texto de Pedro Salgado, especial de Lisboa
fotos de Matilde Snaps
O show de Dora Morelenbaum lançando seu álbum de estreia solo, “Pique” (2024), na Musicbox, assumia um significado especial por se tratar da única data portuguesa de sua nova turnê européia. A grande legião de fãs que lotava a sala lisboeta estava familiarizada com o trabalho da artista tendo assistido aos shows anteriores de Dora na cidade – solo ou com sua banda, o Bala Desejo. Para além da identificação e do gosto dos portugueses e brasileiros presentes, a boa receptividade crítica de “Pique” e a aura que o disco transportava, como sendo “um olhar diferente sobre a canção brasileira”, geravam igualmente a vontade da assistência em presenciar e acompanhar Dora Morelenbaum durante a apresentação das suas novas canções.
Passavam 10 minutos das 22 horas quando a artista entrou no palco acompanhada por Guilherme Lírio (guitarra), Alberto Continentino (baixo) e Daniel Conceição (bateria). Sem demoras, Dora dirigiu-se ao teclado e o concerto arrancou com a balada “Não Vou Te Esquecer” numa toada envolvente e delicada que gerou um suave balanço corporal e o coro dos espectadores. Animada pelo enorme aplauso do público, Dora disse “Boa Noite!” e expressou o seu sentimento pela ocasião: “Estou muito feliz de estar aqui. Este é o meu quarto show da turné europeia de lançamento de ‘Pique’ e está com cara que vai ser muito bom”. De seguida, e ainda sob o signo do novo álbum, veio a irresistível “A Melhor Saída”, onde a cantora aproveitou para flertar e embalar os presentes, cantando e dançando no centro do palco, animada pelo andamento frenético da sua excelente banda. O groove continuou ao som do pop colorido de “Sim, Não”, para gáudio da rendida audiência que dançava alegremente ao longo da sala.
A versão swingada de “I Don´t Know Why The Hell”, de Hirth Martinez, com Dora na guitarra, manteve o balanço e o interesse da plateia e logo de seguida veio o primeiro grande momento do show com a belíssima “Essa Confusão”, uma ode apaixonada enriquecida pela sensualidade das leves frases cantadas por Dora e pelo coro da artista e público nas estrofes “Olha eu te amo tanto / Olha o que eu sinto por ti é coisa séria / Não me leve à beira da miséria / Não me peça pra esquecer”, um magnifico instante prolongado pela cantoria doa fãs. Nesta fase, o espetáculo velejava em velocidade de cruzeiro e Dora exibia uma segurança performática que lhe permitia revelar as suas facetas musicais com propriedade, confortada com o entusiasmo reinante. Na interpretação de “Petricor” desenhava-se, entretanto, uma fase de interação instrumental e vocal que conheceria novos desenvolvimentos.
Ao recordar “Japão”, assistiu-se a outro momento de assinalável beleza, cunhado com um tom ligeiramente mais percussivo, a cargo das baquetas de Daniel Conceição, e por um solo de guitarra insinuante de Guilherme Lírio, criando um tempo musical hipnótico que ressoou no tom lânguido como foram cantados os versos e a estrofe “O seu lugar é meu lugar”. A toada contemplativa cederia lugar a uma releitura pop de “Chorou, Chorou”, de João Donato, e Dora qual maestra dirigiu o público com as suas mãos e distribuiu sorrisos, ao qual se seguiu o ‘impromptu’ jazzístico “VW Blue” com a artista a mostrar a sua versatilidade no teclado e arrastando a banda consigo num interessante exercício experimental. Acompanhada em palco por Guilherme Lírio, reavivou o seu gosto pela música dos anos 1970, apostando numa versão de “I Must Be In A Good Place Now”, de Bobby Charles, soltando um assobio e expondo com precisão o seu lado melódico, enquanto “Pique” impressionou pela carga emotiva colocada pela cantora.
Na presença de todos os integrantes, a soltura regressou com “Talvez (As Canções)” num desempenho inspirado que comprovou a agilidade instrumental do coletivo, espelhando a satisfação que reinava no palco e na audiência. Dora aproveitou para agradecer às pessoas que asseguraram os requisitos sonoros do espetáculo e referiu-se ao público com admiração: “Vocês são foda e cantam tudo”. A parte final do concerto foi bastante ritmada, fazendo jus ao frescor do álbum “Pique”, através da cadência contagiante de “Venha Comigo” que culminou com Dora agachada no palco em registo gutural e o grupo criando um crescendo instrumental, enquanto “Caco” manteve a empolgação e o brilho dos seus intérpretes, transbordando energia até aos limites e fazendo a plateia soltar um enorme aplauso. Sem espaço ou tempo para se retirar para o habitual encore, devido ao imenso entusiasmo dos presentes, a artista continuou em cena com os seus músicos e amenizou o clima tocando a calma e mais antiga “Dó a Dó”, soltando um “Obrigada gente” e depressa cavalgou na derradeira “Nem Te Procurar”, um disco music que proporcionou a festa e a dança generalizada na Musicbox até à vénia coletiva final.
Em 75 minutos de show, Dora Morelenbaum destilou uma confiança interpretativa notável ancorada num naipe de canções ora calmas ou ritmadas, mas sempre cativantes, e denotando uma carga lírica de bom recorte. Esse aspecto, combinado com uma musicalidade inata e um acompanhamento instrumental sólido e versátil, trouxeram ao público um conjunto de boas vibrações que não se esgotaram numa amena noite de outono. Pelo que mostrou no espetáculo de Lisboa e pelo muito que ainda pode fazer no espectro da música brasileira, Dora pode encarar o resto da turné europeia e a sua carreira com a segurança de que está a trilhar o melhor caminho.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui. Conheça o trabalho de fotografia de Matilde Snaps no Instagram: https://www.instagram.com/matilde.snaps/