Música: Em “No Name”, Jack White volta ao rock básico de garagem num dos melhores discos do ano

texto de Diego Queijo

Primeiramente, sugiro clicar aqui e acessar este link no drive para baixar o mais novo álbum da carreira solo de Jack White. Não, não precisa se culpar. A própria gravadora do músico, Third Man Records, incentivou que quem conseguisse uma cópia em vinil do álbum disponibilizado de graça na sexta-feira (19) nas lojas físicas da empresa em Nashville, Detroit e Londres, poderia digitalizar e compartilhar as músicas. O link em questão foi disponibilizado na página do Reddit com o disco em formatos FLAC, Wav e o famigerado MP3.

Em segundo lugar, a última informação é de que algumas lojas de discos dos Estados Unidos estão prevendo uma versão standard do álbum para sexta-feira, dia 2 de agosto. Mas uma versão completa já foi comercializada na noite do último sábado, 27 de julho em Nashville.

Agora, vamos ao contexto. Jack White é um prolet(milion)ário da música. Não apenas pela quantidade de projetos ligados a ele, como uma gravadora, uma fábrica de vinis, uma editora de livros, projetos de recuperação de catálogos, séries e filmes musicais, uma estofaria (!), festivais e casas de shows, mas sim pela própria produção autoral que passa por agrupações musicais que vão muito além da sua carreira solo, como os White Stripes, Dead Weather, Raconteurs e uma série de colaborações com gente como Beck, Danger Mouse e Beyoncé.

Sua carreira solo contemplava até o último dia 19, cinco álbuns cheios: “Blunderbuss” (2012), “Lazaretto” (2014), “Boarding House Reach” (2018), “Fear of The Dawn” (2022) e “Entering Heaven Alive” (2022), e todos eles contaram com uma campanha robusta de marketing na chegada ao mercado com ações como show de lançamento com transmissão ao vivo dirigida por Gary Oldman, alguns videoclipes milionários, formatos inovadores em vinil, teasers e anúncios na Times Square. Também contaram com extensas turnês, ainda que apenas duas tenham contemplado o Brasil nesses 12 anos, a Lazaretto Tour (São Paulo e Porto Alegre) e a dos dois álbuns pós-pandemia, de 2022, chamada de Supply Chain Issues Tour, com apenas um show (“absolutamente sensacional”, segundo resenha neste mesmo Scream & Yell) no Popload Festival, em São Paulo.

Mas para o mais novo lançamento, intitulado “No Name”, a ideia diferentona foi distribuir gratuitamente e sem grandes explicações aos clientes que adquiriram algum item (qualquer, inclusive chaveiros) de alguma das três lojas físicas da gravadora na sexta-feira (19).

Vinil oficial de “No Name”, de Jack White / Foto de Jonathan

Mas vamos ao álbum em si: em “No Name”, Jack White retorna ao sólido rock de garagem que impulsionou seu White Stripes lá em 2002, quando nadava na raia ao lado dos Strokes. Sim, a comparação com essa etapa da carreira parece ambiciosa, mas são canções criadas com riffs e três ou quatro acordes. A formação vai além de guitarra e bateria, com baixo e uns sintetizadores aqui e ali. Mas o álbum mostra Jack White definitivamente na sua zona de conforto, e ele brilha. O álbum é um reflexo das influências elétricas primárias de Jack White, com muitos pedais de Fuzz, Whammy e Hammond, e passa longe dos violões e pianos acústicos do primeiro álbum e dos experimentalismos desconcertantes de “Boarding House Reach”. Ainda bem. Em alguns momentos, “No Name” pode até parecer monótono ou familiar, mas há alguns destaques na massa sonora de blues rock do disco sem nome – ainda que seja o conjunto da obra que o difere dos álbuns anteriores de sua carreira solo.

Ao longo de cinco discos, White tentava sair dessa zona de conforto, com arranjos diferentes do básico habitual do White Stripes, produção gonza e bandas com muitos músicos. Tanto que na época da Blunderbuss Tour levou duas bandas completamente diferentes para a estrada, uma formada só por mulheres (The Peacocks) e outra só por homens (The Buzzards), totalizando 11 pessoas. Ainda que a última turnê até então, a The Suplly Chain Issues tenha apenas três elementos, como a atual, os dois últimos álbuns foram gravados com vários colaboradores, quando não apenas ele tocando vários instrumentos.

Corta para 2024: o álbum físico de 12 polegadas lançado dia 19 em vinil branco trouxe apenas as palavras “No Name” estampadas em azul no selo do lado A. Não havia, até sábado (27), créditos nem nomes para as faixas. Mas agora há. Jack White e sua banda iniciaram a turnê na noite de 27 de julho em Nashville. Um show gratuito que contou com a estreia ao vivo de seis canções do novo álbum. Ao fim do espetáculo, algumas cópias do álbum na versão completa, com capa e encarte foram vendidas.

