entrevista por Eduardo Ribeiro
O Forgotten Boys, banda paulistana surgida no final dos anos 1990, escapa de qualquer frieza em suas obras, alimentando uma visceralidade que atravessa, imune, décadas de tendências e modismos. Fundada por Gustavo Riviera (guitarra, voz) e Arthur Franquini (bateria), se destacou rapidamente na cena underground da cidade, com uma sonoridade cheia de pulsões do punk e do rock alternativo. Uma adoração por estruturas simples e expressivas se repete com autenticidade nas canções.
Herdeiro tanto da fúria crua do Ramones quanto da sujeira sonora do Sonic Youth, o Forgotten Boys construiu ao longo dos anos uma intrincada densidade em suas composições. A morte trágica de Arthur em 2005 marcou profundamente a trajetória do conjunto, que continuou sua jornada. Passaram por mudanças de formação, mas adquiriram uma simbiose definitiva com o fundador Gustavo Riviera mais Zé Mazzei (que assumiu o baixo em 2004), Dionisio Dazul (guitarra desde 2010) e Chuck Hipolitho (que começou tocando baixo em 1999, depois foi pra guitarra e deixou a banda em 2009 para voltar em 2016 na bateria).
Nos trabalhos mais recentes, os músicos exploram texturas que flertam com diferentes gêneros, mantendo sempre o rock, em sua concepção infante, como âncora principal. O novo álbum, “Click Clack” (2024), evidencia essa maturidade artística. Gravado com todos os membros juntos em estúdio, o disco reflete um processo colaborativo que reforça a identidade própria e a energia coletiva da banda. No fim, o Forgotten Boys continua a se reinventar.
O disco chega após um hiato de mais de uma década sem lançar material autoral (o último disco com material próprio, “Taste It”, é de 2011), com 10 faixas inéditas e pouco mais de meia hora de duração. O repertório é um marco importante na trajetória do Forgotten. Gravado no estúdio Artsy Club, em São Paulo, e masterizado por Carl Saff em Chicago, “Click Clack” ressalta a crueza característica do grupo com uma abordagem consciente e refinada, produto da formação estabilizada e da intensa colaboração entre seus integrantes.
Esse é o lance mais evidente aqui: o processo criativo coletivo e a coisa de gravar ao vivo trouxeram uma vibração bem orgânica e coesa. Na conversa, Gustavo não esconde sua alegria com todo o cuidado empreendido na gravação, que envolveu ajustes minuciosos de microfonação e mixagem e que foi essencial para preservar a dinâmica das performances. Já Chuck destaca que a experiência de ouvir o álbum no vinil pela primeira vez foi marcante, uma vez que, segundo ele, o som capturado foi projetado para brilhar em qualquer reprodutor. Leia o bate papo na integra abaixo!
E aí, manos. Eu estou já faz semanas escutando direto os sons novos de vocês.
Gustavo Riviera: O que achou?
Achei que umas são mais Rolling Stones, outras são mais Guns N’ Roses [risos]… Mas, falando sério, tem de tudo ali. Para os meus ouvidos, ressonâncias de Dead Boys, The Saints, até T.Rex ou Pixies, se bobear… O lance é que vocês têm uma sonoridade própria, na real, por isso fica difícil trazer uma definição, mas nota-se um afastamento gigante daquela pegada de depressão adolescente do começo…
Gustavo: Estávamos até conversando sobre isso, o Chuck e eu. As primeiras letras eram bem adolescentes mesmo, falando de mulheres que não correspondiam o nosso amor, drogas, se matar… Esses eram os temas a respeito dos quais costumávamos escrever. Principalmente o Arthur [Franquini, primeiro baterista] trazia essa coisa do amor e do bubblegum, dava uma mistura entre o punk, o rock mais tradicional e o power pop.
Chuck, você se lembra de quando ouviu o Forgotten pela primeira vez?
Chuck: Eu me lembro de ter percebido isso mesmo. Acho que é uma das coisas que a banda tem como uma característica desde o começo, da época em que eu nem tocava com eles ainda. O Forgotten Boys é uma banda na qual eu entrei bem no comecinho, fiz parte da fase em que ela estava ficando conhecida, mas não sou da primeira formação. Mas uma coisa que notei é, exato, você pega, assim, as referências do punk rock, do proto punk, só que a banda, mesmo nessa fase, já tinha uma voz própria. Um jeito próprio. Claro que, no início, essa coisa das letras, do jeito como toca, e, depois, quando eu já estava fazendo parte, nós não conseguíamos evitar de deixar que essas influências aparecessem. A gente, muitas vezes, começa imitando, mas, mesmo assim, cara, eu acho que era notável que, apesar de remeter a essas vertentes, já tinha um negócio ali que você escutava uma essência, uma voz própria. Acho que existe uma diferença quando você usa algo como referência para criar – isso é uma coisa – e quando você se inspira em algo para fazer o seu próprio som. Acho que o Forgotten é uma banda que se inspirava em algo para fazer o que fazia. E carregamos esse jeito de fazer até hoje.
