Entrevista: “Ser cubana para mim é elegância pura, e não posso me distanciar dessa essência”, diz La Dame Blanche

entrevista de Leonardo Vinhas

La Dame Blanche traz Cuba em sua música como plataforma para se comunicar com o mundo”. Essa frase resume a proposta que norteia a trajetória de Yaité Ramos, cantora, compositora e flautista que escolheu esse pseudônimo para representá-la em sua carreira musical. E é um resumo justo: sua música tem roupagens que passeiam mais superficialmente pelo pop, pelo r&b e pelo rap, mas esses gêneros são roupagens para embalar uma música mais rica e nada esquemática.

Seu último lançamento, “Atómica” (2023), é do ano passado, mas ainda a impulsiona em turnês pelo mundo – o que incluiu uma apresentação no festival Latinidades, que aconteceu em julho na capital paulista. A passagem pelo Brasil impressionou bastante a artista, a ponto de ela dizer que sua música seria “muito mais combativa” se ela vivesse por aqui.

Esse foi apenas um dos temas sobre os quais ela conversou com o Scream & Yell. Uma conversa risonha e franca, com as impressões fortes do Brasil ainda ecoando emocionalmente – não foram poucos os suspiros e pausas entre as respostas.

Falando de sua casa em Paris, onde vive há anos, Yaité/La Dame Blanche fez paralelos interessantes entre Brasil e Cuba, falou da importância de manter sempre o mesmo grupo de colaboradores, do que é “ser latina” e sobre como a música e as identidades coletivas são maiores que a exposição individual. Papo bom!

Pra começar, acho que é inevitável perguntar da sua vinda recente ao Brasil para o festival Latinidades, e como foi sua experiência por aqui tanto em nível pessoal quanto profissional.
Olha… Acho que essas duas coisas ficam juntinhas, porque foi uma experiência muito forte tanto no pessoal quanto no profissional. Esse lugar onde você está (São Paulo) me corresponde, me cobre em todos os sentidos: musical, pessoal, sentimental… Foi um período muito maravilhoso, e tomara que se repita logo!

Você vive em Paris, que, como São Paulo, é uma cidade muito cosmopolita. Conheço pouco a capital francesa, mas entendo que, apesar desse caráter em comum, ela tem outra vibração, é diferente daqui. Sua música tem muitos elementos urbanos, então como você acha que ela soaria se você vivesse por aqui?
Uau… Pffff, ai meu Deus, ia estar cheia de cores! Cheia de combates. Não digo que as minhas letras aqui em Paris não estão cheias disso, nem que não estão cheias da melancolia de que vive aqui e que também existe no seu país. Mas acho que se eu morasse aí, meu discurso seria um pouquinho mais letal. Acho que tomaria outro sentido. Aqui vivo com muita melancolia, escrevo com uma tristeza, uma saudade… No Brasil, acho que estaria combatendo o dia a dia. Certeza.

Bem provável, porque aqui temos uma música cheia de alegria, mas também uma música cheia de luta.
E isso me corresponde! As cores da música e um discurso poderoso – é isso que adoro fazer! Prefiro fazer uma melodia como a de vocês, que tem esse poder harmônico tão forte que permite com que eu siga no combate cotidiano.

E já que estamos falando de sua música: não encontrei nenhuma entrevista sua em espanhol ou em inglês na qual você falasse sobre seu processo criativo. E isso me intriga, porque sua música vem de um lugar muito erudito e, ao mesmo tempo, de um lugar muito popular, sem que essas duas estéticas se sobreponham. Ao contrário, elas se combinam de uma forma muito orgânica. A pergunta é: como você sai dessa coisa natural, muito humana, mas que também é super tecnológica.
(ri) Boa pergunta, muito boa! Você sabe, eu sou uma musicista clássica. Sou flautista clássica, venho de uma família de música tradicional cubana, de um som muito forte. Fui buscar algo que tivesse a ver comigo, e sempre falo aos produtores: “façam um beat que o molho eu coloco”. A partir daí, vou para onde eu quiser. E acho que essa fusão funciona muito bem, porque gosto de misturar estilos. Venho do Congo e de Carabali (nota: expressão cubana para dizer que todos têm alguma herança africana), venho de todas as partes e para todas as partes eu vou, porque todas me correspondem, Me entendo como negra, como latina, como mulher, e aprendi muito na escola e na vida. Isso vem me dando uma mochila cheia de influências, e seria uma pena se eu não a utilizasse. Minha flauta, minha crença, meu som, minha maneira de escrever – não tem como eu não utilizar isso!

Tivemos um grande escritor, Ariano Suassuna, que dizia que, se alguém quer falar com o mundo, tem que começar a falar do que lhe é regional, do seu entorno…
E que lhe deem glória a ele! Amém! É exatamente isso.

