Faixa a faixa: a banda-de-um-homem-só Ambivalente apresenta o curioso universo de seu disco “Adam Sampler, Vol. 1”

texto de Renan Guerra
faixa a faixa por Rodolfo Ribeiro

Ambivalente é a persona de Rodolfo Ribeiro, artista de Petrópolis, no Rio de Janeiro, uma espécie de homem-banda, com Rodolfo produzindo, mixando, cantando, compondo e tudo mais. É nesse cenário que se cria a sua inter-relação com a figura de Adam Sandler – o ator que se autoproduz e que criou um mercado de trabalho para seus amigos em seu entorno. É de Adam Sandler que vem o nome do novo disco do artista fluminense, “Adam Sampler, Vol. 1” (2024), um projeto que mescla efeitos, distorções e manipulações para a construção de um som que soa ao mesmo tempo quebradiço e intimista.

“Tenho um fascínio pela figura meio trágica do Adam Sandler. Ao mesmo tempo em que ele é um cara de muito sucesso e manda muito bem na atuação de vários filmes (‘Punch-Drunk Love‘ e ‘Joias Brutas‘, por exemplo) ele também é uma piada pra muita gente. Essas coisas conflitantes me interessam muito porque me reconheço nelas”, explica Rodolfo. Para além dessa perspectiva, para o ouvinte se sobressai outra inter-relação entre Ambivalente e Sandler: há uma certa galhofa que se amalgama na melancolia e na tristeza como se tudo formasse um emaranhado. “Adam Sampler, Vol. 1” é uma espécie de exploração em torno de fracasso e sucesso, como se mede e se entende essas perspectivas – o que de novo se associa a Sandler, visto por alguns como um exemplo de sucesso no cinema e por outros como a representação clara da mediocridade que o cinema comercial pode assumir.

Em “Adam Sampler, Vol. 1” temos uma nuvem de efeitos que escondem essas rachaduras de intimidade e exposição propostas pelo artista, que ainda consegue soar pop e acessível. Para expandir esse universo sonoro, Rodolfo Ribeiro construiu um visualizer que acompanha o disco e que foi gravado em Juiz de Fora, sob a direção de Yan Gabriel. Além disso, as experiências solitárias de Ambivalente também se abrem às parcerias com a participação de Daniel Valle em “OFEGANTE” e a coprodução de Maipo Beats em “DUPLA JORNADA” e “CELULAR”.

Para destrinchar de forma mais completa o universo de “Adam Sampler, Vol. 1”, Rodolfo Ribeiro, o Ambivalente, escreveu um faixa a faixa especial para o Scream & Yell contando detalhes da produção, de suas referências e de suas composições. Confira abaixo:

01) “Dupla Jornada” – Uma música que existe desde 2020. Fala um pouco sobre o processo de precarização do músico independente. Sou bastante cético com essas virtudes de hoje em dia, como a ideia de que o profissional tem que ser “multifacetado” e que o “mercado” exige isso. Geralmente, acho que é uma história para fazer a gente exercer mais de uma função, cortar gastos e ser mal pago. É a faixa que mais evidencia esse paralelo que quis fazer com o Adam Sandler, de meio que ter tudo, mas, ao mesmo tempo, não ter nada. O Sandler tem alguns filmes que, para mim, provam a excelência dele como ator (“Punch Drunk Love”, “Uncut Gems”…), mas, ao mesmo tempo, ele é resumido a ser apenas um idiota por causa das comédias e dos papéis óbvios que já fez. Eu acho muito interessante, como artista independente, essa coisa de ter nossa capacidade questionada o tempo inteiro pelas expectativas dos outros sobre o que deveríamos estar fazendo. Seja por acharem que você deveria postar demais ou de menos, ou por acreditarem que você não deveria mudar de som a cada álbum, que deveria seguir uma linha específica. Sinto que as pessoas têm muitas opiniões sobre como deveríamos nos projetar e uma ideia de “mercado” que acho muito engraçada. Cada um tem uma relação muito maior com a sua própria fantasia sobre o projeto do que com o projeto em si.