Com o tempo, vocês foram amadurecendo e aprendendo a fazer de maneiras diferentes?
Chuck: Eu diria que, em vez de se inspirar, talvez, num som, a gente começou a se inspirar em muitas outras coisas: um livro, um filme. Mesmo assim, até hoje, carregando uma voz própria.
Gustavo: Acho que tem muito disso. O tipo de energia que queremos lançar, saca? Como a gente quer atingir as pessoas, o que estamos querendo produzir: um bagulho que incomoda? Rápido? Meio agressivo, meio “foda-se”? Ou, meio niilista? E aí começa a mudar, cada hora estamos falando de uma coisa, mas acho que sempre teve essa questão principal de trazer um clima.
Uma parada que sempre achei peculiar é que, em um rolê underground delimitado por “tribos”, tipo straight edges, melódicos, punks, emos, indie-guitars, mods, glams, metaleiros, etc., vocês nunca foram pertencentes a nenhuma cena. Em um sentido, assim, de que nunca houve um punhado de bandas às quais o Forgotten pudesse ser associado. Vocês nunca fizeram parte de uma “gangue”.
Chuck: Nós somos de uma geração em que apareceu muita banda seguindo modelos prontos, parece, sabe? E acho que isso, sem fazer julgamento moral, até porque acredito que seguir esses padrões acaba criando atalhos para êxitos, mas penso que, diferente de bandas que faziam parte da mesma geração, o Forgotten se destacava. Não como o melhor ou pior, mas era um outsider do shoegaze, das guitar bands, do “proto-emo”, que já rolava na época. Já era uma banda meio estranha a isso. É que era uma banda que não compunha, não produzia pensando em como as pessoas receberiam aquilo. Ela pensava em como queria ser recebida, e não em atender a um público formado. Isso fez diferença, e é algo que fazemos até hoje. Mesmo no período em que estive fora do grupo, eles continuaram fazendo isso. É uma banda mais preocupada com o impacto que quer causar do que seguir uma linha. Mas isso era algo bem diferente para nós, e que também nos deixava rodeados de coisas legais. Nós não andávamos com pessoas que tinham bandas e curtiam som no mesmo estilo do nosso. Tínhamos ao nosso redor o Againe, o Hurtmold. Foi muito importante ensaiar e gravar no El Rocha, (que) era um estúdio que tinha todo tipo de gente circulando. Enquanto o [Daniel] Ganjaman estava nos produzindo, ele estava fazendo os Racionais ao mesmo tempo. Isso nos ajudava a ser quem éramos, e tirávamos inspiração, também, de todas essas pessoas ao nosso redor.
Gustavo: Mas foi bem isso que nos deixou de fora, também, de algumas cenas. Nunca tivemos uma “cena”. De qual cena fizemos parte? Não éramos nem do hard rock, nem da música instrumental, experimental, do emo, do indie… Sempre fomos uma banda que não se encaixava em nenhum dos grupos.
Outra coisa é que, mesmo pegando as referências do punk rock clássico, que foi por onde vocês começaram, desde o início a gente já percebia, nas demos até, que os caras que estavam tocando ali sabiam algo da história do punk, do garage rock, do proto-punk, que vai além de Ramones, Sex Pistols e The Clash. Já estão impressas nas primeiras músicas as sonoridades “lado B” de todo esse universo, um lance de pesquisador musical mesmo… Tipo, vocês já pareciam sacar de Buzzcocks, Eddie Cochran, outras paradas, sei lá…
Gustavo: É, acho que fizemos mesmo esse caminho, de buscar as referências dessas bandas, tipo Ramones, Sex Pistols, e tudo mais. Tipo, “de onde que veio isso? Como os caras criaram isso?”. E aí fomos, realmente, para o proto-punk, até mesmo para o glam, as bandas que os Ramones diziam que escutavam, The Stooges, né.
Chuck: É que a gente sempre gostou muito de música, no sentido de ter um interesse de saber de onde vêm as coisas. Esse é um caminho que alguns artistas fazem, e nós fizemos desde o começo. O próprio Ramones nos ajudava a fazer isso porque eles lançaram um disco de covers [“Acid Eaters”, 1993], e é muito louco, porque fui conhecer The Who por causa deles, naquela época! Então, penso que, antes de tudo, essas influências foram uma “nerdice”, de amar música e ser pesquisador mesmo. De não ficar só na superfície. É um lance de compreender, de querer mais, saber de onde vem.
Vocês chegaram a estudar música, fazer aula, essas coisas, antes ou mesmo depois da formação da banda?
