faixa a faixa por Heitor Humberto
Muito mais do que ir de um lugar a outro, o deslocamento tem o hábito de nos colocar nessa dimensão em que o tempo e o espaço estão suspensos. O novo álbum d’A Banda Mais Bonita da Cidade busca traduzir essa sensação. Há várias pistas (em todos os sentidos) espalhadas ao longo de suas oito faixas – um número simbólico para uma obra que conclui que todo o movimento é circular.
De cima do mundo, a Banda viu o tempo. E só quem esteve por lá é capaz de confirmar que “O Futuro Já Está Acontecendo” (2024), nome do quarto disco do quinteto curitibano, que chega sete anos após “De Cima do Mundo Eu Vi o Tempo” (2017) – nesse intervalo, alguns integrantes apostaram em projetos solo, como “Montada Em Seu Cabelo”, disco da vocalista Uyara Torrente lançado em 2023.
“O Futuro Já Está Acontecendo” é um álbum que apresenta a calma e a serenidade de quem desvendou alguns mistérios e passou a ver leveza não só na alegria dos encontros, mas também no inevitável vazio após as despedidas apostando em uma sonoridade etérea e na suavidade de timbres Sintetizadores noventistas, arranjos de orquestra, solos épicos, referências orientais também estão à serviço da viagem.
O movimento pelo tempo e pelo espaço costura todo o disco. A gente quer ficar com quem quer ficar. A gente quer partir com quem quer partir. Do contrário, a solidão também não é de todo o mal. Há quem apareça apenas para uma visita, mas que não queira se ancorar, mesmo que a gente peça pra ficar um pouco mais. Tudo bem. Novamente, o movimento aparece como resposta: sou eu quem vou embora procurar verdades aonde ainda não fui.
Além de Uyara Torrente na voz, A Banda Mais Bonita da Cidade conta com Luís Bourscheidt (bateria e percussão), Vic Vilandez (baixo), Eduardo Rozeira (guitarras, violões, baixo, beat e voz) e Vinícius Nisi (piano, sintetizadores, baixo e beat). Abaixo, o jornalista e radialista Heitor Humberto comenta o disco, faixa a faixa!
01. Teu chá (Léo Fressato)
Novos inícios podem dar vertigem – tipo aquele frio na barriga antes de entender que para começar a voar é preciso primeiro saltar no desconhecido. É um risco. Mas a hesitação fica mais suave quando aparece alguém para voar o nosso voo com a gente. A música “Teu Chá” é justamente esse primeiro passo, abrindo o novo disco d’A Banda Mais Bonita da Cidade. A composição é de um antigo companheiro de inícios e reinícios: Leo Fressato, sempre disposto a dançar, subir montanhas e atravessar o mar. Juntos mais uma vez, tornaram-se pai e mãe – ou pai e pai ou mãe e mãe – dessa parceria que materializa um novo sonho. Preste atenção na melodia conduzindo o convite. Quando você o aceitar, já terá se deparado com as delícias desse voo.
02. Dias de Ui (Amora Pera)
O amor tem esse traiçoeiro hábito de nos preencher, na mesma medida em que revela e nos faz descobrir o tamanho do vazio que existe sem ele. A Banda Mais Bonita da Cidade traduz essa dualidade já nos primeiros segundos de “Dias de Ui”, com um efeito sonoro reverso que prenuncia o atropelo que está prestes a acontecer. A composição é de Amora Pera que, tendo amor no nome, tem habilidade suficiente para sintetizar o que tanta gente tenta dizer. De um lado, dá um mundo. De outro, faz nascer uma gruta. Gera ouro, mas também chacina. Com um instrumental de arrepiar e um solo épico, a canção não nos deixa fugir da conclusão: mesmo com seus uis, o amor é grandioso. E somos obedientes a ele.
