entrevista de Nathália Pandeló
O documentário “VERISSIMO” (2024), dirigido por Angelo Defanti, retrata os dias que antecedem o 80º aniversário do renomado escritor Luis Fernando Verissimo, em setembro de 2016. O filme, produzido pela Sobretudo Produção, Lacuna Filmes e Canal Brasil, teve uma pré-estreia na Mostra Competitiva de Longas Brasileiros do Festival É Tudo Verdade, e agora chega de fato às salas do país.
Assim como a maioria dos brasileiros, Angelo Defanti está bem familiarizado com o universo de Verissimo. Mas, diferente da maioria, já havia tido o privilégio de adaptar sua obra em 2022 no filme “O Clube Dos Anjos”, além de dirigir os curtas “Feijoada Completa” (2012) e “Maridos, Amantes e Pisantes” (2008), baseados em contos do escritor gaúcho.
No documentário “VERISSIMO”, Defanti agora mergulha não apenas na obra literária, mas na vida íntima do escritor, acompanhando-o durante 15 dias antes de seu aniversário de 80 anos. O filme revela a dinâmica familiar de Verissimo e sua rotina, capturando mais de 100 horas de material para construir 90 minutos de história. A produção busca mostrar um lado menos conhecido do escritor, contrastando sua persona pública com sua vida privada, especialmente em relação à sua timidez em oposição à extroversão de sua esposa, Lucia.
Através de uma abordagem tranquila, o filme busca explorar como o ambiente familiar influencia a criatividade do autor. O silêncio é o modus operandi de Verissimo, mesmo em casa. Os familiares, aliás, vivem em torno do patriarca – o que rende cenas como Luis Fernando tentando ler um livro da peixinha Dory, do universo Pixar, para o neto Davi; e se deixando fantasiar pela neta Lucinda, em um faz de contas tão passivo quanto sua torcida para o Internacional.
O caráter observador do filme coloca quem assiste na posição de um voyeur, no melhor dos sentidos. Trata-se de uma inocente espiadinha no cotidiano de um senhor de quase 80 anos (hoje, já caminhando para 90!), cuja rotina inclui exames, remédios e fisioterapia – que, por acaso, é um dos autores mais consagrados do país e cuja apresentação é dispensável.
Já Angelo Defanti trilha uma trajetória que vem se destacando no audiovisual brasileiro, tendo trabalhado como roteirista de “O Caso Evandro”, série de true crime do Globoplay. Ele dirigiu ainda um total de sete curtas-metragens e um filme. “VERISSIMO” é o seu primeiro documentário longa-metragem, estreando no circuito em 02 de maio de 2024.
Verissimo tem tido a obra celebrada com antologias e homenagens, como deve ser! Mas suas crônicas já são velhas conhecidas do público, que agora ganha novas oportunidades de degustá-las. O seu filme, de certa forma, soma a esse coro, porém com o ineditismo da proximidade de um escritor pacato. O que você espera apresentar ao público sobre Verissimo da forma que nunca foi vista antes?
Talvez o que mais salte no filme seja a intimidade rara que alcança com o Verissimo e sua família. Apesar de se restringir a um olhar paciente sobre um escritor, sem a inclusão direta de sua obra, diria que justamente por isso é possível expandir o universo literário verissiano com o documentário. A persona pública de Verissimo sempre encaixou pelo contraste com seus textos. São polos tão opostos que tornam-se parte da admiração. O escritor monossilábico, pacato e pouco articulado que articula histórias vivazes, num humor muito particular e sempre surpreendentes. A ampliação proposta no filme é ver tanta introspecção em ação, de qual universo Verissimo colhe sua inspiração e de qual vivência emergem os cotidianos que tratam. Caso vivesse isolado na montanha, por certo não seria o escritor que conhecemos. Boa parte do documentário se dedica a expor como Verissimo observa.
Você descreve Verissimo como uma espécie de “anti-personagem”. Quais foram os maiores desafios ao conseguir mostrar nuances em seus dias aparentemente monótonos?
Esse é um filme que se inicia sem saber se haverá um filme ao final. Sendo Verissimo um anti-personagem, havia todo risco deste se tornar um anti-filme. Como, portanto, transformar inação em algo admirável? O que aprendi cedo nas filmagens é que sua timidez é tão sincera que ela se transforma em excesso. E excesso é uma dos elementos mais ricos no cinema. O documentário, então, registra um excesso de introspecção tão grande que se torna admirável. Sua inibição é tão colossal que se torna fascinante. Verissimo é tão anti-personagem que se torna um protagonista mesmo calado.
A introversão de Verissimo é amplamente conhecida – provavelmente, para seu desgosto! Algo me diz que você, como admirador do trabalho do escritor, já sabia disso. O que mais lhe surpreendeu ao passar tantas horas em sua companhia? E o que fica para você, de memória afetiva, desses momentos?
Minha relação com o Verissimo já vinha de alguns anos antes das filmagens, nasceu quando o abordei para adaptar o livro “O clube dos anjos” em um filme de ficção, que acabou lançado em 2022. Dessa forma, tinha conhecimento da introversão e o que me interessava era colocá-la em perspectiva com os outros integrantes da família, notórios extrovertidos. Por mais que já soubesse, testemunhar o amor genuíno entre avô e neta era sempre a parte mais terna dos meus dias de filmagens. Um era verdadeiramente o centro da vida do outro, numa interação sem nenhuma dificuldade, apesar dos mais de 70 anos de diferença entre eles. E é sempre melhor ver do que ouvir dizer. Ainda que tudo isso pudesse ser dito num depoimento, a linguagem do filme permite que o público também experiencie este afeto da mesma maneira que eu. Luis Fernando e Lucinda se amam como poucas duplas. O filme é um convite a conhecê-los.
Nathália Pandeló é jornalista que cobre música desde 2010. Colabora com veículos como Tenho Mais Discos Que Amigos e Música Pavê, escreve a newsletter Imagina Só com ensaios pessoais e cobre séries e cinema para o Série Maníacos.