Gustavo: Cheguei a ter dois professores de guitarra, mas entre os 14, 15 anos, e depois não fiz mais aulas. E aí, também, depois que comecei a ter banda, fui me interessar por estudo de música mesmo só agora [risos]. Mas tem a ver com como você quer apresentar a coisa. Então eu sempre busquei aprender as soluções específicas para aquilo que eu queria fazer, sempre fui muito focado nisso, tipo: “Preciso chegar nessa sonoridade”. Aí eu ia estudar para desenvolver aquilo. Nunca foi para ampliar a minha musicalidade técnica. Foi esse o meu caminho natural.
Chuck: Sou parecido com o Gustavo nisso, comecei tocando bateria, quando adolescente, depois fui migrando para outros instrumentos, até que entrei no Forgotten e, quando vi, estava compondo, cantando, mas tudo isso sem nenhum estudo. 99% foi de uma forma muito autodidata. Tive professores, pessoas que me ensinaram coisas ao longo do caminho, mas é como o Gustavo falou, somente hoje é que estou me interessando, de fato, mais pela matriz da coisa.
Gustavo: O meu foco sempre foi o de compor para a banda. E não tocar coisas de outras bandas. Fiquei meio limitado nisso, talvez.
Chuck: Eu aprendi a tocar guitarra tocando com o Forgotten [risos]. E isso também contribuiu para que tivéssemos a nossa própria voz. É muito doido, cara, porque o Gustavo e eu, nós temos bastante essa veia de aprender de uma forma punk mesmo, mas hoje em dia tem o Zé e o Dazul na formação, que são músicos que conhecem as técnicas, e que sabem tocar de um jeito que nós não sabemos. Eles conversam, às vezes, em uma língua que nós só observamos [risos]. Mas é muito comum a gente ver pessoas que sabem tocar muito bem, dominar o instrumento de uma forma muito cabulosa, só que encontram problemas em como se expressar, ou, em como fazer isso colaborativamente, com outras pessoas.
Gustavo: A sorte é que sempre tive músicos muito bons próximos, que me ensinaram muito, nas bandas em que toquei. Às vezes fico meio com o pé atrás, assim, de achar que não estou no nível dos caras, que vão me mandar embora, sei lá [risos].
A gente tem mania de dizer que a banda voltou, mas nunca ficou exatamente parada, né?
Gustavo: Teve momentos mais e menos intensos. Teve uma época em que ficamos, talvez, um ano sem tocar, sei lá, não sei porquê… Mas a banda nunca foi declarada como se tivesse acabado, ela sempre teve lá a sua formação, meio morta, meio viva, em alguns momentos, só que nunca, de fato, parou de existir. Rolaram situações naturais de sentir necessidade de diminuir o ritmo um pouco, falta de vontade de compor, outras prioridades que vieram na frente… O último disco de composições originais foi de 2011, e, nesse meio períodos, fizemos muitos shows e um disco de covers (“Outside Of Society”, 2014), por exemplo, que saiu só na Argentina.
Pô, mano, esse disco de covers ficou muito bom. Precisava lançar essa fita nos streamings.
Gustavo: É que a gente não pode colocar, não temos os direitos… Mas a banda ficou cozinhando muito tempo esse disco, procurando maneiras de fazer, aí não chegou… Ensaiamos ideias para esse disco durante todo esse tempo. Nós sempre pensamos, “vamos fazer o disco novo agora”, só que aí começava a desenvolver e parava. Fizemos isso um ano e meio atrás, por exemplo, e não foi também, de novo. E aí, dessa vez, acho que, principalmente, pelo incentivo do Chuck, de chegar um pouco mais prático na coisa e falar, “Meu, vamos organizar.”
Mas vocês chegaram a tentar fazer virar a ideia de registrar umas coisas ao vivo, umas músicas que queriam regravar, uma espécie de “Greatest Hits”, certo?
Gustavo: Sim. Daí que nesse processo foram surgindo outras novas, e mais algumas, e, quando vimos, já estávamos com mais da metade de um disco de inéditas. Então veio a ideia de fazer um álbum novo, com o Chuck se propondo a produzir, mixar, assumir essa parte de modo geral, e empurrou todo mundo para fazer rolar.
No começo da banda, vocês lançavam tipo um disco por ano, praticamente; tinha esse pensamento de “Temos que fazer mais um álbum para marcar presença”?
Chuck: Tinha. Mas, com o tempo, as coisas foram acontecendo e, hoje, não precisamos fazer um disco, a não ser que a gente queira, que todo mundo esteja nessa vibração. Todo mundo sempre quis gravar coisas novas, mas acho que quando comecei a botar pilha, foi o momento de alinhar tudo e fazer rolar. Existia essa ideia que o Gustavo comentou de regravar umas músicas, mas o principal é que eu queria aproveitar a química que a banda conquistou, a química própria dessa formação. A vontade era de levar isso para o estúdio. E aí, cara, o jeito de começar era uma ideia… Quando entramos no estúdio e começamos a compartilhar as ideias, fomos vendo que tinha coisa legal para lançar um disco novo. Teve um fomento ali, mas foi algo que aconteceu, também, de forma espontânea.
