Entrevista: Com 17 anos e um viral no TikTok, Tontom lança EP de olho nos anos 2000

entrevista de Renan Guerra

O algoritmo do TikTok ainda tem algumas coisas aleatórias e é possível viralizar por lá sem necessariamente investir dinheiro. É um tanto quanto randômico e não tem muita lógica, mas o fato é que Tontom começou a aparecer na página “para você” de muita gente – explicando para quem não é tiktoker, o ‘para você’ é a página que navegamos de forma livre, recebendo conteúdo de páginas que não seguimos e que podem nos interessar. Muita gente se interessou por aqueles versos pegajosos de “Tontom Perigosa” e a faixa começou a crescer de forma orgânica, sendo usada de trilha para os mais diversos vídeos – geralmente as faixas crescem na plataforma porque estão atreladas a alguma trend específica, como uma dança, um formato de vídeo ou um estilo de filmagem. “Tontom Perigosa” não segue nenhum desses padrões, é um desses casos aleatórios da rede social.

O single virou trilha de gente fazendo receitas, look do dia, moodboard de referências e edits do filme “O Diário de Tati” (2012), a adaptação cinematográfica da personagem adolescente de Heloísa Perissé. Perissé, no caso, é a mãe de Tontom, fato que muitos ouvintes descobriram depois da viralização da faixa, assim como a lembrança fugaz de alguns ouvintes de que Tontom seria a protagonista de “Uma Fada Veio Me Visitar” (2023), o mais recente filme de Xuxa, longa que marcou o comeback da rainha dos baixinhos aos cinemas após 14 anos. Enfim, Tontom foi descoberta como uma nepobaby, a palavra que virou moda nos últimos anos e que classifica os filhos de famosos e artistas, aqueles que já tem uma ajudinha familiar para entrar na indústria do entretenimento. Fato é que Tontom poderia simplesmente depender do nome da mãe para “conquistar” espaços clássicos dos antigos, tipo aquelas coisas como notinhas na coluna da Mônica Bergamo ou inserções em programas do GNT e Multishow, como faziam os nepobabys vintage.

Tontom, porém, foi mais sagaz e tentou caminhar por seus próprios passos em universos que fariam muito mais sentido para sua geração. Vamos lá: ela tem uma família do mundo das artes, mas o fato é que ainda é uma menina com 17 anos, que está terminando a escola e que encontrou na música um universo para falar sobre suas questões e sentimentos. “Mania 2000”, seu primeiro EP lançado em maio deste ano, é reflexo disso, trazendo o frescor e a urgência que só a juventude proporciona. Mas Tontom tem uma característica peculiar, diferente de muitos jovens que acham que tudo foi inventado depois do ano 2000, ela já traz na bagagem referências diversas que vão dos Beatles à Rita Lee, tanto que seu som traz pitadas do humor dos artistas pop rock brasileiros dos anos 80 e a despojamento que existia por aqui na virada do século. A jovem não busca ser hype nem cool, mas ser sincera consigo mesma – e isso é invejável quando pensamos que ela ainda está na adolescência e muitos de nós só conquistamos isso depois de, sabe-se lá, o retorno de Saturno.

Tontom mora no Rio de Janeiro, mas conversamos com ela em um café em São Paulo – entrevista ao vivo, cara a cara, é quase algo vintage depois da pandemia. Com certa timidez, ela fala com maturidade sobre seu trabalho e conta com orgulho todos os processos e caminhos que a levaram ao lançamento de seu primeiro EP. Com sua pouca idade, Tontom é fruto dessa experiência maluca que foi crianças e adolescentes vivendo uma pandemia mundial, tanto que foi durante o isolamento social que ela se dedicou ainda mais as suas canções e composições. Aliás, o sucesso viral de “Tontom Perigosa” e de seu ep “Mania 2000” apenas reforçam que essa nova geração é múltipla e aberta a diferentes formatos e possibilidades, além de qualquer caixinha que os mais velhos tentam encaixar.

