entrevista de Alexandre Lopes
Desde sua formação em 2018, a banda canadense de rock alternativo Rare Americans tem se destacado pela sua linguagem visual e ao tentar redefinir o ethos do “faça você mesmo”. Fundado pelos irmãos James e Jared Priestner em Vancouver, o grupo transcende a ideia tradicional de banda ao se transformar em uma experiência multimídia: seus videoclipes (a maioria deles em animação) não apenas ilustram suas músicas, mas também apresentam narrativas complexas que complementam as histórias contadas nas letras das composições.
O líder James Priestner revela que a inspiração para essa abordagem veio de um vídeo do Run the Jewels, levando-os a formar uma parceria com a Solis Animation para criar os vídeos em animação. Mas o diferencial dos Rare Americans não se limita à apresentação visual. A banda gerencia todas as facetas de sua carreira de forma interna, desde a produção, animação até o marketing e turnês. Além de músico, James é o fundador da Limited Company, que também funciona como produtora e gestora do grupo. “Nós administramos tudo internamente e acreditamos que, para ter sucesso, é preciso entender e dominar todos os aspectos do negócio musical”, explica.
A banda construiu uma base de fãs com mais de 150 milhões de streams e passando a marca de 1 milhão de seguidores nas redes sociais. A inclusão do single “Brittle Bones Nicky” na trilha sonora do filme “Scooby-Doo” (2020) foi um marco significativo, ajudando a banda a ganhar reconhecimento global. Em 2023, os Rare Americans lançaram um projeto audacioso: “Searching For Strawberries: The Story Of Jongo Bongo”, um longa-metragem musical animado de 34 minutos, acompanhado por um álbum que oferece uma experiência de audição e visualização (assista no final da entrevista).
Com o recente lançamento do quarto álbum, “The Human Animal” (2024) e um single homônimo em 16 de agosto, os Rare Americans voltam com sua proposta de animações, desta vez explorando a dualidade da natureza humana. Em uma conversa via Zoom com o Scream & Yell no dia do lançamento do disco, James Priestner detalhou os conceitos por trás do novo trabalho, a experiência de ser uma banda independente e outras questões e histórias. Confira a entrevista completa abaixo.
Oi James, como você está?
Oi, estou ótimo! Como você está?
Eu também estou bem! Onde você está agora?
Estou em Vancouver, Canadá
Ah, você está em casa, certo?
Sim!
O Rare Americans está lançando um novo álbum hoje. Que tipo de surpresas você tem reservadas para os fãs nele e como foi gravá-lo?
Surpresas? Ah, sinto que temos mais alguns truques na manga que não quero divulgar ainda. Mas sinto que todo esse ciclo de lançamento foi uma surpresa, de certa forma. Fazer uma música toda semana e não saber o que estava por vir. Pensamos que seria uma maneira divertida de fazer isso para os fãs. E gravar esse disco aconteceu ao longo de quase um ano. Passamos muito tempo no estúdio, gravamos muitas músicas… Provavelmente 30, 40 músicas. E é por isso que há 25 músicas no álbum. É praticamente um álbum duplo. Nós simplesmente tínhamos muito em que pensar, eu acho. E continuamos escrevendo músicas e gravando-as e estou feliz que elas estejam no mundo agora.
Vocês são muito prolíficos! É como se você lançasse quase um álbum por ano. E agora 25 músicas. Como você faz isso?
Eu não sei, cara. Eu tenho ideias aparecendo todos os dias, eu acho. E continuo colocando um pé na frente do outro, olhando para o próximo projeto e tentando mantê-lo divertido. Tenho muita energia como pessoa, então estou tentando aproveitar ao máximo meu tempo e seguir em frente.
Então, por que o novo disco leva o nome de “Human Animal”? Qual é o conceito por trás do título?
