32º Festival MixBrasil: Ousado, “Parque de Diversões” se guia pelo cruising, mas falha em sua falta de foco

texto de Renan Guerra

Na tela de “Parque de Diversões” (2024), personagens diversas andam pela noite de Belo Horizonte; uma delas sai preparada para abrir o cadeado de um parque da cidade. Madrugada à dentro, com os portões abertos, diferentes corpos e personas passeiam pelos caminhos do jardim, andam pelo meio das folhagens, desbravam a escuridão e aproveitam os espaços de um parque de diversões bem simples e clássico, desses do tipo que percorrem as cidades de interior. Mas não é uma caminhada comum, essas personagens buscam encontros, elas caçam pessoas e almejam experiências outras. Em inglês isso se chama “cruising”, experiência quase “ancestral” da comunidade gay, que já deu nome e inspirou filmes, que já serviu para pesquisas acadêmicas e que ainda hoje é experiência formativa para muitos homens – mesmo com todos os seus perigos e ilegalidades.

No filme de Ricardo Alves Jr., a experiência do cruising é a espinha dorsal. A narrativa não possui um personagem central, podemos entender a madrugada do parque como nosso observador onisciente. É entre árvores, vielas e brinquedos apagados de um parque de diversão que diferentes personagens irão trafegar em uma jornada que acompanhamos de forma silenciosa. Em poucos momentos ouvimos uma interessante trilha eletrônica, mas em grande parte do filme somos acompanhados pelos sons da noite, com seus grilos e o farfalhar das folhagens – nos raros momentos em que os personagens resolvem conversar, o som é quase inaudível, com uma equivocada captação de áudio que prejudica a experiência desses momentos – talvez fosse mais interessante que o filme permanecesse silencioso. Nesse quase trottoir das personagens, observamos seus flertes, seus jogos de sedução e, claro, suas experiências sexuais.

“Parque de Diversões” gosta de deixar clara suas ousadias, então mostra em diferentes momentos que o sexo que vemos na tela é real, com penetrações, felações e outras coisas mais; mas, ainda assim, essas cenas são filmadas de forma a deixar claro as diferenças deste filme para um filme “pornográfico” deixando no ar uma necessidade de se afirmar artístico perante outros exemplares que filmam o sexo, então a câmera se apoia em desfoques, em ângulos distintos e em uma iluminação que almeja caminhos mais misteriosos. Essa jornada claramente dialoga com filmes clássicos da cinematografia gay, como o seminal “Pink Narcissus” (James Biggood, 1971) ou mesmo as obras de Kenneth Anger, mas, ainda assim, os referenciais parecem mais transgressores que o filme que vemos na tela. Ricardo Alves Jr. mira uma espécie de narrativa que caminha da sedução ao encontro, do flerte ao ato sexual, do sexo ao gozo, porém essa formatação parece metódica demais para o espectador e não ajuda a criar conexões com o que vemos na tela.

Há uma entrega poderosa do elenco e há um jogo de câmeras que até tenta nos colocar como voyeurs nessa experiência sexual de “Parque de Diversões”, mas mesmo assim o filme ainda carece do essencial: tesão! Falta ao filme uma linha narrativa que nos prenda em sua jornada e, suas buscas por uma linguagem outra, que seja ousada ou nova, acabam por nos afastar do que seria o mais potente em um filme destes: a tensão sexual. Os flertes vistos em tela não nos causam frisson, não nos deixam sem ar ou não nos remetem a tensão necessária para essa experiência. E isso não vem do elenco, pois os atores conseguem construir um jogo de sedução realista, mas a forma como a câmera navega pela tela e como os enquadramentos parecem fugir do essencial acabam nos criando a sensação de afastamento. Quando queríamos um olhar de satisfatória tensão, recebemos uma cena desfocada de corpos em contato; quando um sorriso malicioso poderia ser a resposta, recebemos um desfoque de luzes; é como um anti-coito.

É uma pena, pois “Parque de Diversões” é um interessante experimento, ainda mais vindo de um diretor com excelente histórico – é inegável que Ricardo Alves Jr. é nome importante na pulsante cena mineira recente. De todo modo, aqui tudo parece ficar ainda no campo das teses e das ideias e o resultado final acaba por ser maçante e desinteressante.

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– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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