Em termos de maturidade artística, colaborativa, vocês têm a cabeça mais “no lugar” hoje em dia?
Gustavo: Acho que sim, cara. Acho que, pela maturidade individual também. Estamos mais conscientes do que estamos fazendo, isso conta. É uma banda que consegue conversar, sei lá porquê, mas a gente consegue se entender melhor do que nunca, talvez. Isso facilita muito para compor, trabalhar as músicas, montar um show, decidir coisas e tal. Isso incentiva muito, é o lance de estar fazendo uma coisa enquanto se diverte, sabe? Isso tem sido um ponto forte para essa formação, que encontrou, depois de tantos momentos de experimentações, vários tipos de shows, jeitos de tocar guitarra mesmo, e essa intimidade nos levou a esse momento, desse disco, que é o resultado desses anos de convivência.
Houve um tempo em que as relações entre os integrantes da banda pareciam ser meio conflituosas. Estou viajando?
Chuck: A gente teve bastante conflitos. Hoje, não mais. Mas o Forgotten sempre foi, principalmente ali, naquela época que tinha o Fralda [baixista], o Flávio [Cavichioli, baterista], tinha uma energia caótica na banda, uma tensão… Não era uma tensão entre nós, de inimizade, era só muitas energias, e energias que se conflitavam, e, às vezes, se materializam na forma de um som foda para caralho! Mas era uma coisa de muita energia, e, às vezes, cansativo e desgastante. Atualmente, é uma coisa mais tranquila, cara, mas estamos fazendo tudo por uma verdadeira vontade, e isso é algo muito nobre, no sentido de ter uma banda, de estar junto com os caras que você se dá bem, e todo mundo curtindo fazer um som, trocar um com o outro, se empolgar com as ideias um do outro. E ninguém precisa ficar discutindo para decidir nada.
Você sente que está menos centralizador hoje do que anos atrás?
Gustavo: Tem essa maturidade de todos. O próprio jeito de compor e gravar, de tocar, principalmente… de eu querer chegar e querer de tal jeito a coisa, porque era como eu imaginava como sendo o mais legal… e indicar isso de maneira um pouco “forçada”. Isso não é mais assim. Nós conseguimos dividir ideias e todo mundo se escutar… Quer dizer, eu acho [risos].
Chuck: [risos] Eu concordo!
Muitas bandas surgiram surfando na onda do “revival” do rock raiz, na virada do século, mas poucas permaneceram com uma produção perene e coerente. Hoje, olhando em retrospecto, é inevitável perceber que o Forgotten possui um legado. Como vocês interpretam isso?
Chuck: Hoje eu percebo isso com mais clareza, pelo modo como as pessoas falam a respeito. É que quando você está ali, na atividade, fazendo, primeiro, que você não está muito pensando nisso; segundo, que você não está muito fazendo por isso. Claro que todo mundo quer deixar um legado, uma marca, mas não é isso que inspira. Mas, hoje, percebemos que, sim, a banda tem um lugar na história, e um lugar importante.
É interessante que, quando a onda veio e rolou até uma certa modinha do hard rock, vocês já estavam lá de milianos.
Chuck: Esse zeitgeist… tipo, o brasileiro, roqueiro “alternativo”, para não falar “indie”, não precisava pagar pau para o Hellacopters, tinha o Forgotten Boys para pagar pau aqui, se ele gostasse desse som. Nós sentíamos que o Hellacopters, ou o Backyard Babies, e outras bandas contemporâneas, ali, também estavam sendo contempladas por esse zeitgeist. Mas o Brasil tinha um representante à altura, eu acho, que se beneficiou sem intenção de querer fazer parte disso.
Gustavo: É… nós conseguimos experimentar algumas coisas desse tipo de sensação também na Argentina, no Uruguai, no Chile, que foi uma recepção de muito respeito. Isso era percebido quando saíamos do palco, quando conhecíamos a galera que achava que estávamos fazendo um lance legal.
E o lance que é questionado desde o começo da banda, de cantar em inglês e tal?
Gustavo: Isso também é uma razão de estarmos postos de lado de qualquer cena. Não conseguem encaixar a gente em um perfil.
Chuck: Isso é bom, eu acho. Quando te colocam numa “caixa”, facilita algumas coisas, mas é bom, também, não estar dentro dessas caixas. Acho que estamos nesse lugar até hoje. E nesse caminho a banda experimentou. Experimentamos até mesmo composições em português. Se aparecer alguma ideia em português e a gente sentir que é legal, a gente vai fazer de novo. Talvez, em uma época, porque as pessoas estimulavam demais ou esperavam isso de nós, apostamos, experimentamos, até porque nós nos confundíamos também. Mas só pudemos experimentar e continuar no mesmo lugar por causa dessa autenticidade.