Vinil oficial de “No Name”, de Jack White / Foto de Jonathan

A maior parte do disco conta com Patrick Keeler (Raconteurs, Afghan Whigs, Greenhorns) nas baquetas, que está na banda que o acompanha na turnê também. Há ainda a participação do baterista gigante Daru Jones em “Morning at Midnight (faixa 11) e “What’s the Rumpus?” (faixa 7). A baterista Carla Azar (Autolux) está em “Archbishop Harold Homes” (faixa 5). O baixista da turnê, Dominic Davis, está em praticamente todo o disco. Dominic, aliás, é o principal baixista da carreira solo de White desde o início. Além de bom músico, é um amigo de pré-adolescência de White da época da escola em Detroit. As teclas, que já foram comandadas pelo finado Ikey Owens (Mars Volta), Neal Evans ou Quincy McCrary, agora estão sob tutela de Bobby Emmett, também de Detroit, na turnê, mas que não está no disco.

Ao longo das 13 faixas de “No Name”, White retorna à essência de sua arte. É um disco de rock, e estão todas as referências lá: Led Zeppelin filtrado por lentes punk, Elmore James, Jimi Hendrix, Captain Beefheart e até um AC/DC moderninho. Soa mais como o White Stripes do que qualquer coisa que White tenha feito desde o fim da banda com riffs, slide e lembranças em alguns momentos das batidas poéticas (para não dizer outra coisa) de Meg White. Enxuto e afiado.

A primeira faixa, “Old Scratch Blues” começa pesada remetendo a Hendrix e se transforma em algo que lembra, talvez, Rage Against The Machine. O álbum é cheio de referências mesmo. A segunda, “Bless Yourself”, tem uma levada que pode remeter aos Stooges com um vocal raivoso ritmado e fanfarrão. Mas é na terceira faixa, “That’s How I’m Feeling”, que está a canção mais pop até aqui. Começa contida com uma linha de baixo oitentista e uma bateria econômica explodindo em um refrão de poucas notas no melhor estilo White Stripes em uma das melhores dinâmicas de White nos últimos 15 ou 20 anos.

Conforme o álbum avança, White mergulha em Willie Dixon e — principalmente — Jimmy Page (faixas 4 “It’s Rough On Rats (If You’re Asking)”, 8 “Tonight (Was a Long Time Ago)” e 9 “Underground”). São todos lugares familiares para ele, mantendo as músicas concisas e pesadas. A faixa 5, “Archbishop Harold Homes”, lembra Captain Beefheart, talvez uma prima de “What’s the Trick?” de “Fear of the Dawn”, mas com uma letra melhor. A música conta com a filha de Jack White, Scarlett White no baixo. Ela participa de outras canções também.

A faixa 6, “Bombing Out”, é um hard rock garageiro e pesado. Já a faixa 7, “What’s the Rumpus?” é outra das melhores do álbum, gravada com a banda do álbum anterior e com uma melodia extremamente pop, belos riffs e um vocalize que ao vivo deve funcionar muito bem. “It doesn’t matter who, it only matters what you know”. A faixa 10, “Number One With a Bullet”, começa com um riff complexo e foi gravada tendo apenas dois músicos (!): Jack White e Patrick Keeler. Um punk rápido e inofensivo ao mesmo tempo. A 11, “Morning at Midnight”, começa com uma virada de bateria e se transforma em um AC/DC com uso de sintetizadores e boas dinâmicas gravada com o apoio da banda da turnê anterior novamente.

O riff da faixa 12, “Missionary”, lembra The Who com uma letra passional e boas sacadas. “Kiss me when I’m falling”. Aliás, as letras todas têm referências sobre anjos e demônios, céu e inferno e sobre ser espancado pelo amor até chegar ao fundo do poço. A faixa final, “Terminal Archenemy Endling”, abre com o som de crianças e cachorros, então vem um Black Sabbath soturno, monótono, apocalíptico e com contradições líricas e questionamentos selando com um belo adeus. “I’m gonna make you miss, make you miss me again”.

Dinâmico, explosivo e, em alguns pontos, sofisticado e surpreendente. Por fim, sim. É um dos melhores álbuns do ano.

– Diego Queijo é jornalista! Acompanhe: instagram.com/diegoqueijo. A foto que abre o texto é de David Swanson

2 thoughts on “Música: Em “No Name”, Jack White volta ao rock básico de garagem num dos melhores discos do ano

  1. Quando se pensa que o cara vai mellow out , ele apronta esse bombardeio sonoro de pura maturidade juvenil. Prá que gosta realmente de guitarra e suas cacofonia s . Para apreciadores de bossa , MPB, essas coisas menores , favor passar batido .

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