Entrevista: Gabi Lima fala sobre seu novo single, “Golden Cut”, uma parceria com Tanya Donelly

entrevista por Marcelo Costa

Para quem entrar no site oficial de Gabi Lima agora, o recado está logo em destaque: “Não separo a Gabi musicista da Gabi engenheira. Elas estão enredadas, trabalhando juntas em prol de um objetivo comum: dar vida a uma música”. A Gabi musicista assinava com o nome Gru e lançou três discos independentes: o disco de covers “Loneliness Keeps Company” (2005), com canções nada óbvias de Elvis Costello, Wilco, R.E.M. e John Frusciante, e os autorais “Kitchen Door” (2009) e “Welcome Sucker to Candyland” (2013), coproduzido por Gabi junto com John Ulhoa (Pato Fu). A Gabi engenheira estudou áudio em Los Angeles, trabalhou em São Paulo e, agora, está de volta a LA, com single novo para apresentar, “Golden Cut”, uma parceria com Tanya Donelly.

Sim, você leu certo, uma parceria de Gabi Lima com Tanya Donelly, que montou o Throwing Muses com a irmã Kristin Hersh (ela ficou na banda até o quarto disco, “The Real Ramona”, de 1991), co-fundou o Breeders ao lado de Kim Deal em 1989 até sair para liderar seu próprio projeto, o Belly, em 1991 (a banda iria encerrar as atividades em 1996 e retornar em 2016) e seguir em carreira solo. Gabi conheceu Tanya no evento beneficente Hot Stove, Cool Music que reúne várias bandas icônicas em Chicago e Boston (inclusive, Chris Colbourn, baixista do Buffalo Tom, outra banda de Boston, participa do disco anterior de Gabi, “Welcome Sucker to Candyland”) e a colaboração entre as duas acabou acontecendo naturalmente.

Na conversa abaixo, Gabi conta sobre seu lado de engenheira de áudio, detalha o processo de composição do single “Golden Cut” ao lado de Tanya e repassa sua trajetória musical recente, que inclui uma versão de uma canção de Harry Styles. Natural de Pelotas, no Rio Grande do Sul, cidade que também está sofrendo com as chuvas e os alagamentos que perpassam todo o Estado, e morando atualmente em LA, Gabi Lima conta que decidiu adiantar o lançamento de “Golden Cut” oferecendo o download em alta resolução e em mp3 visando auxiliar sua terra com o valor arrecadado – toda renda do single no Bandcamp de Tanya Donnely também será revertida para Pelotas. Ouça “Golden Cut”, e passeie pela discografia de Gabi, vale a pena.

Gabi, na última conversa que você teve com o Scream & Yell, em 2013 (!), pouco depois do lançamento de “Welcome Sucker to Candyland”, você estava morando e estudando em Los Angeles. Eu sei, são 11 anos, tempo pra caramba, mas eu queria saber o que você fez nesse tempo relacionado com música?
Quase uma década! Eu sempre fui fascinada com a combinação do aspecto criativo da música e da parte técnica. Em 2013 comecei a me aprofundar mais nessa segunda parte e fui estudar engenharia de áudio em Los Angeles, me especializando também em som ao vivo. Ao me formar, me mudei para São Paulo, onde trabalhei bastante com produção, gravação e som ao vivo. Agora estou de volta em Los Angeles, trabalhando primordialmente com som ao vivo e estúdio (gravação, mix, master).

A Gru deu lugar à Gabi Lima?
Me acostumei a ouvir as pessoas me chamarem de Gabi Lima, e esse é sempre o nome nos créditos, seja como autora, musicista, engenheira ou produtora, fora que essa história de “Gru é Gabi Lima” era um pouco confusa hehe então agora assino como Gabi Lima mesmo.

Gabi Lima e Tanya Donnely em estúdio

Quando você me escreveu dizendo que tinha feito uma canção com a Tanya Donelly, pensei “uau, que foda”. Amo Throwing Muses, Belly e a carreira solo dela é incrível (“Lovesongs For Underdogs” é um clássico aqui em casa). Daí queria saber como rolou essa parceria, como foi o processo de composição?
Eu conheci a Tanya justamente no evento beneficente Hot Stove, Cool Music que reúne várias dessas bandas em Boston: Buffalo Tom, Juliana Hatfield, Letters to Cleo. Ela se apresentou com um supergrupo Band of Their Own, que inclui a Kay Hanley (Letters to Cleo), Hilken Mancini (Fuzzy) e outras mulheres incríveis – e foi justamente a galera desse supergrupo que tocou na nossa faixa: Tamora Gooding na bateria, Magen Tracy nos teclados, Melissa Gibbs na guitarra e Gail Greenwood (também do Belly) no baixo. Na época a Tanya me deu uma cópia do Swan Song Series, um compilado de 31 faixas colaborativas, e eu me encantei pelo jeito de escrever dela, em particular pela canção “Miranda Pacifically”, que toquei numa live do Sarau Elétrico, e em seguida veio o convite para criarmos algo juntas. Isso foi durante a pandemia; com todos shows e gravações cancelados enquanto aguardávamos a vacina, eu tinha me mudado para o Laranjal, uma praia em Pelotas, RS, onde eu caminhava todos os dias com a Cusca (a cachorra que adotei em SP) e catava pinha pro fogo da lareira – lá faz muito frio, e é muito úmido! Observei como as pinhas se retraíam na umidade, mas expandiam quando soprava o vento seco… e notava que as pétalas seguiam uma sequência, sempre expandindo em espiral, e pensei que esse mesmo código inerente à natureza está dentro da gente, nos fazendo superar obstáculos e expandir na vida… é parte da nossa natureza. Falei isso pra Tanya numa chamada de zoom enquanto mostrava uma pinha, e ela exclamou “sim! a sequência de fibonacci!” e daí surgiu a ideia da música. Entre Laranjal e Boston fomos construindo música e letra, as musicistas que participaram se gravavam em casa e eu juntava tudo no Pro Tools. No final do ano passado, Tanya e eu gravamos os vocais juntas no estúdio Q Division em Boston. Foi um momento muito especial, não só por eu ter saído de Pelotas para ir gravar num lugar onde tanta música que eu amo foi criada, mas porque uma entendeu exatamente o que a outra queria dizer com a canção.