Cantar em português é página virada?
Gustavo: Não, mas, sei lá, foi um experimento. E está aí, é nosso. O inglês permanece porque, talvez, seja mais confortável para o nosso estilo de som.
Chuck: O Gustavo tem o Riviera Gaz, com o Steve Shelley [baterista, Sonic Youth] e o Pauleira [Paulo Kishimoto, tecladista], e cantam em inglês com uma voz própria e um amadurecimento de saber interpretar nessa língua. Eu, quando saí do Forgotten, queria experimentar mais com o português, acabei montando uma banda mais pop-rock [Vespas Mandarinas], trabalhei melhor o jeito de compor em português, e até cheguei a renegar, criticar, bandas e amigos brasileiros compondo em inglês, e forcei a barra para que as pessoas começassem a compor em português… e nunca imaginei que, depois disso, eu fosse voltar a compor em inglês. Nem imaginei sequer compor — letras e músicas — para o disco que acabamos de fazer. Nesse disco, a princípio, eu estava querendo só tocar bateria e produzir. Isso só para dizer que não adianta a gente afirmar que alguma coisa ficou no passado, porque nunca se sabe no que vai dar. Podemos até voltar a fazer música em português…
Vocês ainda tocam as músicas em português nos shows?
Gustavo: Algumas, sim. Nos últimos shows tocamos uma ou outra, mas nesse disco novo todas são em inglês.
Do que falam essas letras novas?
Gustavo: O disco não tem uma temática definida, são novelas, contos. Cada música tem a sua história, elas não são um filme só, mas vários. Das minhas, tem algumas que são realmente uns contos, o Chuck também entra numas aí, mas é isso. Acho que, também nesse sentido, das letras, é o disco mais rico que já fizemos. Ele tem um valor nesse ponto maior do que os outros, principalmente nas letras, porque traz um conteúdo que talvez tenha sido mais trabalhado e seja mais criativo.
Chuck: Acho que são letras que deixam mais aberto para as pessoas que estão escutando procurar interpretar aquilo. E, ao mesmo tempo, as músicas são todas muito diferentes umas das outras, isso é uma coisa legal também. Não existe uma temática, como o Gustavo falou, a gente foi compondo e colecionando as ideias, foi montando.
Vocês fazem as letras e as bases separadas e depois vão combinando as ideias?
Gustavo: Geralmente faço as harmonias primeiro, penso na música; tem uns textos que vou escrevendo meio que aleatoriamente, e aí, de repente, acho um tema ali que pode se encaixar, pensamos em uma melodia. Mas não necessariamente: às vezes penso em uma coisa que seja para uma tal letra. Aí a gente vê como fica nos ensaios, mostra as partes uns para os outros. Como nunca, dessa vez a banda participou muito das composições. Digo, os quatro integrantes, mais do que eu chegar lá com a coisa pronta. Dessa vez rolou, tipo, “a ideia é essa”, e aí foi mudando, teve muito disso. De chegar de um jeito com a música e ela virar outra, isso aconteceu. Foi super prazeroso, cara, todo o processo.
Chuck: É muito foda quando você dá abertura para isso. E, óbvio, somos quatro integrantes de uma banda em que todos são muito talentosos quando estão juntos, então é muito foda quando uma coisa vem de outra pessoa, sem ter nada a ver com o que você imaginou, e, se você está aberto para receber aquilo, enriquece muito. Quatro pessoas conseguirem fazer isso com certeza trouxe uma característica muito foda para as composições do disco.
Gustavo: E isso mantendo a personalidade de cada um ali presente, saca? Tipo, a gente sabe que em cada som tem a marca de alguém, não é algo que poderia ser reproduzido por outro músico daquela forma. Isso está bem evidente, pelo menos para nós, que conhecemos a musicalidade de cada um e entendemos as suas características.
Esse disco foi gravado inteiramente com a banda tocando junto no estúdio?
Chuck: Foi gravado ao vivo. Os vocais gravamos depois. Algumas músicas não tinham nem letra quando o instrumental foi gravado. Nós estamos redescobrindo essas músicas agora para poder fazer os shows. Porque é um processo, de você compor no ensaio e ir direto para a sala de gravação, depois passar por uma pós-produção, daí voltar para o estúdio para aprender a tocar para o show. Mas o que estamos fazendo agora é enriquecer o que já está pronto.
Gustavo: Principalmente em relação às letras, teve música que gravei cantando qualquer coisa lá. A melodia de voz, algumas já tinham, outras mudaram… mas das letras que foram definidas depois, só agora estou pegando melhor.
