Três discos: Kim Deal, Katy J Pearson, Nilüfer Yanya 

textos de Paolo Bardelli

“Nobody Loves You More”, Kim Deal (4AD, 2024)
No (lindo) vídeo de “Nobody Loves You More”, Kim Deal parece uma menina, mas tem 63 anos. Ainda assim, ela quase parece estar vivendo uma nova juventude, com a chegada de seu primeiro disco solo depois de anos de trabalhos com Pixies e Breeders e depois de ser celebrada por Olivia Rodrigo, uma das atuais campeãs do rock atual, como um de seus mitos. Olivia Rodrigo declarou que houve um antes e um depois de ouvir “Cannonball” e chamou os Breeders para abrir os shows da “Guts Tour” nesta primavera em Nova York e Los Angeles. Nada mal. “Nobody Loves You More”, por sua vez, é um álbum muito aguardado, que começou há mais de dez anos (“Are You Mine?” e “Wish I Was” foram escritos em 2011 e lançados em 2013) e que Kim moldou com a contribuição de Steve Albini, que colaborou com ela até à sua morte, infelizmente como sabemos, em maio passado. Mas que ele ainda produziu por conta própria, um sinal de verdadeira independência. Musicalmente o álbum é variado: a faixa título é uma bossa nova doce e orquestrada, “Crystal Breath” parece a música que St. Vincent não sabe mais fazer, “Big Ben Beat” relembra as glórias garage dos anos 90, “Summerland” é tingida com tons sonhadores do estilo antigo, e por ai vai. “Nobody Loves You More” é como os discos do passado: feitos com carinho, à mão, numa oficina artesanal, tentando variar os ambientes e os sentimento para que a vida não seja uma alegria monótona ou melancólica, mas uma combinação de ambos.

Nota 7.6


“Someday, Now”, Katy J Pearson (Heavenly Records, 2024)
Katy J Pearson é uma das mais interessantes jovens cantoras e compositoras da Inglaterra, como já adiantavam seu disco de estreia, “Return” (2020), e seu segundo álbum, “Sound of the Morning” (2022). Em “Someday, Now” (2024), seu terceiro registro, Pearson assume cada vez mais o controle de seu processo criativo (“Acho que nos dois primeiros álbuns coloquei demais os produtores no pedestal e senti que minha opinião não importava. Mas com o tempo e com um produtor como Bullion tenho me envolvido cada vez mais no meu trabalho”, declarou) e produziu um disco compacto e coeso a nível sonoro, que remete muito ao pop do final dos anos 70/início dos anos 80 (“Save”, o lindo single “Maybe”, mas em geral em todos os sons abafados da bateria), bem como um certo indie-rock ligeiramente torto que, estranhamente, tem uma referência do outro lado do oceano, nomeadamente Kurt Vile (“Long Range Driver”) – no geral não há improvisação, mas sim um trabalho meticuloso de harmonias, estruturas e sonoridades de uma artista completa em todos os aspectos. “Someday, Now” brilha logo na primeira audição, enquanto no longo prazo o que se pode reclamar é apenas um pouco de falta de coragem em alguns arranjos estranhos, porque as músicas são lindas, mas alguns arranjos são um pouco “previsíveis” no seu desenvolvimento. Um sinal de que Katy J Pearson procura o maior público possível, na esteira da sua “lenda” Kate Bush (de quem ela lembra um pouco em “Constant” e “Someday”, embora as duas cantoras tenham vozes muito diferentes, então pode ser mais uma inspiração do que um paralelo). Tentar alcançar a todos não é um defeito, pelo contrário, é também uma demonstração de maturidade e consciência do próprio processo artístico, ou seja, quando se deixa de fazer as coisas só para si e procura-se o contato com os outros. Passando também do “algum dia” para o “agora”, de um futuro hipotético para a realidade de hoje, demonstrando força de vontade e concretude. E se Katy J Pearson mantiver esse nível de composição ampliando sua visão instintiva, o público só terá a ganhar outras canções ainda mais bonitas.

Nota: 7.5


“My Method Actor”, Nilüfer Yanya (Ninja Tune, 2024)
Há muito tempo que nos perguntamos quando todos irão notar Nilüfer Yanya, e parece que chegou a hora. Seus dois primeiros trabalhos (“Miss Universe” de 2019 e “Painless” de 2022) serviram para apresentar uma artista original e particularmente atenta à sua própria integridade, mas com “My Method Actor” (2024), seu terceiro e novo álbum, a inglesa Yanya está pronta para brilhar. “My Method Actor” é requintado e cinzelado, com os sentimentos fluindo gota a gota. A guitarra pontual de Nilüfer é abraçada por arranjos precisos, por vezes despojados (“Binding”, “Mutations”, “Faith’s Late”) mas que subitamente são envolvidos por cordas remetendo a um folk entre a terra e o céu, entre o concreto e o abstrato, com forte também preponderância para a frugalidade. Alguns podem até definir como pop, mas folk dos anos 1920 combinar muito melhor, o ato de pegar uma guitarra acústica ou elétrica e construir músicas em torno dela como faria um arquiteto cuidadoso para uma construção com algumas peculiaridades e muita solidez. E o resultado é muito bem estruturado porque as músicas não têm quedas, tendo em vez disso os picos do single “Like I Say (I Runaway”) e da sinuosa “Call It Love”, além de “Just A Woman” (em que o remix de Boy Harsher é ainda melhor). O equilíbrio do álbum é, muito provavelmente, fruto da opção de Yanya de trabalhar apenas com a produtora musical inglesa Wilma Archer, dando ao disco uma boa unidade (“Para este álbum, decidimos trabalhar juntos desde o início, apenas Wilma Archer e eu, mais ninguém e não compartilhamos até que estávamos quase terminando”, disse Yanya). Nilüfer Yanya cresceu, preste atencão bea.

Nota: 8.1

Textos publicado originalmente no site italiano Kalporz, parceiro de conteúdo do Scream & Yell. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.