Acho que é como uma exploração do que significa ser humano. Sinto que todos nós temos um amplo espectro de emoções e de coisas que consideramos desafiadoras no mundo, nossos estresses, nossos traumas, tentando encontrar nossa felicidade e nosso senso de propósito neste mundo. É um mundo muito competitivo em que vivemos agora. É uma sobrecarga de informação. Sinto que todos nós nos comparamos e todos queremos mais da vida. E isso pode apresentar desafios significativos à nossa própria psique. Então, para mim, isso é algo que me interessa muito. Tanto nos desafios que tenho na minha própria vida, enquanto tento ter uma felicidade positiva e saúde mental, como também observando outras pessoas ao meu redor e algumas das lutas que elas estão passando, tendo empatia por elas. Em grande parte, penso que como compositor, você observa o mundo ao seu redor e tenta escrever sua perspectiva sobre ele. Então essa foi a inspiração por trás disso.
Eu estava lendo entrevistas anteriores com você e percebi que quando você fala em empatia, você sempre tenta enfatizar o oprimido e esse tipo de personalidade nas músicas. Você se sente um azarão? Ou você escreve isso da perspectiva de outra pessoa?
Boa pergunta! Bem, eu acho que todo mundo… não todo mundo, mas dependendo de quem você é, você sabe se é um azarão. Por exemplo, eu cresci como atleta. Pratiquei esportes competitivos e você tem que provar seu valor em todos os níveis, sabe? É só você, sua habilidade e a quantidade de trabalho duro que você dedica a isso. Isso leva você ao próximo nível. E sinto que a música é a mesma coisa. É uma indústria incrivelmente competitiva. Além disso, não estamos fazendo música pop, estamos fazendo música alternativa. Então acho que estamos tentando encontrar nosso público e indo contra a indústria musical. Somos independentes, não temos uma grande gravadora por trás de nós nem nada do tipo, então acho que isso, principalmente no meio musical, faz da banda um azarão. E acho que tendo conhecido milhares de fãs da Rare Americans ao redor do mundo, acredito que eles se sentem como oprimidos em suas vidas. Há muitas crianças que não tiveram muita sorte na vida e estão tentando aproveitar ao máximo suas situações, estão tentando encontrar seu caminho no mundo. E acho que eles sentem que enfrentam circunstâncias desafiadoras, em qualquer lugar que vão. E acho que é por isso que eles conseguiram se inspirar em algumas de nossas letras ou em algumas de nossas músicas e encontraram um pouco de motivação e até coragem, sabe? Coragem para se defenderem ou para encontrarem a sua própria voz e falarem por si próprios e não deixarem que o mundo os engula. Eu acho que essa tem sido uma relação importante que eles tiveram com a nossa música.
Você disse que não tem uma grande gravadora por trás, mas vocês já tiveram um contrato com um selo antes de lançar material, depois voltaram atrás para serem independentes. Como aconteceu isso?
Bem, tivemos alguns vídeos que viralizaram em 2019 e depois fomos abordados por algumas grandes gravadoras. E eu acho que nesse ponto, quando uma grande gravadora quer contratar você, você fica tipo ‘uau, conseguimos!’, sabe? ‘Vamos ser a próxima banda grande do mundo’. Então iniciamos esse negócio de braços abertos, muito entusiasmados. Mas rapidamente percebemos que agora tínhamos um chefe. Alguém que decidia por você qual era o seu caminho, quanto ou quão pouco dinheiro querem gastar no seu projeto, ou quantos e quão poucos recursos e quanta música querem que você lance. E rapidamente ficou claro para nós que as grandes gravadoras estão na indústria de hits. Eles precisam fazer hits e é assim que pagam por todos os outros artistas. E nós só gostamos de escrever músicas… Como você disse, somos prolíficos, fazemos um álbum todo ano. E simplesmente não queríamos estar em uma posição em que não pudéssemos fazer isso. Acho que nosso amor pelo que fazemos vem de escrever muitas músicas e rapidamente ficou claro para nós que não seríamos capazes de fazer isso sob o sistema de uma grande gravadora. Certamente não, a menos que tivéssemos alguns hits ou algo assim e então você poderia ter algum poder de decisão. Mas quando você é um novo artista emergente, eles têm todas as cartas, e nós simplesmente não gostamos mais disso. Então, devolvemos-lhes o dinheiro e pedimos para voltar a ser independentes, e temos sido assim desde então.
Não posso deixar de comparar o que você falou com bandas como o Fugazi ou o Black Flag por causa dessa forma independente de fazer as coisas. Eles são algum tipo de inspiração para você?
