Entrevista: O músico pernambucano Ugo Barra Limpa fala sobre seu disco “Voz, Violão e Lombra”

 entrevista de Diego Albuquerque

Ugo Barra Limpa é violonista, compositor, arranjador e professor no Recife, Pernambuco. Foi aluno na escola Tritonis, onde cursou harmonia contemporânea, arranjo e harmonia avançada. Se formou em Licenciatura em Música pela UFPE e pós-graduado em Produção Cultural pela Fafire. Seu primeiro feito autoral foi ser finalista do concurso de música carnavalesca da prefeitura da cidade do Recife na categoria Maracatu com a canção “Pindorama”, defendida por Mevinha Queiroga e executada pela Banda Sinfônica do Recife, no ano do centenário do frevo. Ainda integrou as bandas Carranca, Relampejo e o Grupo cênico-musical-performático A Besta Fera e a Peleja de Todo Dia.

Seu som passeia entre as influências da psicodelia nordestina e da música Armorial, da Tropicália, Jovem Guarda, Bossa Nova e muito da cultura oriental. Agora, Ugo Barra Limpa dedica-se ao “Voz, Violão e Lombra”, seu primeiro álbum solo, que reúne 12 faixas feitas e gravadas apenas utilizando a voz e o violão como instrumentos. A única interferência é o outro músico presente no álbum, o cantor, compositor e produtor pernambucano D Mingus. Para entender um pouco mais sobre essa nova fase de Ugo, ele fala sobre o novo álbum, sobre música em geral e outras doideiras – ouça “Voz, Violão e Lombra” em seu streaming favorito.

O que te inspirou a criar este álbum com uma abordagem de voz e violão?
Durante o período pandêmico fui levado a passar mais tempo “comigo mesmo” sem ensaiar com nenhum outro músico. Mais tempo tocando violão e cantando sozinho em casa. Já tinha esse conceito de álbum na cabeça que sabia que um dia gravaria, mas acho que esse ar mais intimista do envolvimento com a música durante o isolamento foi o impulso que faltava para cair a ficha de que havia chegado o momento de preparar esse trabalho.

Como surgiu a ideia de misturar estilos tão diversos como folk, bossa nova, samba, MPB, reggae e experimental, com ar lo-fi?
Os estilos foram surgindo organicamente a partir do que eu escutava, por ter músicas compostas em todos os diferentes períodos da minha vida. Minhas diversas influências como artista se refletem nessa variedade estilística.

Você pode nos contar mais sobre o conceito por trás do álbum? Há uma história ou tema central que conecta as músicas?
Acho que o que une tudo é o fato de que foram todas compostas, arranjadas e executadas pela mesma pessoa se utilizando somente da própria voz e do acompanhamento do violão de nylon. Não acho que haja conexões entre as letras. Tentei, aliás, reunir as canções que fossem as mais diferentes entre si pra que fosse possível um vislumbre de todas as faces do meu trabalho de compositor.

Como foi o processo de gravação do álbum? Teve algum desafio pra achar a estética ideal?
Sim, quando comecei a gravar fui achando que a textura das canções somente com o registro da voz acompanhada pelo violão estava muito “lisinha”. Fui acrescentando camadas tanto vocais quanto do mesmo violão de nylon que havia utilizado para as bases. Mas só em alguns momentos, pois não quis deixar com a aparência de que havia vários músicos tocando. Ainda assim continuava achando que faltava algo. Foi então que tive a ideia de incluir os sons ambientes que estavam ao meu redor enquanto cantava as músicas sozinho no meu quarto, canto de passarinhos, vozes de crianças, sons de chuva, etc. Acabou que essas ambiências se tornaram um terceiro elemento, formando uma espécie de “power trio” junto com o violão e a minha voz.

Quais são suas expectativas para a recepção do público em relação a este trabalho?
Acho que em tempos de Tiktok a juventude está carente de escutar melodias mais elaboradas, de enxergar relações entre diferentes frequências e, consequentemente, gerar mais sinapses. Hoje em dia muito do que é consumido pelas massas parece ter como finalidade o superficial, como por exemplo as dancinhas viralizáveis, mesmo em construções rítmicas paupérrimas. E em termos de melodia, boa parte do que os jovens escutam hoje parece ser derivado do rap e do hip hop, os intervalos melódicos são mínimos. As estruturas harmônicas são de pouco movimento. Acho que, para quem tiver oportunidade de ouvir, esse álbum vai funcionar como uma espécie de (re)encontro com o século XX.

Quais são suas principais influências musicais e como elas se refletem neste álbum?
Caetano e Gil sempre estão em tudo que faço. Hermeto Pascoal na experimentação. Bob Marley e Beatles pela veia pop. João Gilberto pela estética solitária da instrumentação escolhida. Capiba, pelo lirismo e pela “pernambucanidade”. Ravi Shankar, Steve Reich, John Cage e Arnold Schoenberg como material de referência para as quatro vinhetas presentes no disco.

