama já deve deixar bem claro: a apreciação (ou mesmo o entendimento) de “Admirável Mundo Novo” depende bastante da familiaridade do espectador com alguns elementos resgatados de outras produções, para além da série previamente mencionada. De fato, o filme funciona mais como uma sequência de “O Incrível Hulk” (que marcou a estreia do personagem do então general Ross no MCU) do que dos últimos lançamentos vinculados ao Capitão América. Isso não significa, porém, que todos estes elementos sejam trabalhados na medida certa. Os créditos de roteiro aqui são divididos entre cinco (!) pessoas, e o resultado final deixa isso bem claro: enquanto muitos detalhes e desdobramentos são pouco (ou nada) explicados, outras passagens são articuladas de modo redundante e desnecessário, quase como se desrespeitando a capacidade dos espectadores de compreender o que estão vendo.

O mesmo acidentado processo de feitura do roteiro se reflete no desenvolvimento dos personagens, e cobra seu preço: Anthony Mackie faz o que pode em uma posição ilustre, porém agraciada com parcas condições. O elenco de apoio, no entanto, padece mais – Danny Ramirez e Shira Haas mereciam mais profundidade em seus personagens, para além do alívio cômico do primeiro e do estoicismo da segunda. É em algumas de suas figuras mais ilustres, no entanto, que a decepção se faz mais presente: apesar de esforçado e capaz de fazer jus ao papel deixado por William Hurt, Harrison Ford sofre por ter tido muito de seu arco narrativo revelado nos vários trailers, que explicitaram o principal ponto de virada de Ross: sua transformação em Hulk vermelho, diretamente inspirada pelos quadrinhos, evidencia o deslocado uso de CGI, algo que também ajuda a desconectar o espectador, e seu desfecho beira o óbvio no pior sentido. Já Giancarlo Esposito, no papel do assassino Coral, é desperdiçado em uma apagada participação, que serve apenas como recurso narrativo. E Tim Blake Nelson, finalmente visto no papel do vilão Líder (já indicado no citado longa de 2008) não faz feio como antagonista, além de contar com próteses que adaptam bem o visual grotesco do personagem das HQs para o live-action; infelizmente, é pouco frente ao que se esperava, mesmo que o que se esperava não fosse muito.

A direção de Julius Onah, apesar de competente em relação aos momentos menos memoráveis do universo cinematográfico, não faz muito para escapar do padrão bem-estabelecido pelo Marvel Studios: de ângulos de câmera previsíveis à passagens facilmente recicláveis de outros longas, a produção se vale, ao menos, de boas coreografias de combates – embalados pela boa, porém pouco marcante, trilha sonora de Laura Karpman. Entre poucos acertos e vários deslizes, se valendo de pontuais e supérfluas aparições surpresa, e evocando alguns dos menos celebrados cantos de um universo compartilhado que parece perder força ano após ano, o saldo final é mediano, embora inconsistente. Em um mundo onde a ideia de um monstro chegar à presidência da nação mais poderosa do Ocidente não parece mais tão surreal, este é um filme ingênuo, que remonta a tempos mais simples, com desfechos pouco ou nada relevantes e uma cena pós-créditos que indica histórias muito mais interessantes do que esta. “Capitão América: Admirável Mundo Novo” é a prova definitiva da exaustão de uma fórmula outrora inovadora. Que Feige e seu Marvel Studios saibam se concentrar no presente para construir um futuro decente – aprendendo a olhar para o próprio passado não com o objetivo de se escorar em bons momentos de outrora, e sim, com maturidade e dispostos a não repetir os mesmos erros fúteis.

– Davi Caro é professor, tradutor, músico, escritor e estudante de Jornalismo. Leia mais textos dele aqui.

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