Chuck: Estávamos na mesma sala, então se você pegar o canal da guitarra, vai ter som de bateria, tem muito vazamento. Foi uma coisa que sabíamos que iria acontecer e era desejado até. Tentamos isolar um pouco, mas, assim, se você pegar o canal da bateria, por exemplo, você ouve a música acontecendo ao redor dela, lá no fundo. Tem algumas coisas que gravamos depois, mas muito pouco, mais de 95% do que se ouve ali é o que foi ao vivo.
Gustavo: Isso é um lance que dá uma diferença…
Chuck: …para o que a gente faz e quer que as pessoas sintam. Principalmente pelo que sentimos enquanto estamos tocando.
Mas vocês consertaram ou incrementaram umas paradas na pós-produção? Tipo, maquiaram umas palhetadas erradas ali?
Gustavo: Pode ter, cara, na verdade, uma palhetada errada ou algo assim, mas é isso, foi a execução que tivemos nesse take. Isso talvez até seja um lance que tira a artificialidade da coisa.
Chuck: Essa coisa de que a banda está junta, ali, acaba sendo perceptível, a própria vibração é sensorial. Mas tem um ponto: o Forgotten funciona muito bem ao vivo, tocamos muito bem juntos. Até pensamos em gravar algumas músicas com click track [metrônomo], algo que nunca havíamos feito e que eu já estava fazendo muito e tentei trazer, mas não funcionou. Não ficou legal dessa vez, pode ser que fique em algum momento. Deixamos isso de lado porque queríamos potencializar a força. E o Forgotten sempre gravou ao vivo. Estávamos até conversando sobre as gravações das primeiras demos…
A primeira demo foi gravada como? Em quatro canais?
Chuck: Sim, e, para captar os solos de guitarra, precisava ser no mesmo canal da voz, então tinha um amplificador atrás do Gustavo, na geladeira [risos]. Era o jeito de gravar, ao vivo. Os primeiros registros do Forgotten eram em fita, e ali não dava para ficar com muita coisa, estúdio é caro e é na fita que grava. Tipo assim, não dá para ficar enrolando, a banda tem que saber tocar. Então a gente ensaiava, chegava no estúdio, fazia três takes e “está bom, vamos para a próxima”. Esse disco foi bem assim. Isso ajudou a ser mais barato e a captar a essência.
Teve música que foi composta no meio do processo de gravação?
Gustavo: Teve, cara. A gente tinha um dia sobrando, aí, à noite, todo mundo já em casa, decidindo o que ia ser no dia seguinte, se ia refazer algo ou não… Aí eu falei: “Tenho uma música aqui que posso dividir, no celular, com vocês.” E os caras: “Vamos gravar amanhã.” Ela foi gravada e está no disco, foi meio sem ensaio.
Chuck: Gravamos sem saber como iria ficar.
Gustavo: É a “Like Never Before”.
Chuck: A última música do disco. Ela foi criada ali, mas, mesmo assim, o instrumental, tirando o baixo, que foi gravado depois, rolou ao vivo. Na verdade não é nem um baixo, é tipo um piano elétrico, alguma coisa assim.
Gustavo: É uma música simples, ela poderia nem ter entrado no disco, mas a gente sentiu que tinha um lance ali, e ela também foi gravada de um jeito diferente. Eu gravei com violão e amplificador, ela é mais crua, de certo modo.
Chuck, você mixou e produziu esse disco. Além disso, já passou por todas as posições da formação, só falta agora fazer a assessoria de imprensa também [risos].
Chuck: Eu entrei na banda porque os caras precisavam de um baixista. E eu queria entrar, então aprendi a tocar o baixo. E, depois, a gente queria ter mais uma guitarra, aí fui para a outra guitarra… Na verdade, fui passar um tempo fora, e, quando voltei, já tinha um baixista no meu lugar [risos]. Para entrar na banda de novo tive que tocar guitarra.
Gustavo: Aí voltou, uns anos atrás, para tocar bateria agora.
Muita gente pode não saber, mas a bateria é seu primeiro instrumento, né?
Chuck: É, então… E teve um negócio do Forgotten que gravei a bateria. Quando o Arthur saiu da banda, ela quase acabou. Aí a gente quis pelo menos gravar as músicas mais recentes da época e eu fiz a bateria. Deu certo, ficou super legal. É o split com o Killerdolls (2001, Spicy Records). Faltando uma semana para a gravação, o Arthur saiu. Naquela época não estávamos indo gravar só mais um negócio, era uma grande coisa. Tanto é que as fotos de divulgação da época são só o Gustavo e eu. Depois disso teve o Flávio, outros bateristas, formações diferentes e tal. Cheguei a fazer um show na bateria, de lançamento de um disco que o Flávio gravou — o ‘Taste It”. Então eu fiz um show do Forgotten sem ser da banda, por exemplo. Foi um tesão fazer, quando entramos no estúdio e começamos a tocar, a química era a mesma. Mas ali, em 2016, eu estava meio frustradão, o Forgotten também não estava se encaixando tanto com o batera daquele momento… e eu falei para fazer um ensaio e experimentar. Daí voltei mesmo, fiquei na banda.
