Mateus Fazeno Rock ao vivo na Casa Natura Musical, em São Paulo (18/07)
texto por Eduardo Martinez / fotos de Rafael Botas
Quando Mateus Fazeno Rock surgiu em cena na Casa Natura, dava pra notar facilmente o nervosismo no ar. O que só aumentou quando a primeira música, “Vontade Nego”, foi interrompida por conta de um problema técnico no equipamento do DJ Viúva Negra. Enquanto tentavam resolver, Mateus improvisou, declamou um texto, mas não foi suficiente, acabou pedindo um tempo até que pudesse retornar com tudo acertado. Cortinas fechadas novamente e, 5 minutos depois, recomeça o show com “Melô do Djavan”. O cantor cearense seguia apreensivo, embora o público se mostrasse bastante acolhedor. O primeiro da lista de peso de convidados foi o conterrâneo Fernando Catatau. Ele e sua guitarra única fizeram a formação da banda nesse bloco com Mateus no violão e vocal e Mumutante nos backings em “Do Harlém à Cajazeiras”, “Pôr do Sol Marrom” e “A Radiação da Terra”, essa última pinçada do repertório da Cidadão Instigado. É improvável que o jovem cantor fortalezense não tenha crescido ouvindo Catatau e sua banda. Mateus olhava pro guitarrista ainda com aquela apreensão do início, mas também com reverência e satisfação. Foi ali, inclusive, que a tensão no palco foi se dissipando. Após o momento mais intimista, ainda com Catatau ao lado (aliás, essa dobradinha Mateus/Catatau, violão/guitarra pode render por aí, hein!?) veio Jup do Bairro e a apoteótica “Jesus Não Voltará”. Daí pra frente o show ganhou em fluência. Mumutante apareceu com “Formatei-me”, de sua carreira solo, num momento um pouco mais morno da noite, e Brisa Flow deu as caras com “Indigno Love” e a sua “Dias e Noites de Amor e Guerra”. Última participação e um dos pontos altos do show, Don L marcou presença com a grande “Vila Rica” e “Primavera”. Em meio a todas essas entradas e saídas de convidados cabe destacar “Nome de Anjo”, só com Mateus e DJ Viúva Negra, uma das grandes músicas do ano passado e uma falta sentida no setlist do cantor no Primavera Sound SP 2023. A trinca de fechamento foi matadora: “Madrugada”, “Pose de Malandro/Me Querem Morto” e “Melô de Aparecida”. No bis ainda vieram “Bem Lentinha/Slowmotion” e a explosiva “Legal Legal”. No agradecimento final ao público, o DJ soltou “Da Noite”, faixa de encerramento do último disco, enquanto a Família Fazeno Rock agradecia abraçada. É fato que as músicas dos dois álbuns de Mateus, “Rolê Nas Ruínas” (2020) e “Jesus Não Voltará” (2023), crescem muito ao vivo, e aí esteja talvez resida um desafio para os próximos trabalhos: transportar essa energia para o estúdio. Ainda assim impressiona como Mateus trafega com personalidade entre vários estilos e discursos conhecendo muito bem cada uma dessas linguagens. Às vezes é rock, às vezes é rap, às vezes é contestatório, às vezes é festeiro, é funk, é punk, é reggae, às vezes é tudo isso junto e às vezes não é exatamente uma coisa nem outra. Estilos e narrativas se convergirem nem é exatamente uma novidade, mas fazer isso destacando uma identidade presente e ainda com um discurso relevante é louvável.