Você pode compartilhar alguma experiência ou história específica que inspirou uma das músicas do álbum?
Houve um tempo em que eu toquei numa banda em que alguns integrantes, suas namoradas e outros amigos em comum chegavam sempre contando relatos sobre suas experiências com substâncias psicoativas, enteógenos, etc. Fiquei curioso e, enquanto ouvia, fui pensando em escrever algo que abordasse esse tema, mas sem explicitá-lo. Talvez uma fábula infantil ou algo assim. Acabou que se tornou uma das canções que está no álbum.

Como ser pernambucano influencia ou ecoa na sua música e neste álbum em particular?
Há muito de Pernambuco neste trabalho, seja no ritmo de baião de uma das faixas, seja nas referências ao manguebeat na letra de outra. É algo que acompanha o que faço desde sempre.

Qual música do álbum você acha que melhor representa sua identidade artística e por quê?
⁠Acho que não saberia responder, rs. Seria como optar por um entre outros filhos. Qualquer uma delas que eu escolhesse como principal nesse sentido não contemplaria tudo que enxergo como identidade em mim.

Há algum artista ou banda com quem você gostaria de colaborar no futuro?
⁠Sim. Já trabalhei com muita gente bacana, mas a cena atual de Recife tem vários artistas que eu acharia interessante fazer alguma coisa juntos como Henrique Albino, Graxa, Flaira Ferro, Orquestra Malassombro e a banda Verdes & Valterianos.

Como foi equilibrar a simplicidade do voz e violão com os elementos experimentais do álbum?
Tentei explorar todos os recursos possíveis dos dois instrumentos escolhidos. Fiz baixarias, bends, harmônicos, ruídos de corda abafada, percuti a madeira, etc. Nos vocais, além das linhas médias principais, há falas, gritos, sussurros e muitos assovios. Não satisfeito, tentei integrar essas camadas ao conceito que chamo de ambiências. Em algumas faixas pela captação de sons ambientes que compunham paisagens sonoras condizentes com o que era dito na letra. Em outras, pela opção de simular os ruídos de equipamentos analógicos como rádio AM ou fita cassete.

Você poderia descrever seu processo de composição? Alguma música deste álbum teve um processo criativo diferente do usual?
Geralmente faço melodia e harmonia primeiro e vou fazendo a letra depois. Mas também pode vir tudo junto. A letra vir antes é mais raro, mais já aconteceu. Uma das vinhetas chamada Sonata em free bemol foi peculiar, por ter sido toda composta já dentro da sala de gravação, durante as sessões. As outras eu já trazia de casa prontas, geralmente.

Como você escolhe os temas e letras das suas músicas?
Eu vou falando sobre o que me vem à cabeça naquele determinado momento. Não conseguiria falar exclusivamente de amor ou sempre insistir numa temática social, por exemplo. Gosto da pluralidade.

Qual foi a música mais desafiadora de compor ou gravar e por quê?
Acho que foi “Ilusões”, por ter que recordar toda a harmonia de uma música que fiz há uns 15 anos e de lá pra cá não vinha tocando-a. Então, relembrar acorde por acorde foi uma trabalheira. Geralmente costumo anotar em algum caderno para evitar isso, rs

O que você acha que o lo-fi traz para a sua música que outros estilos de produção talvez não trariam?
Eu acho que nem tudo que faço está inserido nesse viés do lo-fi, mas nesse trabalho especificamente foi meio que se adequando espontaneamente pelo fato de ser gravado num home-studio, pelas texturas de equipamentos analógicos em algumas faixas, pela atmosfera intimista na qual foram preparados os arranjos das canções, etc. Tem tudo um clima meio handmade da idealização até a capa. Então acho que as características dessa estética lo-fi vieram bem a calhar e não haveria como ser diferente.

Como você vê a evolução do seu estio musical ao longo dos anos? Este álbum representa uma mudança de direção?
Sim, há canções compostas para as bandas que eu toquei e que foram pensadas nas formações instrumentais disponíveis e outras que já foram pensadas para tocar sozinho mesmo. Acho que o repertório consegue abarcar vários direcionamentos diferentes ao longo do tempo que venho compondo, desde o final da década de 90 até o pós-pandemia.

Que instrumentos e equipamentos você utilizou na produção deste álbum?
De instrumentos musicais somente a voz e o violão unicamente. Mas, em alguns momentos a superposição de várias camadas de cada um deles. De equipamentos além dos microfones do estúdio, D Mingus utilizou um gravador portátil para captar alguns sons ambientes que funcionaram como um background para as canções.

O que você espera transmitir para o ouvinte com esse trabalho?!
Apenas exprimir o meu desejo de compartilhar o que venho compondo nesses 25 anos de vivência musical e mostrar que existe música sendo feita aqui em PE de todos os estilos, abrangendo vertentes populares e eruditas, antigas e contemporâneas, convencionais e experimentais, parnasianas e tronxas.

Existe alguma ideia de show/ tour ou alguma pretensão nesse sentido?
Sim, recentemente recebi duas propostas de festivais e já estou me articulando com excelentes músicos recifenses para essas e outras apresentações.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.