Entrevista: Um bate papo exclusivo com The Hives sobre (a morte do) rock (?) e ninjas

entrevista de Homero Pivotto Jr.

Especulações dão conta de que Randy Fitzsimmons seria uma figura importante na trajetória do The Hives ao sucesso. Reza a lenda que o misterioso cidadão teria atuado como empresário e principal compositor do grupo sueco, chegando a ser considerado um sexto elemento da formação do quinteto — por isso as 12 pernas na contracapa do álbum “Tyrannosaurus Hives” (2004). Porém, ao lançar seu mais recente trabalho de estúdio, “The Death of Randy Fitzsimmons” (2023), a banda escandinava, em princípio, mata o mito anunciando o passamento do parceiro misterioso no título do registro. Por outro lado, após mais de uma década, ressuscita o processo de composição que nos agracia com um som empolgante e sem firula — aquela combinação entre garage e punk rock feita de um jeito que até defunto teria dificuldade em ficar parado.

Depois de passar por São Paulo em 2023, na edição nacional do Primavera Sound — em que teve papel coadjuvante e tocou com sol a pino em uma tarde quente de sábado fazendo um dos melhores shows do fim de semana, segundo ranking do Scream & Yell —, o The Hives volta ao Brasil em 2024 para ser atração principal. A única apresentação no país ocorre em 15 de outubro, às 21h, no Tokyo Marine Hall, na capital paulista. É mais uma oportunidade de o público brasileiro conferir a vivacidade e voracidade do conjunto ao vivo, um de seus reconhecidos diferenciais como expoente do rock.

“Tudo que tem rolado desde que o disco saiu, como os shows e essa ida ao Brasil, é um jeito de as pessoas nos mostrarem que gostaram do material. E nós achamos o álbum realmente bom!”, opina o baterista Chris Dangerous (Christian Grahn) sobre a repercussão do lançamento mais recente em entrevista exclusiva para o Scream & Yell.

Enquanto gente importante para o estilo faz questão de dizer que o rock está morto, como o baixista Gene Simons (Kiss), o The Hives busca dar nova vida ao som que coloca guitarras em evidência. E faz isso com a experiência que os mais de 30 anos de estrada, e a própria idade dos músicos, demanda para os tempos contemporâneos. O que não significa “evoluir”, mas sim ter maturidade de criar como sempre sabendo que hoje não é ontem.

Conforme resenha sobre “The Death of Randy Fitzsimmons” no conceituado Pitchfork (em tradução livre): “Nenhum dos pares do The Hives no revival do garage rock jamais se arriscaria a parecer tão estúpido. A maioria deles há muito tempo parou de nos servir bom rock’n’roll, optando pelo blues inteligentes, à la Jack White, ou hinos saudosos à uma cena passada, como The Strokes. Por outro lado, o The Hives se apega sinceramente a todas as coisas absurdas, recusando-se a morrer ou mesmo a envelhecer. Ninguém nunca disse que os tubarões tinham bom gosto.”

Com o álbum novo, o The Hives indica que o retorno ao básico (algo que o punk fez na década de 1970) e a busca pela diversão são alternativas para reencarnar o rock como protagonista do showbusiness musical. “The Death of Randy Fitzsimmons” tem pouco mais de 30 minutos e conta com temas simples, porém instigantes, que vão dos dois singles (‘Bogus Operandi’ e ‘Countdown to Shotdown’) a outras faixas que merecem atenção: tal qual qual ‘Trapdoor Solution’, ‘Smoke & Mirrors’, ‘Crash Into the Weekend’ e ‘Two Kinds of Trouble’.

Na entrevista a seguir, o já mencionado Chris Dangerous e The Johan and Only (baixo) opinam sobre o estado atual do rock, analisam a tradição do seu país no estilo e elucidam curiosidades relacionadas ao grupo que integram — complementado por Howlin’ Pelle Almqvist (voz), Nicholaus Arson (guitarra) e Vigilante Carlstroem (guitarra).

O papo foi feito via zoom, no meio da tarde de terça-feira (23/07), enquanto os músicos bebericavam o que parecia ser cerveja e o escriba recebia olhares curiosos dos colegas em seu trabalho convencional numa agência de comunicação. Em tempo: ao que tudo indica, Randy Fitzsimmons é pseudônimo do guitarrista Nicholaus, irmão do vocalista Howlin’ Pelle.

Olá! Onde vocês estão agora?
Christian — Estamos em Hershey, Pensilvânia. Temos show à noite abrindo para o Foo Fighters. E você?

Falo de Porto Alegre, sul do Brasil, onde o The Hives já tocou duas vezes.
Christian — Ah, sim! Lembro de Porto Alegre, foi bem legal. Bom, desta vez, vamos tocar aqui nos Estados Unidos. Creio que, em umas cinco horas, estamos no palco.