“Golden Cut” está disponível em todas as plataformas e tem um lyric video feito pela Elke Lamers, da Ema Stoned. Você brifou a Elke? Como surgiu a ideia do lyric?
Pois a Elke tem algo em comum comigo e com a Tanya: somos as três Cancerianas “abraça-árvore”. Quando expliquei pra ela a ideia da música, não é que ela também tinha uma pinha do lado do computador?! Ela entendeu na hora. Queríamos mostrar justamente essa expansão inerente da natureza, os espirais, como esse padrão se repete. Eu e minha amiga Teresa Cowles fomos pro meio do mato em Pasadena fazer vários vídeos, e a Elke artista que é criou um efeito prisma por cima. A capa do single parece uma flor, mas na verdade é uma pinha minúscula que a Tanya fotografou.

Nas plataformas, você tem um single lançado em 2017 (“Tinnitus”) e o cover de Harry Styles que você disponibilizou em 2023, além de “Golden Cut”. Conta um pouco sobre “Tinnitus”, o porquê de “Satellite” e o que vem mais pela frente? O que podemos esperar de Gabi Lima para 2024?
Em 2015 eu estava trabalhando com o Lucas (Fresno) na gravação do “A Sinfonia de Tudo Que Há”, e no final do ano aconteceu a tragédia ambiental em Mariana. O Lucas me chamou para masterizar a coletânea beneficente “SOS Mariana” que ele organizou pelo selo dele, Dark Matter, e me incentivou a contribuir com uma música também. Daí nasceu “Tinnitus”, que eu gravei no Costella quando trabalhava lá, e na verdade saiu no Natal de 2015, mas lancei com clipe mais tarde no meu próprio perfil. “Satellite” eu gravei já em LA, no estúdio Fox Force Five (do engenheiro e produtor J.J. Blair) onde eu trabalho atualmente, como um presente pra minha sobrinha Manu que fez 18 ano passado, e que me ensinou a gostar de Harry Styles e Billie Eilish. Lembro que eu estava voltando de São Paulo, onde tinha ido gravar o disco da Der Baum, e ouvi “Harry’s House” pela primeira vez no ônibus Porto Alegre – Pelotas, e chorei feito criança quando começou a tocar “Matilda”. Enfim, assim como em “Tinnitus”, toco todos instrumentos em “Satellite”, no clipe dá pra ver os takes ao vivo. A Gabi de 2024 segue gravando os outros e mixando PA e Monitor em LA, e, agora que a Tanya ajudou a abrir a porteira, escrevendo de novo 😉

Pra fechar, você é de Pelotas e morou em Porto Alegre, duas cidades de um Estado que vive um desastre terrível em 2024. Como você está vivenciando toda essa situação?
É terrível o que aconteceu, e ainda está acontecendo. Chamam de desastre natural, mas de natural não tem nada. A música foi escrita justamente na praia do Laranjal, eu morava há menos de uma quadra da Lagoa dos Patos, ia todo dia com a Cusca caminhar à beira d’água ouvindo as demos, e atualmente duas das zonas mais atingidas em Pelotas foram na praia: o Balneário Valverde e a Colônia Z3. A gente tinha o lançamento todo planejado para o dia das mães, pois a música também aborda a resiliência através das gerações, as coisas que a mãe da mãe da sua mãe teve que enfrentar e superar para você poder estar aqui agora. Mas impossível fazer um post, um stories “e aí galera…!” durante tudo isso. A música já estava programada nas plataformas desde abril, só lancei porque minha mãe falou que era importante eu continuar fazendo o que eu sei fazer: música.

Como uma forma de ajudar minha terra, estamos oferecendo download em alta resolução e em mp3 para os primeiros 100 a enviarem doação em pix a partir de R$5 para envelope@gabilima.com – favor escrever seu EMAIL no corpo do pix para receber o código. Todo valor já arrecadado pela Tanya com os downloads no Bandcamp https://tanyadonelly.bandcamp.com também estão sendo revertidos em doações para Pelotas.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne. A foto de Gabi Lima que abre o texto é de Lisa Jenio; A foto de Tanya Donnely que o texto é de Naomi Yang.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.