No papo com o Scream & Yell, Tontom falou sobre suas canções, sobre família, sobre referências e sobre seus projetos. Confira a entrevista na íntegra abaixo:

Para começar, queria que você falasse um pouco sobre a sua formação, porque você é muito jovem, mas você já tem um trabalho artístico que vem de alguns anos e eu queria entender um pouco como que você entrou nesse universo e como foi essa primeira fase antes do lançamento musical.
Comecei a fazer aula de piano quando eu tinha uns 7 anos de idade e nessa época, mais ou menos, eu já fazia Tabladinho também, que é um curso de teatro no Rio. Enfim, tive alguns altos e baixos, entrei e saí algumas vezes – não altos e baixos no quesito de bons e ruins, mas no sentido de que entrei e saí algumas vezes só –, mas com 11 anos comecei a fazer aula de canto com a Fátima Regina, que foi a preparadora vocal de uma peça que eu fiz que se chama “Alice no País da Internet”, com a minha mãe e com a minha irmã. E aí a gente se conheceu lá, eu já tinha muita vontade de fazer aula de canto e pedi pros meus pais, eles super apoiaram e comecei a fazer. Na pandemia, comecei a estudar mais isso, me aprofundar nos estudos, aprendi a tocar violão, guitarra, me aprofundei no piano, na voz e fiquei muito focada, absorvendo muita coisa. E depois de um tempo, percebi que eu estava precisando colocar pra fora tudo aquilo que eu tinha absorvido e comecei a tentar compor, tentar escrever minhas próprias músicas. E foi um processo, mas depois de um tempo tentando, as músicas começaram a sair.

Você tinha que idade quando começaram a surgir essas primeiras composições?
Mais ou menos uns 14, 15…

A gente ainda estava na pandemia, né?
Já.

Como foi esse processo da pandemia pra você? Eu imagino que tenha sido uma outra experiência, você devia estar na escola, todos esses projetos, essas coisas parando.
Total. Foi um período difícil, imagino que pra todo mundo, mas acho que depois de um tempo eu ressignifiquei todo o tempo que eu tinha em casa sozinha, sabe? Comecei a perceber que isso poderia ser material de estudo pra mim e talvez um tempo que eu não teria de novo pra focar e mergulhar tanto nesse universo.

Entendo. Uma das coisas do seu EP (que chamam a atenção) é que ele tem muitas referências que são mais antigas, e que às vezes as pessoas não relacionam a alguém tão jovem. E eu queria entender um pouco o que são as coisas que te formaram pra chegar nesse EP, o que você estava ouvindo, o que você estava vendo, lendo?
Acredito que todas essas coisas ajudam a formatar o que eu faço. Eu sempre escutei muito Beatles, mas acho que na pandemia também foi o momento em que comecei a entender mais e mais e comecei a estudar um pouco da música daquela época. A gente estava falando do Bob Dylan ontem também, que é uma pessoa que também me inspira muito nessa área do folk, que eu acho que tem muito a ver com o meu som. Quem mais? Stevie Wonder, até Queen. De bandas mais atuais tem o Mac DeMarco, que é um artista mais esquisito, de certa forma, mas que me inspira também. A própria Billie Eilish. Tenho vontade de explorar mais esses lados não tão óbvios, sabe? Como Connan Mockasin também. Tenho vontade de criar a minha própria identidade. Acho que isso é uma coisa que vem surgindo de uma forma muito natural e que já é nítida no EP, mas sempre tive esse desejo natural de sair do óbvio.

Sim. E pra chegar nesse processo de lançar o EP, qual foi o caminho que você passou? Quando você sentiu que era o momento certo de gravar essas canções?
Eu as escrevi em 2022, a maioria, e comecei a mostrar para as pessoas aos poucos. Eu tinha um certo receio de expor, no início, porque, de certa forma, são (canções) muito pessoais. E eu acho que qualquer processo criativo é uma coisa que dá um friozinho na barriga. Mas comecei a mostrar para as pessoas que mais confio e todo mundo gostava, sempre tive uma resposta muito positiva. E quando eu escrevi, eu não necessariamente tinha em mente lançar logo. Mas as pessoas iam falando e eu também tinha o desejo de trabalhar com música. A minha irmã Raquel [Dimantas], que já é do meio, ela tem um álbum chamado “8 Hits!”, e ela é muito amiga do Guilherme Lírio, que foi quem produziu o meu EP. Ela fez essa ponte e foi uma união perfeita. Acho que não poderia ter sido outra pessoa para me ajudar com isso, mas foi um processo longo de amadurecimento das ideias até eu ter certeza de que eu queria expor isso pro mundo.