Conta um pouco dessa coisa de produção e mixagem.
Chuck: Durante um tempo, tive um estúdio, acabei gostando de fazer essa coisa de engenharia de som, produção, e, com o Forgotten… Acabou que fiz essa produção, mas não foi exatamente uma produção, foi mais ir ajudando a galera a se organizar. Foi mais estar ali conduzindo, sabe?
Gustavo: Como um produtor [risos].
Chuck: … [risos] como um produtor… E, mixar, não foi sozinho, foi junto com o Dazul, que também é engenheiro de som e produtor. Então eu mixava, mas era trocando com ele o tempo todo, para saber se estava bom ou não. Eu assino ali, mas não fiz isso sozinho. Gravamos no Artsy Club, que é o estúdio onde eu trabalho, na real.
Depois de tanto tempo na ativa, é comum vocês perceberem o público da banda se reciclando nos shows?
Gustavo: Cara, muda, viu. Percebi isso este ano até, quando tocamos no Centro Cultural Cecília e no FFFront. E tinha bastante gente que eu nunca tinha visto. Isso foi legal para mim.
Chuck: Tem uma coisa doida, fizemos um show de 20 anos da banda no Centro Cultural São Paulo, e estava lotado, teve gente que ficou para fora. E me lembro de ver muita gente nova ali, molecada. Vamos ver como será nesses próximos shows aí.
Gustavo: Nós temos uma fama de ser um show meio caótico, não o show em si, mas o evento. Tipo, quem foi em um show do Forgotten entre 2001 até 2007, sei lá, não voltava inteiro para casa, sabe? Era um evento que vinha junto com uma maratona. Era você entrar na balada, e a gente meio que incentivava isso. Era tarde da noite, barulhento, você ia beber, usar drogas, talvez, se meter em alguma confusão… Tinha muito disso, e essa turma que tem a nossa idade hoje não vai fazer isso, as pessoas devem ter outras vontades…
Chuck: Mesmo assim, cara, agora a gente vai sair para a estrada, para tocar, depois de tanto tempo. Vamos divulgar um disco, e não fazemos absolutamente a menor ideia do que vai acontecer, quem são essas pessoas que vão lá ver o nosso show. É diferente do que fazíamos. Essa surpresa vai ser muito legal, estou super empolgado.
Esses dias eu estava sacando no Spotify, e vocês têm mais de 3 mil ouvintes mensais por lá. É um número significativo para uma banda alternativa nacional.
Chuck: É… o Forgotten marcou a vida de pessoas, isso é um êxito notável, e esperamos que essas pessoas, que tiveram suas vidas marcadas pela banda no passado, sejam novamente tocadas pelo que estamos fazendo ao vivo, não só no streaming. E, ao mesmo tempo, gostaríamos muito de conseguir alcançar novas pessoas. O que realmente me anima, na real, não é nem encontrar pessoas das antigas na pista, mas estar no palco fazendo som com os caras, para quem for.
Gustavo: Nós estamos muito afim de mostrar as músicas desse disco. Elas foram feitas com certo cuidado, é uma experiência nova mesmo. Estamos bem empolgados com tudo, a própria gravação. Fazia muito tempo que não tínhamos esse momento, de trazer um disco novo com tanta atenção e conhecimento do que se está produzindo. Então tem uma expectativa ao mesmo tempo em que estamos bem seguros de mostrar algo novo com essa vontade, esse tesão de apresentar um lance foda.
O “Click Clack” também vai sair em vinil, isso é uma coisa legal, existir essa demanda…
Chuck: Naquela época, do começo da banda, ter um disco de vinil era uma fantasia. Estávamos vivendo ali a aurora da revolução do MP3, do compartilhamento… lançar um vinil já no pós-CD era um negócio caro, complicado… Mas isso foi mudando e, quando vimos, o “Stand By The D.A.N.C.E.” (2005) acabou saindo em vinil, o “Gimme More” (2002) saiu agora em vinil também… e tem a ideia de relançar o primeiro disco em LP. Nunca imaginei que esse tipo de coisa fosse acontecer. Quando pensamos em gravar um novo álbum nem sabíamos como seria lançado, mas o LP pareceu o mais óbvio a ser feito. Daí o Mozine, lá da Läjä Records, que a gente conhece há muito tempo, fez a proposta. O disco vai sair pela Läjä em LP, em CD pela Läjä e a For Music, e no streaming pela For Music. Quando começamos a conversar com a For Music, para poder ver de lançar no digital, eles falaram de fazer em CD também. Na hora, pensei, “CD?!” [risos]
Lançar em CD acaba sendo mais arriscado do que o vinil?
