Três shows: Olivia Byington e A Barca do Sol, Peter Hook & The Light, Exclusive Os Cabides

texto, fotos e vídeos por Bruno Capelas
fotos de Peter Hook & The Light por Fernando Yokota

Olivia Byington e a Barca do Sol no Sesc Belenzinho (23/8)

Bisneta da filantropa Pérola Byington, neta do fundador da gravadora Continental e mãe de Gregório Duvivier, a cantora Olivia Byington lançou em 1978 um disco que até hoje é um segredo bem guardado da música brasileira: “Corra o Risco”, um registro não só daqueles tempos estranhos de uma ditadura militar paquidérmica, mas também de uma época em que a MPB e o rock progressivo flertavam escondidos dos olhos da censura federal. Gravado ao lado do grupo A Barca do Sol, que contava com nomes como Jaques Morelenbaum (cello) e Marcelo Costa (não o editor deste site, mas o baterista que hoje acompanha nomes como Maria Bethânia e Gilberto Gil), o álbum saiu pela gravadora da família de Olívia, que ocultou o sobrenome no lançamento para evitar acusações de nepotismo. Quase cinco décadas depois e após anos afastada dos palcos, a cantora reviveu o trabalho em três noites de agosto no teatro do Sesc Belenzinho. Assistida na plateia pelo marido Daniel Filho e nomes como Zélia Duncan e o DJ Zé Pedro, Olivia passou longe de precisar da condescendência típica de tantos retornos. Em São Paulo, ela não só trouxe uma voz afinada e impecável, como também soube muito bem dosar com muita graça a interpretação dos momentos mais fortes (“Fantasma da Ópera”, a intensa “Luz do Tango”, a faixa-título) aos mais sensíveis, como as baladas “Jardim de Infância” e “Cavalo Marinho” – esta última, composição de Nando Carneiro e Cacaso que, ao longo dos anos, virou parte do folclore nacional. “Sempre vejo uns marmanjos barbudos dizendo que eram ninados ao som dessa música”, brincou Olivia, com muito bom-humor. A graça também fez parte do clima de reencontro d’A Barca do Sol, com Jaques, Marcelo e seus companheiros tão à vontade que pareciam estar jogando uma pelada, mas só com dribles da vaca e passes de primeira. Uma noite de altíssimo nível, que, em meio a uma onda revivalista dos festivais brasileiros, poderia abrilhantar qualquer cartaz de curadoria digna. Mais que isso, em tempos tão estranhos de fumaça no ar, um show que mostra que talvez 1978 infelizmente não esteja tão longe assim.


Peter Hook and The Light na Audio Club (27/8)

Uma missa pra quem crê no pós-punk: esse foi o espetáculo que Peter Hook, eterno baixista do Joy Division e do New Order, ofereceu a cerca de 3 mil pessoas que abarrotaram a Audio em uma gélida noite de terça-feira em São Paulo. Jaquetas de couro, indefectíveis camisetas do álbum “Unknown Pleasures” (1979) e não poucos cabelos grisalhos enfrentaram de pé duas horas e cinquenta (2h50!!!) de show, em verdadeiro teste de resistência para muitas lombares e joelhos cansados. Mas a tour-de-force compensou logo nos primeiros instantes, quando Hook enveredou pelo repertório do New Order, passando por pedradas como “Temptation”, “Blue Monday” e “Dreams Never End”. Foram 17 canções da banda erguida sob a lápide de Ian Curtis, em um set em que Hook mais cantou do que tocou baixo — mas quando tocava, ah, que diferença! A sequência não podia chegar ao fim sem outro hit cantado a plenos pulmões: “Bizarre Love Triangle”. Depois de um intervalo de cerca de dez minutos, mas que pareceu durar mais dada a noite avançada (e os últimos ônibus e metrôs passando lá fora, num descaso da produção em pleno dia de semana), Hook voltou ao palco com a The Light para relembrar o Joy Division, em um set que começou mais climático do que empolgante. No entanto, de “Warsaw” pra frente as coisas funcionaram demais, em uma comoção especial com hinos como “Atmosphere”, “Transmission” e “She Lost Control”. O final não poderia ser outro que o clássico supremo “Love Will Tear Us Apart”, cujo refrão foi exaltado tal qual gol em final de campeonato, sublimando o frio lá fora com um calor que só as grandes canções podem proporcionar. Amém, irmãos, amém.


Exclusive Os Cabides no Cineclube Cortina (30/08)

Dona de um dos discos mais bacanas do segundo semestre de 2024, a banda catarinense Exclusive Os Cabides veio a São Paulo lançar “Coisas Estranhas” no palco do Cineclube Cortina, em noite temática do Inferninho Trabalho Sujo – festa organizada pelo jornalista Alexandre Matias que nasceu no Picles, mas começa a se tornar itinerante pela capital paulista. Os trabalhos foram abertos pelos paulistanos d’Os Fonsecas, que mostraram as canções de “Estranho Pra Vizinha”, em um show que mostra uma banda claudicante, ainda acertando as arestas para avançar em uma sonoridade que remete à vanguarda paulistana turbinada por guitarras ruidosas. Já o quinteto catarinense mostrou ao que veio sem pestanejar, apresentando não só as bem-humoradas canções do álbum recém-lançado, como também números da estreia “Roubaram Tudo”, de 2020. Os dois trabalhos mesclam psicodelia e vertentes do rock alternativo como Pavement e Yo La Tengo com letras irreverentes – quase como se Carlinhos Carneiro e Frank Jorge tivessem mergulhado num caldeirão cheio daquelas substâncias que faziam a cabeça de Lou Reed e John Cale. Mas além do bom humor, presente em canções deliciosamente estrambóticas como “Mr. Lanches”, “Verão e Brechó”, “Lucy” ou “Lagartixa Tropical”, o grupo ainda mostra um trabalho esmerado nos arranjos, com destaque para a guitarra esperta nos solos de Eduardo Possa, o baixo sacolejante de Maitê Oliveira e os bons jogos vocais entre João Paulo Pretto e Antônio dos Anjos – este último, dono ainda de penteado & bigode tão peculiares que prometem virar ícone na cena alternativa. Aliás, por falar em ícone, foi difícil não se apaixonar pela execução ao vivo de “Luminária de Lava”, hit indie instantâneo que foi muito cantado & gritado em São Paulo. Ouça também e prepare seu coração, porque esses cabides ainda vão segurar muito pano pra manga.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
– O crédito da foto de Olivia Byington no mosaíco de abertura é Sesc Belenzinho

One thought on “Três shows: Olivia Byington e A Barca do Sol, Peter Hook & The Light, Exclusive Os Cabides

  1. Sempre acho estranho corra o risco nunca ser lembrado no mínimo com um dos maiores discos do rock brasileiro

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