Imagino que esse processo de expor é também se colocar meio vulnerável para que os outros olhem o que você está criando de uma forma muito pessoal. E imagino que, como você já tem uma família que vem de um universo artístico, essa exposição já é algo meio presente, mas pode ser uma experiência diferente. E aí queria entender como foi pra você esse processo de disponibilizar as músicas. Você divulgou nas suas redes, tentando criar o seu universo, o seu repertório. Você tinha algum receio, algum medo na hora de lançar essas canções?
Acho que esse receio sempre existe. No caminho da produção, até lançar, sempre tiveram altos e baixos, momentos em que eu amava tudo e momentos em que eu odiava tudo, momentos em que eu acreditava muito que ia dar certo e momentos que eu achava que ninguém ia ouvir. Mas eu já estava muito confiante com tudo que eu tinha feito quando lancei. E acostumada. Como foi um longo processo, eu tive bastante tempo para pensar. Lancei no momento perfeito, porque se passasse mais um pouco talvez não fizesse mais sentido, e se fosse antes demais seria muito cedo pra mim. Sinto que eu estava nesse momento ideal de muito amor e paixão pelo que eu tinha feito, mesmo se bombasse ou se ninguém escutasse.

É interessante que nesse processo as pessoas às vezes relacionam muito você e a sua mãe pela figura que ela é no imaginário popular do Brasil, mas é curioso que você tenha chegado, por causa das redes sociais, em um outro público que descobre depois quem é a sua mãe. Tanto que a gente tem visto várias montagens que, por exemplo, colocam a imagem de “O Diário de Tati” junto da música “Tontom Perigosa”, e às vezes as pessoas não relacionam necessariamente que ela é a sua mãe. Como foi para você essa sensação de conseguir fazer com que o seu trabalho também chegasse nas pessoas por um outro caminho?
Eu acho muito legal, maravilhoso. Porque eu tenho muita vontade de seguir esse caminho por mim, pela imagem que eu crio, pelas músicas que eu crio, sem necessariamente ser vinculada à minha mãe, que obviamente é uma pessoa que me ajuda muito em vários aspectos, mas eu tenho muita vontade de criar o meu público. Independente dela. Somos duas pessoas diferentes, duas artistas diferentes. Então é muito legal ver o público se identificando comigo e com a minha arte, independente dela.

Nesse mesmo universo, como é para você essa relação com as redes sociais? Hoje em dia sua mãe e sua irmã usam mais essa coisa de expor experiências cotidianas de vocês. E as redes sociais foram um ponto importante para que você chegasse, com um trabalho que é independente, em outros públicos que às vezes talvez você não tivesse chegado por caminhos mais formais…
Sim. Sou mais reservada que minha mãe e que minha irmã em relação à minha vida pessoal. Me exponho menos, de certa forma. Sempre mantive uma imagem minha na rede social e uma imagem minha na vida real. E venho entendendo cada vez mais a importância de você se expor também e mostrar um pouco de quem você é pro seu público, até para você atrair quem é semelhante. Acho que como a minha arte é muito feita por mim e pra mim, eu acho que as pessoas que escutam também se identificariam com quem eu sou, de certa forma, e é quem eu quero que se identifique. Então, com o tempo, fui tomando coragem para postar, até porque é uma coisa que eu quero fazer acontecer. E a vontade de fazer acontecer é maior do que qualquer vergonha ou medo de se expor. E eu acho que foi acontecendo…

De alguma forma, a sua música chegou em playlists e lugares que, geralmente, são ocupados por artistas que fazem algum investimento financeiro muito alto naquilo. E a sua música conseguiu chegar através da viralização. Qual foi a sensação de ver a sua música ocupando esse espaço?
Foi uma surpresa muito grande, um choque, porque, como você falou, foi tudo de uma forma muito orgânica. Tanto no Spotify quanto nas redes sociais. Não teve tráfego pago, nem nenhum dinheiro investido na viralização da música. Então, foi um choque, primeiramente, da forma mais positiva possível. Eu estava indo dormir, e peguei o celular pra ver as playlists que haviam incluído minhas músicas, porque no aplicativo do Spotify para artistas você consegue ter acesso a essas playlists. E uma delas era uma playlist do Spotify. Fiquei assim “ué, playlist do Spotify? Será que é daquelas que o algoritmo faz? Sei lá”. Entrei pra ver, e “Tontom Perigosa” estava tipo primeiro lugar. Fiquei tipo “gente, que estranho, o que será que é isso?”. Comecei a perguntar para as pessoas e percebi mesmo que estava no top virais das músicas do Spotify. E foi louco. Fiquei muito feliz, muito surpresa.