Eu diria que não, não excessivamente. Não conheço bem o Black Flag, só um pouco. Acho que quando penso em ‘inspiração’, penso ‘eles foram influências musicais para mim?’. Na verdade, não. Acho que gosto do tipo de espírito punk rock de pensar por si mesmo, pensar de forma independente, questionar a autoridade. Tipo, não aceite apenas o que seu professor ou um político diz para você, sabe? Tente formar suas próprias opiniões sobre o mundo. Eu acho que isso estava muito no espírito e na mentalidade do punk rock e meus irmãos mais velhos eram punk rockers obstinados. Eles eram grandes fãs de Bad Religion, Pennywise e NOFX. Nunca estive realmente na cultura punk rock, e esse cenário musical já meio que tinha mudado quando eu apareci e comecei a me interessar. Mas certamente herdei essa identidade dos meus irmãos. Então eu acho que talvez isso tenha inspirado nossa veia independente.
Uma das coisas que mais se destaca nas composições da banda é a narrativa que combina perfeitamente com os vídeos e as animações. Quando você está compondo, você já pensou algo como “isso vai dar um videoclipe legal”?
Sim, começamos a pensar muito mais nisso com o passar do tempo. Porque ficou bem claro que a narrativa era um grande elemento do que fazemos como banda. Então sim, muitas vezes quando começo a escrever uma música no violão ou letra, estou pensando um pouco na narrativa e no vídeo na minha cabeça. Nem sempre é assim, às vezes algumas músicas são muito mais narrativas do que outras. Outras músicas são mais como um fluxo de consciência. É quase como um diário, onde o vídeo não fica tão óbvio. Então, eu diria que às vezes funciona com muita facilidade e outras vezes nem um pouco.
Eu estava olhando a capa do álbum e achei que me lembrou um pouco da capa de “Dookie” do Green Day e aqueles desenhos do “Onde Está Wally?”. Isso foi uma influência ou é apenas acidental?
Não, eu diria que ambos. Acho que é uma influência de certa forma. Sempre gostamos do artista com quem trabalhamos nos últimos cinco anos e ele adora desenhar nesse estilo, onde há muita informação, muitos pequenos personagens. Então naturalmente também gosto disso. É uma espécie de caos. E para este álbum em particular pensamos que o ‘animal humano’ era muito caótico. Principalmente no período em que estamos, onde há sobrecarga de informações o tempo todo, me pareceu apropriado você nem saber direito para o que ficar olhando, sabe? Tem uma coisa acontecendo aqui, outra coisa está acontecendo nesse canto, temos problemas nesse canto e algo diferente… É como se tudo estivesse acontecendo em todo lugar, o tempo todo, tudo de uma vez, e você não consegue mais acompanhar. Então sentimos que isso era uma boa representação de onde estamos no mundo agora.
Você é quase como seu próprio escritor, gerente, especialista em mídia social e tudo mais. Como você se desconecta de tudo isso? Você precisa de algum tempo para descomprimir? Como você lida com isso?
Sim, isso é um desafio com certeza. Acho que sou alguém que está programado para pensar constantemente, então tomei algumas decisões deliberadas ao longo dos últimos anos para dar uma sumida. Gosto muito da natureza, na Costa Rica, por exemplo. Estive lá nos últimos anos e simplesmente relaxei totalmente, fiz uma caminhada na selva, pratiquei mergulho e coisas assim. Coisas que você tem que estar incrivelmente presente naquilo que está fazendo. Tipo, se você quiser passear na selva, tem que estar presente. Você está olhando para todas as coisas possíveis e isso não permite que você pense ou fique obcecado com sua carreira ou qual música será a próxima ou que movimento você fará a seguir na vida, sabe? Parar de pensar no que deu certo, no que não deu certo… Basta estar totalmente presente no que você está fazendo naquele momento. E acho que essas pequenas fugas são muito necessárias para mim.
Você disse que gosta de caminhadas, natureza e outras coisas assim. Você já esteve no Brasil ou na América do Sul?