Bom, como não temos muito tempo para esta entrevista, iniciemos as perguntas. Sou fã do rock produzido na Suécia e gostaria de saber por que acreditam que seu país tem tradição no estilo. Há muitos bons exemplos de bandas suecas, do metal extremo ao pop. Tipo: Entombed, ABBA, The Hives, Hellacopters, At the Gates, Disfear, Millencolin, In Flames, Dismember, Refused, Imperiat e por aí vai.
Christian — A Suécia tem uma grande tradição na música em geral. Desde criança, todos nós aprendemos instrumentos na escola. E essa é uma das razões pela qual esses artistas que você citou têm reconhecimento internacional. Também aprendemos inglês bem cedo. Além disso, assimilamos influências musicais do Reino Unido e dos Estados Unidos e transformamos em algo próprio, com nossa identidade, misturando com o que temos em nosso país desde os anos 1950. No geral, há muitas diferentes razões, mas essas que falei seriam algumas. Ao menos as mais próximas da minha realidade.

The Hives no Lollapalooza Brasil 2013 / Foto de Liliane Callegari

E quais artistas da Suécia você citaria como referências para o The Hives?
Chirstian — Crescemos ouvindo punk sueco, como Strebers e bandas punks bem obscuras que você provavelmente nunca ouviu falar. A cena punk era muito forte na Suécia durante os anos 1970, mas acredito que não teve tanta repercussão em outras nações. Essas seriam nossas influências suecas. Mas nossas maiores referências são de fora. Fomos criados escutando nomes como Dead Kennedys, AC/DC, Rolling Stones e coisas assim.

O que vocês acham do rock atual, musicalmente e com relação ao mercado?
Johan — Não está morto. Talvez quase tenha morrido, mas está de volta. O rock tem se provado como uma expressão válida para as pessoas. Eu não diria como arte necessariamente, mas como uma expressão cultural que ainda faz algo para as pessoas, e as pessoas querem isso.

Chirstian — Não estamos falando apenas de artistas que estão no topo, que são muito conhecidos e fazem grandes turnês, como o Foo Fighters. Há muitas bandas baseadas em guitarra, com pessoas jovens despontando no gênero. É muito legal excursionar com o Foo Fighters e junto de Amyl & The Sniffers. Em todo lugar que vamos e em qualquer festival que tocamos, tem gente fazendo rock’n’roll — ainda que nenhum deles possa bater veteranos como nós (risos). É legal ver o público voltando a curtir rock’n’roll. Como disse o Johan, não está morto e parece estar rolando um revival. Tempos divertidos para nós!

The Hives no Primavera Sound São Paulo 2023 / Foto de Fernando Yokota

E vocês percebem galera jovem no público? Acreditam que as novas gerações estão curtindo rock?
Christian — Tem pessoas que vinham aos nossos shows durante os anos 1990 e, agora, têm filhos que ouvem rock. Mas não apenas essa galera que “herdou” isso, como também novos fãs. Há vários tipos de fãs de rock e de diferentes idades, e isso é uma alegria. Não importa onde tocamos, sempre tem quem curta.

Johan — Não importa o tipo de som que você toca, as pessoas querem ver um bom show. Elas querem uma performance confiante e divertida.

Quais características do rock chamaram a atenção de vocês quando começaram a curtir esse tipo de som?
Christian — AC/DC, Ramones, a porra do Van Halen.

Johan — O fato de que não há regras, não existe uma generalização que possa ser feita, acho. Algo no estilo pode chamar sua atenção e gerar um novo fã. Pode ser um jeito legal de cantar, uma forma bacana de performar no instrumento ou uma banda maneira. No nosso caso, foi o punk rock, pois éramos novos.

Como tem sido a receptividade do novo álbum?
Christian — Provavelmente, a maior que já tivemos para um lançamento. A audiência estava ansiosa por composições novas do The Hives. Tem sido insano! Tudo que tem rolado desde que o disco saiu, como os shows e essa ida ao Brasil, é um jeito de as pessoas nos mostrarem que gostaram do material. E nós achamos o álbum realmente bom! Creio que foi no tempo certo, as pessoas estavam pedindo novas músicas. Fazia quase uma década que não tínhamos um novo disco e, ainda, teve pandemia. Nos provou que não temos de apressar as coisas quando se está um pouco mais experiente. Não estamos velhos, mas também não estamos mais nos nossos 20 e poucos anos, e isso faz diferença. Tem sido muito bom ver a reação da galera.

Por que levou tanto tempo para um novo lançamento (o anterior, “Lex Hives”, saiu em 2012)?
Christian — Randy Fitzsimmons estava desaparecido e tinha outras coisas rolando. Teve a pandemia, e estive doente e precisei ficar um tempo no hospital. A vida se desenvolve paralelamente à história da banda. Coisas acontecem e, muitas delas, não podemos controlar.

Randy Fitzsimmons é como uma entidade que nunca ninguém viu, uma espécie de sexto integrante. Seria apenas coincidência que o nome da banda anterior de Johan seja Randy?
Johan – Não sabemos. (risos)

Para encerrar, uma curiosidade: por que os roadies do The Hives se vestem como ninjas?
Chirstian — Porque é algo foda, em uma resposta simples (risos). Na verdade, são pessoas com muitas habilidades no que fazem. E, vestidos de ninjas, eles passam para o público essa ideia de o quanto são competentes.

– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal. A foto que abre o texto é de Fabiano Pereira

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