Capa de “Mania 2000”

Você vem de um background que também inclui o teatro e você tem experiências de cinema, a preocupação visual também é uma questão importante para você. Então eu vejo que ali no EP tem uma construção estética muito clara, que dialoga com essa coisa da virada do século, início dos anos 2000. Como é esse cuidado estético para você, como foi pensar na capa do EP e em todas as imagens que compõem esse universo?
Foi um processo que fiz muito com a minha irmã, Raquel Dimantas, que foi a diretora artística desse meu lançamento. Ela fez as capas e os visualizers. A gente teve as ideias juntas. Então foi muito uma troca minha com ela, pesquisando referências em Pinterest, por exemplo. A gente tinha essa ideia dos anos 2000 e foi meio que encaixando outras ideias. Ela lembrou de um amigo dela que coleciona celulares Nokia antigos e em várias das minhas referências tinham telas que eram divididas em vários pedaços diferentes. Tipo telas polípticas, que são divididas em vários quadradinhos. E aí a gente começou a pensar nessas ideias que se relacionam muito com os anos 2000 e artistas dessa época também. A gente fez uma pesquisa sobre isso e foi transformando em uma coisa autêntica e nossa.

Para uma parcela do público você é conhecida por ter trabalhado com a Xuxa no mais recente filme dela. Como foi essa experiência de cinema pra você? Entendo que tenha sido um outro processo muito diferente, ainda mais ao lado da Xuxa.
Pois é, um processo totalmente diferente. Até porque foi uma produção muito maior do que a produção do meu EP. O meu EP é uma coisa totalmente minha, que eu fiz acontecer de certa forma e idealizei tudo. E o filme da Xuxa, eu era tipo uma das partes de uma produção gigantesca. Foi muito legal trabalhar no cinema. É incrível, tanto que depois eu continuei fazendo aula de teatro, muito por causa do filme também, que surgiu meio que de uma maneira inesperada. Anos atrás eu tinha feito um teste com a mesma diretora deste filme. Anos atrás mesmo, eu tinha uns 11 anos. E ela anotou o meu nome. Eu não passei pra aquele teste, mas ela gostou muito de mim e depois foi me procurar. E aí eu refiz o teste e fui passando, passando, passando, passando, até que eu passei pra fazer o filme. E eu estava meio afastada da atuação na época em que eu passei pra esse filme. Então, eu era a protagonista de um filme grande com a Xuxa. É uma impressão diferente. Mas, ao mesmo tempo, muito gostosa e eu fui muito bem recebida. Eu tenho um carinho muito grande por esse filme e por esse trabalho também. Apesar de ser algo menos autoral…

Você é jovem e está lançando o EP. Você tem um trabalho de atriz. Em que momento você está da sua vida profissional? Você terminou a escola? O que você pretende fazer? Quais são as suas ideias agora de futuro?
Estou terminando a escola esse ano e eu tenho muita vontade de seguir nesse caminho, lançar o meu primeiro disco e crescer no mundo da música, entendendo mais como essa indústria funciona, porque ela é cheia de camadas. E ainda estou no início. Então, o meu plano é seguir com isso até que um dia eu possa viver tranquilamente da arte que eu faço.

E do lado de atriz, você também pretende seguir?
Não estou focando tanto nesse momento no lado atriz, principalmente porque acabei de lançar esse primeiro EP. Mas a atuação é uma coisa que sempre acaba voltando pra mim de alguma forma. Esse ano eu parei de fazer aula de teatro, mas pretendo voltar em algum momento também. Porque é algo que me ajuda muito também na parte performática da música. E também porque é um lugar que eu tenho muito carinho.

Você falou isso da performance e como está a expectativa de fazer shows, de poder circular com o seu trabalho. Vi que você cantou no Domingão do Hulk, uma homenagem pra sua mãe. Imagino que foi uma experiência um pouco assustadora, não?
É, pois é, uma ansiedade estar lá. Mas uma das coisas que eu mais amo é estar no palco. Então bate aquele nervosismo, até porque eu estava há um tempo sem fazer show. Mas é muito louco como esse nervosismo e essa ansiedade se transformam no momento em que você entra no palco e está em contato com o público. Então antes de entrar eu estava tipo “meu Deus, quando eu entrar, o Brasil inteiro vai me ver”, mas depois que você entra e, sei lá, a alma enche mesmo. Me nutre.

Sim. E aí você tem expectativa de fazer shows, de montar um espetáculo específico do “Mania 2000”?
Tenho, tenho. Já estou começando a planejar esses shows que vão acontecer em breve. A primeira data é dia 28 de julho, na Audio Rebel, no Rio. Vou começar a divulgar outras datas logo. Mas os shows são os próximos passos, eu estou muito animada.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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