entrevista de Bruno Moraes
Com um imenso litoral de praias oceânicas, somadas às praias de água doce, o Brasil tem uma relação muito forte com as águas. Essa proximidade se faz presente no turismo interno, na gastronomia, na religiosidade e, claro, na música. Inicialmente uma banda de covers do surf-rock estadunidense, a banda As Aventuras, natural de Porto Alegre, começou a expandir tanto os covers quanto as composições autorais para abraçar essa imensa diversidade de relações sonoras com as águas em seu som instrumental.
A banda incorporou múltiplas brasilidades em seu delicioso EP de estreia “Mulher-Panthera” (2019), assim como no repertório dos shows, que inclui covers de bandas como Astronauta Marinho (Fortaleza) e Pata de Elefante (Porto Alegre). Após um desses shows, no Psicodália 2024, o Scream & Yell conversou com Nati Schmitz (guitarra), Aline Araújo (teclado) e Gabriel Sacks (bateria) sobre a trajetória da banda, o processo de concepção do “Mulher-Panthera” e as muitas formas de se fazer surf-rock.
Como é estar tocando no Psicodália pela primeira vez? Vocês deram uma palhinha da emoção ali no palco, mas se vocês puderem contar pra quem lê o Scream & Yell também…
Aline Araújo: Olha, eu já estive (no Psicodália) como público e agora estar no palco é um sonho! É maravilhoso para a gente ter esse espaço, e um público tão atento. As pessoas vêm aqui para escutar música, para conviver, para passar diversos dias aqui. Então, ter esse momento em que as pessoas não estão no celular, mas estão aqui pela vivência mesmo, pela troca com as bandas… E mesmo conhecendo bandas! É um momento em que a gente consegue expandir bastante o nosso público. Porque a gente sai daquele nosso lugar da cidade, da bolha. Então a gente consegue chegar em mais pessoas, ter um público atento, e estar num palco que é uma referência. É superespecial.
E tem uma história divertida do nome da banda, né?
Nati Schmitz: Isso! A gente começou como uma banda cover de surf music, dos “The Ventures”. Então era “Os Aventuras”. Na época era uma banda mista também. Guri e guria. E depois virou “As Aventuras” porque a formação ficou só feminina. E agora, enfim, mantivemos o nome, mas o Gab entrou oficialmente na bateria, no time “As Aventuras”.
Aline Araújo: Somos três mulheres, e ele.
É muito legal ter bandas que dão essa ênfase em um instrumental feito por mulheres. Infelizmente no cenário da música brasileira a gente ainda tem um viés de “mulheres no vocal”, com instrumentistas mulheres ficando um pouco menos em destaque. E vocês fazem uma sonzeira!
Aline Araújo: Sim, a gente espera inspirar outras mulheres também a ter banda, a subir no palco também. Se reunirem, fazerem um som. Carregar instrumento, tem essa parte também. Suar…
É o crossfit da música, né?
Nati Schmitz: É! O treino está pago! (risos)
Vocês começaram no surf rock para, depois, absorverem a nossa “música de surf”, a nossa música de praia. Então, tem sonoridades meio da guitarrada, tem levadas muito legais de samba, samba-rock… Que são coisas que remetem ao nosso litoral brasileiro, e isso é muito bacana. E eu queria que vocês comentassem um pouco essa jornada.
Aline Araújo: Quando a gente começou por esse caminho de fazer as nossas próprias músicas, a gente não estava muito preocupada com estilo. Claro, a gente estava com os dois pés na música instrumental, mas a gente tem uma liberdade composicional muito grande. Então acho que foi aflorando referências que a gente já tinha…
Nati Schmitz: Cada um trazendo um pouco das suas referências.
Aline Araújo: Exato! As composições são todas coletivas também. Então isso foi um pouco natural. Só que coisas fizeram sentido depois ainda das composições terem sido feitas. Por exemplo: a gente teve no ano retrasado uma ida para o Pará. E, justamente, você estava comentando da guitarrada, e quando a gente viu, o pessoal estava dançando numa lambada ao nosso som! Daí caiu a ficha de como era aquele balanço, assim… Então a gente vai encontrando, com esse tempo de palco, de trajetória de banda, a gente vai calcificando ainda mais essas referências todas que a gente tem. E sempre trazendo muito para o rock, misturado com isso tudo.
A onça-pintada, a nossa pantera brasileira, é um felino que nada bastante! Então tem também essa coisa da água, que combina com o som de vocês. Vocês podem falar um pouquinho mais sobre o EP “Mulher-Panthera”?
Gabriel Sacks: Eu entrei na banda a partir de 2022, depois que as gurias já tinham gravado o disco. Mas a minha companheira, Lidia [Brancher], é designer gráfica, e ela participou de todo o processo de criação do projeto gráfico do disco, junto com a Carol Rosa também. Sempre fui muito fã das gurias. Sempre estive na volta ali, e na hora que deu a brecha e o convite, eu não hesitei! (risos)
Aline Araújo: E a Lidia tinha um desenho lindo que é uma mulher com uma cabecinha de pantera. Ela é meio em 2D, né? Mas ela tem um glitch assim, é um desenho bem bacana. E toda a identidade do disco foi permeando essa mulher meio bicho, meio selvagem. Sabe, uma figura assim, diferente.
Nati Schmitz: E o nome das músicas também.
Aline Araújo: É! A narrativa foi se construindo de uma maneira bem natural. E a arte casou muito, porque as músicas que a gente estava compondo já tinham nomes de mulheres. As músicas do EP são “Mariana”, “Leci vai à praia”, “Carola”, “Irmã Rosetta”. E essa é a história do disco!
Nati Schmitz: E tem muito a ver também com mulheres que são referências para nós!
– Bruno de Sousa Moraes migrou das ciências biológicas para a comunicação depois de um curso de jornalismo científico. Desde então, publica matérias sobre ecologia e conservação da biodiversidade, e está se arriscando pelo jornalismo musical. A foto que abre o texto é de Elizabeth Thiel