Gustavo: O CD é o bagulho mais alternativo, mais underground hoje em dia [risos].
Chuck: Cara, tem gente que consome… eu tenho um filho de 15 anos que gosta de ouvir CD.
Chuck: E, ao mesmo tempo, o CD é o mais hi-fi que tem, porque as plataformas passam por algum tipo de processo de transmissão, o vinil, tem o lado de ser analógico, o charme e o calor e tal… Mas o CD é a fotografia, é exatamente o arquivo que nos foi entregue na master.
O vinil é foda porque você tem que ter um bom reprodutor. Se colocar para ouvir na vitrolinha Crosley, como fica?
Chuck: Mas esse vinil aí vai soar bem em qualquer reprodutor. Porque, em primeiro lugar, acho que as músicas são muito legais, e elas soam muito bem sendo tocadas com a pegada com que foram executadas, então tem uma coisa do som do disco, do timbre, tudo isso, que é super importante para nós e que tentamos preservar e potencializar o máximo possível no áudio final. Se você escutar no seu telefone celular, vai achar ele legal, vai passar a mensagem também, sabe?
Vocês escutaram a gravação em vários dispositivos antes de passarem para a frente?
Chuck: Eu escutei muito o disco até começarem a vir as masters, e aí uma hora parei. Depois chegou o LP, botei para tocar lá no estúdio onde eu trabalho, e falei: “Tá foda!”
Gustavo: Tudo faz a diferença, a execução dos músicos, a timbragem dos equipamentos, a captação dos microfones, a mixagem, a masterização, a gravação do arquivo no próprio vinil… são muitas coisas, mas a master é uma coisa que pode foder o disco. Então achamos um cara indicado pelo Steve Shelley, que já trabalhou com ele no Sonic Youth, e ficou ótimo. Teve só um detalhe que pedimos para ele ajeitar, e passou lindo. Mas é um cara que tem uma puta experiência, rola principalmente isso, ele é um baita profissional da master.
Chuck: O disco foi pensado de tal modo que a mix já tinha que estar muito boa, fazer jus à performance. Então é uma cadeia de coisas que você vai seguindo. O Carl Saff fez a masterização, em Chicago, de um jeito super caprichoso, imprimiu o negócio dele ali…
Gustavo: …mas sem interferência artística, foi mais técnica mesmo.
Chuck: Até demos liberdade de ele manipular, se achasse necessário. Porque ele é um cara experiente com rock, alternativo, sujeira, punk…
Gustavo: O forte nessa gravação, realmente foi essa coisa de ter sido todo mundo junto, na mesma sala, com as músicas resolvidas… quer dizer, algumas delas não, mas acho que isso deu uma característica foda.
Chuck: Para cada música teve mudança de microfonação, regulagem de ampli, troca de guitarra.
E essa grafia da capa? Ficou bacana, achei.
Gustavo: Foi o Tomas Spicolli que fez esse escrito.
Aquele mano que era do 7 Magníficos? Ele que fez aquela estampa do canivete também?
Chuck: É, e ele já tinha feito uma arte para a gente, naquele split com o Killerdolls.
Gustavo: Ele fez uma releitura agora do desenho do canivete, que também faz parte aí do nome do disco, que tem a ver com esse som, “Click, Clack”, esse barulho.
Chuck: Passamos as letras para ele, então toda a escrita do disco é à mão, praticamente. Ele faz de um jeito supernatural, tanto é que esse “Click Clack”, que acabou virando a capa, foi um negócio que ele fez ali quando estava começando a estudar as coisas, e foi bem espontâneo; mais uma brincadeira, que, em um primeiro momento achamos estranho, até que o Gustavo mostrou uma versão e achamos bem legal.
Daora. Para encerrar, gostaria de saber se rolou alguma parceria criativa dessa vez.
Chuck: “Voodoo”, a primeira música, tem o Pauleira, que era nosso tecladista. Uma música que compusemos com ele.
Gustavo: Acho que tem duas composições, “Voodoo” e “Sway”, que o Paulo tem uma colaboração. Ele ainda estava na banda quando estávamos fazendo elas. Mas fora isso não tem nenhum convidado “especial”.
Beleza. Bom, valeu, aí, pelo tempo de vocês.
Gustavo: Valeu, espero que a galera curta o disco novo.
Eu curti. Mas roqueiro é foda, vocês estão ligados, tem uns que gostam só de uma “fase tal” das bandas, e depois não acompanham mais.
Chuck: Então, que essa seja a nova “fase tal” [risos].
– Eduardo Ribeiro é editor-assistente na revista/site Problemas Brasileiros (Agência TUTU) e colabora com veículos como Elástica, Vista, UOL, BBC News, TMDQA!, Media Lab Estadão, piauí e Trip.