32º Festival MixBrasil: “Uma Breve História da Imprensa LGBT+ no Brasil” se destaca por entrevistados e riqueza de histórias

texto de Renan Guerra

Quando se fala em imprensa LGBTQIA+ no Brasil, um dos primeiros nomes lembrados é o do essencial Lampião da Esquina, um dos mais importantes periódicos brasileiros focado diretamente na comunidade e que tem um caráter precursor, tal qual já foi contado no documentário de Livia Perez também chamado “Lampião da Esquina” (2016). De todo modo, em “Uma Breve História da Imprensa LGBT+ no Brasil”, o diretor Lufe Steffen busca recontar memórias mais amplas de uma série de publicações antes e após o Lampião, criando um interessante panorama que vai dos anos 1950 até os avanços da internet nos anos 2000. De caráter bastante formal e clássico, o filme se sobressai essencialmente por seus entrevistados e pela riqueza de histórias.

Lufe Steffen é um cineasta que tem construído um importante material cultural em torno da história e das narrativas de pessoas LGBTQIA+, com filmes como “A volta da Pauliceia Desvairada” (2012), sobre a noite paulistana dos anos 2000, e o fundamental “São Paulo em Hi-Fi” (2013), que reconta as histórias das noites gays em São Paulo nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Com “Uma Breve História da Imprensa LGBT+ no Brasil” o diretor mergulha agora em um universo do qual ele sempre fez parte e que ajudou a construir: Steffen é jornalista e tem sua carreira diretamente atrelada a diferentes projetos de imprensa LGBT+ nos anos 2000. Para essa volta ao passado, ele se une ao lado de jornalistas e editores que desenvolveram importantes publicações, bem como traz uma série de importantes pesquisadores e colecionadores da área, tendo assim um material bastante rico e que consegue navegar por um amplo espaço de tempo e diferentes locais.

“Uma Breve História da Imprensa LGBT+ no Brasil” parte de pequenas publicações independentes feitas por homens gays nos anos 1950, ainda de forma bastante artesanal, algo numa linha ao estilo dos fanzines, passando por periódicos mimeografados e por uma série de interessantes movimentos que acabaram se perdendo com o recrudescimento da ditadura militar. Depois disso, adentramos na politização dos periódicos e de uma relação maior entre o lifestyle e o ativismo político, culminando em dois marcos temporais importantes do jornalismo e da cultura LGBTQIA+ no Brasil: a breve, mas impactante história do Lampião da Esquina e a ousadia do Chanacomchana, zine criado pelos coletivos paulistas Lésbico-Feminista (LF) e Grupo Ação Lésbica-Feminista (GALF), e dono de uma história emblemática.

O Chanacomchana era vendido em encontros de lésbicas, especialmente em um bar de São Paulo chamado Ferro’s Bar; situado na rua Martinho Prado, na região central da cidade, antigo ponto de encontro de militantes comunistas que, com o Golpe Militar e a violência policial, passou a ser um local importante para os encontros LGBT na cidade. Dito isso, chegamos em 1983, ano em que o então dono do bar tentou proibir aos poucos a circulação do Chanacomchana e expulsar as ativistas lésbicas do local; por causa disso, em 19 de agosto de 1983, ocorreu um protesto que ficou conhecido como o “Stonewall brasileiro”: as ativistas da GALF se organizaram para trazer a presença de outros grupos LGBT, feministas e figuras políticas – como o então deputado Eduardo Suplicy – para invadir o interior do Ferro’s e leram um manifesto lésbico contra a censura do bar, exigindo que a venda do jornal fosse permitida e que elas fossem respeitadas. Esse episódio é contado de forma rápida no filme de Lufe – e talvez até merecesse mais tempo de tela –, mas é também resgatado no curta “Ferro’s Bar” (e aqui), das diretoras Rita Quadros, Nayla Guerra, Aline A. Assis e Fernanda Elias, presente no 31º Festival MixBrasil, em 2023.

Voltando a “Uma Breve História da Imprensa LGBT+ no Brasil”, o filme ainda passa pelas importantes colunas em diferentes publicações de nomes como Celso Curi e Vange Leonel e desemboca na onda do encontro entre mídia impressa e nudez a partir dos anos 1980 e fala sobre como esse universo de ensaios nu ajudou a impulsionar o que seria um boom das revistas gays nos anos 1990, como o lançamento daquela que talvez tenha sido a mais longeva e de maior sucesso: a G Magazine, que durou de 1997 a 2013. Steffen também conta da criação de revistas como a Júnior e A Capa e demonstra como surge essa transição do impresso para o digital, com o fortalecimento do site do MixBrasil e o nascimento de outros portais e sites, como o ainda existente GuiaGay.

Nesta reta final, o filme perde um pouco de sua força e acaba se tornando um apanhando de aparições que soam apressadas e que buscam mais dar conta de citar e demarcar a existência de cada projeto do que de necessariamente se aprofundar neles. Talvez se o filme tivesse um recorte que ficasse focado nos projetos impressos, ele teria ganhado em mais fluxo e profundidade, pois toda a parte sobre jornais e revistas soa mais rica e mais aprofundada do que a sequência final sobre o on-line, que parece pouco amarrada – e até falha ao deixar de fora alguns projetos – e ainda traz uma falsa sensação de que não temos hoje uma mídia LGBTQIA+ apenas por não termos novos portais ou sites de notícia LGBTQIA+; a pulverização dos meios é um tema amplo demais e que poderia render por si só um segundo filme sobre esse universo.

Ainda assim, a reta final do filme não diminui as qualidades anteriores de “Uma Breve História da Imprensa LGBT+ no Brasil”, que reúne um interessantíssimo material histórico, jogando luz sobre personagens fundamentais da história da imprensa brasileira e reafirma a importância de tantos jornalistas, editores e criadores de conteúdo que ousaram e foram precursores.

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– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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