Infelizmente, não. O que é engraçado: já estive em 50 países no mundo. Já estive em todo o mundo, mas a América do Sul é uma região onde ainda não estive. E devo mudar isso com certeza. Aqui em Vancouver há uma população considerável de brasileiros, principalmente na indústria cinematográfica. Ao fazer muitos vídeos nessa área, tive o prazer de trabalhar com muitos brasileiros ao longo dos anos. E eles são pessoas tão incríveis que têm uma verdadeira exuberância pela vida. Só posso imaginar que o Brasil seria um país absolutamente favorito para se visitar, provavelmente. Então espero que nossa base de fãs continue a crescer por aí para que possamos fazer uma turnê e talvez eu possa tirar umas férias depois.
No período pós-pandemia apareceram matérias e postagens mostrando que bandas que fazem turnês estão com dificuldades de seguir marcando shows nos seus países e no estrangeiro. Como isso está rolando para a Rare Americans?
Acho que tem sido uma luta para músicos de todos os lugares, em todos os aspectos da indústria, e eu diria que até mesmo para artistas e criadores de conteúdo em geral. A menos que você esteja incluso no 0,00001% das ‘Taylor Swifts’ e das ‘Billie Eilishes’, eu diria que o resto dos artistas está tendo muito mais dificuldade em alcançar seu próprio público. Desde a invenção do Tik Tok, não se trata mais de artistas… é como se você não fosse exatamente fã de um criador independente e voltasse à página dele o tempo todo. Parece que você é mais fã do aplicativo e da página principal, então as pessoas simplesmente rolam a tela e dizem “ah, você viu aquele vídeo? Achei tão legal. Mas quem fez o vídeo? Não tenho ideia… “. Portanto, essa é uma grande mudança que aconteceu nos últimos cinco anos. E acho que os músicos estão sentindo a repercussão disso. É muito mais difícil alcançar seu próprio público, o que significa que é mais difícil ganhar dinheiro, e quando você começa a anunciar uma turnê, é mais difícil transmitir essa mensagem ao seu público. É mais difícil vender ingressos, é mais caro fazer turnês… então todas essas coisas estão se acumulando. Acho que talvez nunca tenha sido tão difícil para um artista ganhar a vida com o que faz. Mas, por outro lado, qualquer um pode ser um criador agora e construir um público, sendo que no passado você teria que passar por uma gravadora e conseguir dinheiro através do sistema de gravadoras. Poucas pessoas experimentam isso agora. Se você tem um iPhone, você pode ser um artista e criar uma base de fãs, mas é difícil alcançar as pessoas. Então fica aquela coisa: ‘o que é bom? ‘o que é ruim?’. Eu não sei.
Você tem que encontrar algum equilíbrio nisso, certo?
Sim, exatamente. É sem dúvida muito desafiador. Mas estamos tentando o nosso melhor para navegar no meio disso.
Eu vi alguns vídeos antigos quando vocês eram um quarteto e agora vocês estão tocando ao vivo como um trio. Como está sendo isso?
Sinceramente, acho que está tudo indo bem. Éramos um quarteto e tivemos uma situação bem infeliz. Nosso quarto membro teve um grande problema de saúde na família, então estávamos no meio de uma turnê e ele teve que sair. Então não foi por escolha, na verdade tivemos que nos tornar um trio no meio da turnê. Então acho que percebemos naquele período que isso funcionava e não afetou muito os shows. Então, a partir daí, decidimos: “vale a pena a despesa extra para tentar encontrar outra pessoa agora ou podemos seguir sem esse custo extra?” E desde então nós meio que arrasamos como um trio e eu diria que funciona perfeitamente. Não acho que isso tenha um impacto extremamente negativo ao vivo. Acho que é melhor e mais divertido quando você pode tocar com quatro ou cinco pessoas, tem mais algumas opções do que você pode fazer quando está tocando ao vivo, mas é um equilíbrio, né? Porque cada pessoa adicional que você traz na estrada, você tem que pagar essa pessoa, tem que alimentá-la, colocá-la em um quarto de hotel, você tem que pagar pelas passagens de avião e de trem… E você sabe, esses custos aumentam muito rapidamente.
Eu posso imaginar. Então James, obrigado pela entrevista, foi um prazer conversar com você e espero vê-lo em breve aqui na América do Sul. Ouviremos o novo álbum com atenção!
Muito obrigado, nós realmente apreciamos todo o seu apoio. E sim, esperamos que nossos fãs no Brasil continuem a espalhar a palavra e esperamos estar por aí no próximo ano!
– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br.