entrevista de Homero Pivotto Jr.
O thrash alemão ou da Bay Area, nos Estados Unidos, o hardcore nova-iorquino ou de Washington DC, o som alternativo de Manchester, na Inglaterra, o punk britânico, o crust escandinavo, o rap da costa oeste estadunidense e até o famigerado rock gaúcho. Não faltam casos da relação entre música e geografia. A arte — aqui, especificamente a das sete notas — tem capacidade de manifestar anseios individuais e traços da formação de cada um como criatura pensante, ao passo que carrega também referências que remetem às raízes territoriais em que a pessoa está inserida. O quarteto Apnea, de Santos, é mais um exemplo da força que o contexto espaço/tempo exerce na formação cultural.
Segundo o baterista Maurício Alves Fernandez (mais conhecido como Boka, do Ratos de Porão, que deu uma entrevista bacana para o Scream & Yell em 2022), a ideia desde o início era reunir músicos que vivessem na cidade do litoral paulista: “Pode ser que o ambiente influencie sempre diretamente em qualquer forma de arte (…). Nosso som é influenciado pela praia e pela cidade de Santos”, afirma.
A tradição musical do município distante cerca de 85 quilômetros da capital São Paulo é notória. São de lá nomes como Charlie Brown Jr., Vulcano, Garage Fuzz e Harry. Logo, não foi difícil reunir comparsas com afinidades em comum para compor o time. Ao lado de Boka (que também passou pelas bandas Psyschic Possessor, I Shot Cyrus e Safari Hamburguers) estão o guitarrista Nando Zambelli (ex-Garage Fuzz), o baixista Gabriel Imakawa (Jerseys) e Marcus Vinícius (ex-Safari Hamburguers e ex-Bayside Kings).
Formada em 2019, a Apnea busca inspiração nos anos 1970 e 1990, costurando elementos de rock clássico, metal, stoner e indie. São influências que passam por Fu Manchu, Alice in Chains, Soundgarden, Cave In, Led Zeppelin e Black Sabbath (citando alguns dos mais conhecidos). O objetivo é fazer algo diferente das outras experiências dos integrantes: “Passei minha vida inteira tocando somente som veloz, queria experimentar outra coisa. Afinal, meu gosto é bem variado. Queria fazer um som melódico e pesado”, ressalta Boka.
Na bagagem, o novo projeto traz o EP compacto 7′ “Salt Water (parceria entre o selo Peculio Discos – do próprio Boka – e a Monstro Discos), um álbum completo, “Sea Sound” (2022), e prepara o lançamento de outro extended play chamado “Beyond City Limits”. Duas das quatro faixas que estarão no registro já foram disponibilizadas como singles: ‘Hope Springs Eternal’ e ‘Paper Cut’. Na entrevista a seguir, Boka fala sobre a criação do Apnea, direcionamento musical, o peso da cena local no trabalho, lançamentos e perspectivas para o futuro.
Por que o nome Apnea?
A gente queria algo que fosse fácil de entender em qualquer língua. A palavra aqui no Brasil tem o “i”, mas em muitas outras línguas está correta. Apnea é um nome que tem conexão com a praia, o surf, o mar, etc. Muitas pessoas confundem com a apneia do sono, mas também é o ato de mergulhar livremente sem uso de aparelhos, somente com o pulmão.
A ideia para formar a banda partiu de ti, certo? Por que a necessidade de criar um novo grupo, já que tens o RDP e já passou por outros conjuntos (como I Shot Cyrus)?
Eu passei minha vida inteira tocando somente som veloz, queria experimentar outra coisa. Afinal, meu gosto é bem variado. Queria fazer um som melódico e pesado e, ainda, ter uma banda na qual todos morassem em Santos. Aqui fica tudo mais fácil, perto etc.
E qual a pilha de fazer esse som mais “rockão”, que traz referências dos 70’s e dos 90’s, unindo referências do hard rock, stoner e alternativo?
Esse era o norte na fase embrionária: ter elementos dos anos 1970 e 1990, mas basicamente fazer um som pesado, melódico, com solos de guitarra, riffs bem rockão mesmo. É uma sonoridade que curtimos muito.