Pelos ao vivo no Centro Cultural Afrika, em São Paulo (27/7)
texto e vídeos por Bruno Capelas / fotos de Daisy Serena
Dona de um dos discos mais interessantes de 2022, a banda mineira Pelos veio finalmente a São Paulo mostrar as canções do álbum “Atlântico Corpo”, que parte de uma perspectiva preta e periférica para, à sua maneira, propor uma leitura relevante daquilo que se chama rock neste século XXI. Capitaneada pelo talentoso vocalista Robert Frank, o grupo com um quarto de século de história subiu ao palco do Centro Cultural Afrika na noite do último dia 26 de julho, depois do free jazz da Rádio Diáspora e das poesias de Daisy Serena – a artista também fez uma participação na abertura do show da Pelos, lendo um poema inspirado nas mães de Gaza, do Sudão e da periferia antes da banda mineira atacar com “Orum”. Ao longo de pouco mais de uma hora, a Pelos fez uma apresentação calorosa, a despeito do frio que fazia em São Paulo. Em disco, a banda é capaz de criar camadas e climas, que ao vivo se expandem e se aquecem – seja pelo bem tramado jogo de guitarras entre Heberte Almeida e Kim Gomes, que passeiam do blues-rock ao noise, seja pela força da cozinha de Thiago Pereira (baixo) e Pablo Campos (bateria). Mais do que apenas o som, é também notória a presença de palco do grupo, que não se furta em mostrar que se diverte enquanto toca, algo raro em tempos tão blasé. Foi algo que ficou claro ao longo de toda a noite, mas especialmente em momentos como a radioheadiana “Tema #3” – raro momento em que a banda desviou do repertório do disco de 2022 – ou na envolvente jam ao final de “Festa do Corpo Banto”. “A gente poderia tocar esse pedaço por mais 10 ou 15 minutos”, brincou o vocalista Robert Frank, cuja performance empolgada foi destaque em faixas como “Lágrimas Brancas”, “Sentimento Oceânico” ou a delicada “Dela em Mim”. Ao final, Frank pulou e chutou o ar ao som do enérgico rock “Da Serra ao Bonfim”, em que a discussão periférica se encontra com a boemia belorizontina, em rolê abençoado pela histórica travesti Cintura Fina. Foi o clímax de um show muito interessante, que mostra uma das coisas mais bacanas da noite paulistana na atualidade: por trás de qualquer portinha escondida, pode existir uma grande apresentação.
Juçara Marçal ao vivo no Sesc Carmo, em São Paulo (29/7)
texto por Marcelo Costa / fotos por Pedro Jazz
Para quem não conhece os espaços do Sesc em São Paulo, uma particularidade relativa à música: muitas das unidades não tem um local criado unicamente para shows, adaptando (e/ou dividindo a funcionalidade d) o refeitório para apresentações ao vivo. Funciona muito bem em alguns lugares enquanto, em outros, há leve perda da mística do espetáculo. Acontece. No entanto, quem acha que um espaço como esse possa influir no sucesso ou não de uma apresentação, basta lembrar que um dos melhores discos ao vivo de todos os tempos foi gravado pelo The Who no refeitório dos estudantes da Universidade de Leeds, em 1970. Essa introdução, com jeitão de nariz de cera, busca corroborar que shows maravilhosos podem acontecer em qualquer lugar, e ainda que Juçara Marçal, Kiko Dinucci, Marcelo Cabral e Alana Ananias pudessem ocupar os corredores do MASP, da Pinacoteca de São Paulo ou, em tempos de Jogos Olímpicos de Paris, do Museu do Louvre com a evolução matadora do show “Delta Estácio Blues”, não deixa de ser inebriante viver a experiência de vê-los ao vivo em plena segunda-feira num pequeno refeitório de uma unidade central do Sesc, vizinha à Praça da Sé, com ingressos populares (inteira a R$ 50, meia R$ 25 e 15 R$ para associados) e público tão próximo que parecia que todos estávamos dentro de um pequeno apartamento, local, inclusive, que foi o berço de um álbum gestado e lançado na pandemia por dois músicos que, em tempos de isolamento, viviam no mesmo prédio (Juçara e Kiko). Três anos depois, “Delta Estácio Blues” ao vivo soa anos-luz à frente da já clássica versão de estúdio do álbum, um tanto pelo entrosamento do quarteto, que nitidamente se diverte no palco (impagável ver Kiko provocando Alana segundos antes de seu momento avassalador na bateria de “La Femme à Barbe”), mas principalmente porque a execução ficou mais punk, mais suja, mais esquizofrênica, mais batuque pesado de terreiro, deixando sangrando até números mais melódicos, como a maravilhosa “Lembranças Que Eu Guardei”, de Fernando Catatau, ou mesmo o samba “Antônico”, música de Ismael Silva gravada por Gal Costa em “Fa-Tal” (1971) e, aqui, entoada por Juçara com Kiko tocando uma guitarra esbravejante com arco de violino. Vale ressaltar ainda o acréscimo de faixas do “EPDEB” (2022), como “Um Choro” (de Jadsa) e “Odumbiodé” (de Rodrigo Campos), perfeitamente sincronizadas no clima atual do álbum “Delta Estácio Blues” ao vivo (ou seja, muito mais pesadas e repletas de camadas) como, também, o bis que trouxe uma execução impecável de “O Velho Amarelo”, do álbum “Encarnado”, que completa 10 anos em 2024, encerrando uma noite em que banda e público eram uma coisa só: amigos numa pequena sala ouvindo boa música em alto volume. Recomendo a experiência.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Eduardo Martinez (@eduardoapm) é jornalista e baixista da banda Tropicadelia
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.