Me parece que isso se aplica à sua música, porque ela é muito cubana…
(sorrindo) Obrigada!)

…mas ao mesmo tempo, muito urbana, e não apenas no sentido das ruas de Cuba. Tem mais que Cuba nela – até porque você visitou muitos países, não?
Muuuuuitos! Me falta um pouquinho da Ásia, ainda não visitei o Japão, mas fui a muitíssimos países. Só que sempre nos palcos, né? Nunca fui de férias, nunca me sentei em uma praia pra tomar uma cerveja. No máximo, tomo uma depois do show. Foram muitíssimos países que visitei sem visitar realmente, mas recolhendo a essência de todas essas mulheres e desses homens, travestis… Eu gosto deste planeta! Essa é a minha missão, digamos assim, e teria sido um terreno muito fácil para mim se eu tivesse me limitado à música cubana, mas a minha família já comeu isso com farofa, o que mais eu teria a dizer? Por isso fui atrás do que é meu, e isso é fantástico, porque isso me deixa com tanta coisa pra fazer! Isso me deixa com tantos recursos musicais à minha disposição, e isso me preenche. Só o seu país já tem tanto a dar! Inclusive eu estava falando há pouco com minhas filhas: “nós temos que ir pra esse lugar”.

(risos) Bem, por mais difícil que seja, se vier de férias nos avise, porque vamos poder mostrar muito mais para você.
(risos) Cuidado que eu sou atrevida! Vou cobrar a sua palavra (risos).

Pode cobrar! (risos) Mas voltando à sua música: por mais influência cubana que exista na sua música, ou mesmo de outros países, não é uma música folclórica. O folclore está na sua essência, mas sua música é contemporânea, trata do agora. Então eu pergunto: qual é o “agora” de La Dame Blanche?
É verdade que temos que viver o presente quando escrevemos, mas não me esqueço do meu ontem. Trabalho meu hoje, e sobretudo meu amanhã, porque é preciso dar esperança ao mundo, você entende? Procuro a esperança onde ela não existe, papi. Essa esperança é parte da minha religião, a santeria – sou santeira, você sabe –, forma parte dessa que é minha palavra favorita, a esperança. É preciso dar um flow para que a gente não conte apenas com as batalhas que já vencemos, precisamos ir adiante. Por isso La Dame Blanche se situa no amanhã. Vou arrastando meus sentimentos para dar esperança ao amanhã.

Você diria que a esperança é um dos traços mais marcantes da latinidade?
Acho que sim. Porque, quando você tem esperança, tem junto muitos outros sentimentos, entre eles a liberdade. Enquanto há esperança, há vida (imita um trinado de ave e dança).

Ainda sobre a sua música: apesar de aparecer como uma artista solo, você conta sempre com a mesma equipe, não?
Isso tem a ver com fidelidade. Tenho uma equipe fiel. Babylotion é o meu produtor e trabalho sempre com ele. Trabalho com um manager que é um amigo, e somos os pés da mesma mesa. Às vezes, não é preciso procurar pelas coisas grandes, porque se você tem tudo em casa e tem fidelidade, isso tem muito peso. Mas também digo que, para colaborar com La Dame Blanche, tudo que você precisa fazer é me chamar. Hoje em dia, todos somos acessíveis a todos, e sua essência é sua essência, isso não vai mudar. O importante é estar com gente que sabe te traduzir. Quando estou com meus músicos, estou com a minha gente.

Falando nisso: eu trabalhei com cubanos quando vivi na Tríplice Fronteira, convivi com alguns também em São Paulo, e todos me diziam a mesma coisa: “em Cuba, eu não vivia bem, mas era feliz. No Brasil, vivo bem, mas não sou feliz”. Isso acontece contigo aí em Paris? Estar longe de Cuba, por mais difícil que esteja no país, é algo que sempre vai trazer esse sentimento de uma melancolia dolorosa?
Vivo a mesma coisa, e te digo mais: o que esses cubanos que passaram pelo seu caminho te disseram, essa cubana vai te dizer muito mais. Ser cubana para mim é elegância pura, e eu não posso me distanciar dessa essência. Não posso me distanciar desse país, não consigo me isolar dessa ilha, não consigo me desprender desse fato que é ser cubana. É minha vida, meu combate. A situação em Cuba hoje é mais difícil que nunca, Cuba está ficando vazia porque todos os cubanos estão emigrando por causa da situação. Isso é terrível, porque somos excelentes profissionais, somos pessoas maravilhosas, somos o máximo! (risos) E não posso me distanciar dessa essência, por isso essa melancolia é muito forte. (cantando) “Continuo sendo cubanaaaa”… Até a morte!

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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