02) “Celular” – Minha mãe tinha ficado com Covid bem no início da pandemia, e todo mundo estava morrendo de medo da doença devido à pouca informação. Quando confirmaram que ela havia contraído o vírus, eu fui abraçá-la para consolar e tal, e a gente esqueceu que não podíamos mais nos abraçar. Foi muito estranho não poder chegar perto e ter que manter uma distância, passar aquela tensão de não saber se tinha pego a doença ou não, andando em casa de máscara. Peguei essa experiência e fiquei pensando como a doença retirou da gente os gestos mais normais de carinho, como o toque é algo presente entre as pessoas. Essa música foi a primeira em que senti que consegui alcançar um objetivo pessoal: fazer uma música direta, mas que não soasse vazia. Uma das coisas que mais admiro na música pop é quando você consegue ser experimental, mas com uma certa direção. Acho isso muito difícil. Pra mim, é mais fácil criar algo esparso e bizarro em uma composição que não segue necessariamente uma linearidade


03) “Dublê De Sapatos” – Fiquei muito inspirado em artistas que usam do recurso da colagem de som pra mudar o arranjo de uma música. Essa música bebe muito desse lugar. Tentar fazer uma música que tenha letra e melodia forte, mas que utilize esse recurso foi o principal desafio pra mim. Essa também foi uma letra que demorou muito para ficar pronta. Melodia e harmonia são coisas que vêm mais facilmente para mim, então geralmente fico cantarolando uma melodia que surge e faço um embromation de palavras em inglês. Nesse momento, fico muito atento aos fonemas que soam bem com a melodia e tento encontrar palavras em português que tenham o mesmo som. É um processo que dá muito resultado, mas leva bastante tempo, porque a primeira versão geralmente resulta em uma letra que não faz o menor sentido hahaha. Só numa segunda tentativa consigo acertar as coisas. Tudo isso para dizer que o sync entre palavra e melodia é uma das coisas mais importantes para mim em uma canção.


04) “Ofegante” – Música muito especial para mim. É a última que fiz para o disco. Tem a participação do Daniel Valle que é um artista e amigo que eu produzo aqui no estúdio e de vários outros amigos que curtem o projeto. Curto muito a simplicidade dela. A melodia principal vem de uma improvisação de piano que eu picotei e construí os elementos a partir daí. Para mim, essa música faz várias referências a estilos musicais que eu amo, como se a produção fosse uma grande homenagem a esses estilos. Até hoje, não sei muito bem sobre o que é a letra desta música. Misturei várias situações diferentes, e todas ressoam para mim quando escuto. Isso é algo que tem me interessado muito: buscar um sentido menos explicativo pras músicas, porque, no final das contas, tudo isso é muito mais sobre sensação do que sobre raciocínio.


05) “Autorretrato” – Essa música foi um marco porque foi a primeira vez que me senti confortável com algo que brinco no disco inteiro: a manipulação da voz e a mistura de vários estilos musicais que gosto e que não necessariamente se relacionam. Foi o “eureka” que eu precisava para continuar criando. O processo de mixagem e masterização do disco foi muito difícil. Eu estava me aprimorando enquanto fazia as mixagens e masterizações, então ouvi tudo muitas vezes e não conseguia mais distinguir as diferenças. Sentia que estava ‘assassinando’ as músicas, e conviver com isso por um tempo sem um resultado que eu realmente gostasse foi pesado. Essa música foi a primeira em que senti que acertei a mão, e isso se refletiu num modus operandi pro disco inteiro.


06) “Armas e Vidraças” – Muitos falam de uma cena musical, e a gente vê que, historicamente, as cenas são algo que movimentam e agitam a cultura local. São uma forma de resistência independente. Mas eu sou muito sincero ao dizer que nunca vivi isso. Quando vi isso acontecendo na minha frente, era muito menos inclusivo e bem mais segregador do que é pregado para a gente. Tenho um enorme respeito por várias movimentações dessas pelo Brasil, mas também sou um pouco cético. A música é um pouco sobre isso.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava



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