Rola muito a pecha de “a outra banda do Boka do Ratos”? Como se sente com isso?
Isso é inevitável e, também, dá uma referência. Bem como o Nando que tocou muito tempo no Garage Fuzz. Acho que atrai a curiosidade para o pessoal, pelo menos, ouvir e saber o que é. O que eu deixo sempre claro é: a banda não é “minha”! Somos um coletivo em que todos têm participação. O Apnea já conquista uma vida própria, fora da sombra das outras bandas que tocamos, agora ou no passado.
Como tem sido, até o momento, manter uma banda nova formada por veteranos no cenário atual da música independente brasileira?
O começo é difícil, mas a gente acredita na qualidade do som. Vamos divulgando como podemos e partimos para a estrada na convicção de que, em algum momento, a banda torne-se viável. E que desenvolva uma história própria com fãs ao redor do mundo.
Santos tem tradição em bandas alternativas de diversos subgêneros do rock. A cidade ganhou até um documentário chamado “Califórnia Brasileira”. Como essa efervescência cultural — no caso, musical — moldou o etos de vocês como músicos, bem como a própria sonoridade do Apnea?
Acho que a cidade influencia na sonoridade quando se monta uma banda aqui, talvez em qualquer estilo. Ainda mais se moramos aqui a vida inteira, como é o caso. Pode ser que o ambiente influencie sempre diretamente em qualquer forma de arte. Não tenho uma ideia 100% formada sobre isso, mas em linhas gerais, nosso som é influenciado pela praia e pela cidade de Santos.
Além de ti, todos os demais integrantes seguem com mais bandas? E onde o Apnea se encaixa nas prioridades de vocês, com outros projetos, compromissos da vida adulta…?
Tentamos fazer o máximo que conseguimos respeitando o espaço de cada um. Tem horas que é necessário recusar umas coisas e atrasar outras, pois temos compromissos de vida adulta. Mas, aos poucos, vai acontecendo tudo.
Vocês começaram pouco antes da pandemia. De que maneira a crise sanitária mundial impactou o corre de banda?
Acho que atrasou tudo, não foi uma exclusividade nossa por razões óbvias. Apesar desse impacto na vida do mundo inteiro, temos que seguir e superar.
O que diriam que mudou do lançamento de “Sea Sound” para o “Beyond City Limits”, musicalmente e nos processo da banda?
Uma evolução natural das composições. Acredito que já temos uma linguagem musical própria e um estilo bem definido que vai soar sempre um pouco diferente, pois as influências do som são bastante amplas.
Para a arte de capa do “Sea Sound”, por que escolheram o artista gaúcho Daniel Toledo?
Toledo se tornou um brother e, quando estava conversando com o cara sobre a banda em si, ele veio do nada com essa ideia que encaixou perfeitamente em nossa linguagem e temática. Acho, também, porque ele me conhece bastante, aí foi fácil. Ficou maravilhoso!
O material de divulgação sinaliza que vocês “fizeram questão de trabalhar com uma mulher, convidando a Muriel Curi (baterista do Labirinto) para a produção” do EP “Beyond City Limits”. A ideia é valorizar as figuras femininas que trabalham com som?
Acho que a mulher tem outra visão, outra sensibilidade e, com certeza, a Muriel trouxe isso para a mixagem e produção dos sons. Ela é uma grande profissional que criou uma atmosfera maravilhosa pra músicas
Os integrantes são do meio punk/hardcore, embora, no Apnea, façam um som mais puxado pro stoner/alternativo. Como percebem a recepção da galera do punk/hc para o trampo de vocês? E quais referências do estilo, e do próprio meio hardcore, reverberam no trabalho da Apnea?
Tem muita gente, assim como eu, que tem um gosto amplo. Outras, mais restrito. Enfim, não dá pra saber, mas no geral os comentários sempre são bastante positivos.
O que tem pela frente neste ano? Um novo álbum completo está nos planos?
Vamos lançar as quatro músicas de maneira digital e, depois, o EP “Hope Springs Eternal” será editado em vinil 10´ numa parceria com a Neves Recs e a Fuzz On Discos. Além disso, fazer show para divulgar esse material agora está nas nossas metas.
– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal. A foto que abre o texto é de Fabiano Pereira