texto de Renan Guerra
Em 2023 o nome de DJ K se tornou assunto internacional. Após uma elogiosa crítica do disco “Pânico no Submundo”, na revista Pitchfork, o nome do DJ paulistano nascido em Diadema ganhou os portais nacionais e internacionais e muitos queriam saber quem era essa figura inventiva e que estava por trás de um dos discos mais elogiados do funk brasileiro. DJ K faz parte de uma leva de artistas que têm expandido as possibilidades criativas e performáticas do funk na periferia de São Paulo, em bailes emblemáticos como o da Helipa e o de Paraisópolis. “Terror Mandelão” (2024), documentário de Felipe Larozza e GG Albuquerque, nos apresenta um pequeno recorte desse universo que vem bagunçado as possibilidades sonoras do moderno funk paulistano.
“Terror Mandelão” acompanha DJ K, MC Zero K e outros artistas em seu entorno durante um amplo período de tempo, capturando sua forma de produzir, de distribuir e de imaginar o funk. Entendendo as nuances do funk mandelão e do funk bruxaria, duas vertentes importantes do funk underground paulistano, o filme consegue nos desenhar um panorama interessante dos movimentos de experimentação explorados por esses criadores de periferia e entende a forma como eles se apropriam de tecnologias e ferramentas para a criação de sonoridades e estéticas que criam fissuras nos ditames da arte. A partir da história de DJ K e MC Zero 7 o filme delineia uma espécie de pequeno retrato de uma geração de artistas e criadores que entende na música, na dança e nos bailes uma possibilidade nova de expressão.
O longa de Larozza e Albuquerque acompanha os processos criativos dos dois artistas de forma bastante linear, tanto que vemos esse desenvolvimento e essa ascensão de ambos de forma bastante interessante na tela – aliás, os registros de DJ K em sua turnê europeia capturam momentos genuínos de felicidade e descoberta. De todo modo, essa linearidade da narrativa em nenhum momento significa qualquer tipo de caretice dentro da construção do filme, pois o espectador é levado por diferentes possibilidades exploratórias, em que os personagens falam direto com a câmera, simulam diálogos com o público, nos passam lições e quase que ficcionalizam suas experiências criativas. Tudo isso é maravilhosamente desenhado por intervenções estéticas na tela, obra do artista vini.jpeg, e pela interessantíssima condução de câmera, que sabe de forma única construir possibilidades visuais que ampliam a narrativa do filme.
As potencialidades do formato documental são exploradas em “Terror Mandelão” de uma forma particular, fazendo com que o espectador mergulhe nas experiências de forma completa, seja nas filmagens dos bailes de rua, que nos colocam como personagem participante da ação, sejam nos momentos em que podemos ter acesso aos processos de produção dos artistas ou até mesmo naqueles em que somos ensinados sobre as potencialidades dos passos do funk com os dançarinos Theus e Michel O Puro. A forma como o filme mergulha o espectador nesse universo e coloca a câmera como uma parte atuante dessa criação de sentidos da história apenas deixa tudo ainda mais interessante, fazendo de “Terror Mandelão” uma experiência muito singular quando se pensa o documentário musical.
Jornalisticamente, o filme é um retrato muito rico e que consegue, de forma natural e única, captar essa jornada dos personagens em um momento de virada de suas carreiras, tudo pelo faro dos diretores e produtores de entenderem as potencialidades criativas envolvidas nesse filme. De todo modo, mais do que uma obra sobre a jornada de sucesso de DJ K, esse é um filme sobre a sua arte e a sua forma de enxergar o mundo a partir de todas as potências, incongruências e delícias do funk. Nesse sentido, “Terror Mandelão” não é um filme sobre todas as possibilidades de funk paulistano, mas sim um recorte bastante específico e é a partir desse recorte que podemos vislumbrar a quantidade de outras histórias incríveis que estão fervilhando entre esses artistas que têm reimaginado o funk. E, no final das contas, isso só reforça que é preciso cada vez mais contarmos e ouvirmos essas histórias.
Veja “Terror Mandelão” em volume bem alto e deixe que o tuim agir em você.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.