03. Calma (Julia Ortiz)
Tem gente que se acalma vendo o mar. Tem quem busque a tranquilidade com maracujá, lexotan ou meditação. Mas às vezes, tudo que a gente precisa é assistir ao carnaval pela TV, bebendo um café de um real junto de alguém especial. A Banda Mais Bonita da Cidade encontrou essa paz na canção “Calma”, composição de Julia Ortiz que ganhou um arranjo sereno, elegante e preciso. A sonoridade costura perfeitamente as imagens cantadas por Uyara Torrente em uma interpretação irresistível, que nos dá vontade de sentir exatamente aquela mesma sensação. Ser feliz pode ser simples, como deitar cedo, mas só dormir quando amanhecer. E ouvindo essa canção, fica ainda mais fácil.
04. Peraí (Larie Tavares)
Em tempos em que o tempo acelerou, é preciso coragem para ter paciência. Aquela coragem que atravessa o mar e que espera o Sol abrir – dentro e fora do peito. Enquanto o tic tac está mais pra tik tok, o relógio parece parar ao som de “Peraí”. O sorriso na voz de Uyara cantando é um verdadeiro convite ao sossego e à tranquilidade nessa composição de Larie. Em um misto de sonoridade oriental e sintetizadores, camadas de guitarras e vozes sampleadas, a atmosfera criada pela Banda remete a tempos noventistas, quando a paciência parecia mais fácil. Então peraí, dá o play e fica mais um pouco aqui.
05. Talhamar (Eduardo Rozeira)
No mar, a velocidade se mede em nós – pergunte pra quem foi navegar. Em terra firme, outras coisas se medem em nós – pergunte pra quem ficou. Diferentes sentidos para nós. “Talhamar”, composição de Eduardo Rozeira, mergulha no eterno dilema entre ancorar em um porto seguro ou se entregar à solidão imprevisível das correntezas. Nesse lamento marítimo, os sons vêm de todos os lados, como se fôssemos ilhas rodeadas por águas calmas, mas também torrentes turbulentas. Enfim, alguns nós desatam. Algumas partidas machucam. Mas o mar sempre cura.
06. De Visita (Naluz)
Algumas pessoas aparecem na nossa vida apenas de visita. Até aceitam entrar, mas não permanecem, não participam do presente e tampouco vislumbram o futuro. No fim, é como se não estivessem estado. “De visita” brinca com as palavras em uma composição que traduz a sensação do vácuo. É um belíssimo casamento entre letra e melodia, num jogo infinito de preenchimentos e vazios que tende a se repetir – na música e fora dela. Ou seja, novas visitas virão, novas despedidas também. Não vai desacontecer.
07. Promissões (Klüber)
“Vou compor um hit e odiar esse hit”. “Promissões” costura uma coleção curiosa de promissões e resoluções. Uma valsa crescente, envolvente, repleta de quereres e desejos futuros, com um arranjo que revela camadas a cada novo verso, a cada nova promessa criada no universo da compositora Klüber. É ela quem acompanha a vocalista Uyara Torrente nesse dueto de arrepiar, sobre emancipar o olhar e resenhar a vida. Um hino poético para novos inícios. Promissão cumprida: definitivamente um hit.
08. Luz e Lugar (Julia Branco e Juliano Holanda)
É bonito demais pensar que é a bandeira que dá vida ao vento, não o contrário. Taí uma imagem que nos convida a desacostumar o olhar. Não poderia haver uma música mais simbólica para encerrar o disco do que “Luz e Lugar”, de Julia Branco e Juliano Holanda. É tão simbólica que o refrão acabou batizando o álbum: “O Futuro Já Está Acontecendo”. Afinal de contas, todo movimento é circular e a gente nunca sabe por onde começar. Bom, que tal começar convidando o próprio futuro para cantar em um coro emocionante? Ouça para entender e descubra onde essa melodia vai dar.
– Heitor Humberto é jornalista e locutor da Mundo Livre FM. Ouça no link! A foto que abre o texto é de Lubi Meirelles