entrevista de Bruno Capelas
Um perfil no Instagram que também é editora, que tem uma newsletter, um canal no Discord e um podcast ainda inédito, mas também oferece cursos livres com artistas para estimular a criatividade. Essa é a Seiva, nova empreitada de dois nomes tarimbados do mercado editorial nas últimas décadas no Brasil: Daniel Lameira e Adriano Fromer. Individualmente ou em dupla, eles foram responsáveis por estabelecer editoras como Aleph e Antofágica, que colocaram clássicos da ficção científica e de todo o mundo na mão de muita gente pela primeira vez. Agora, estão de volta com uma proposta diferente.
“Queremos impulsionar as pessoas a viver o mundo da arte, viver de forma mais criativa e se dar a liberdade de criar o que deseja”, explica Lameira, em uma entrevista rápida via WhatsApp para o Scream & Yell. “Nossas experiências até hoje foram com livros e cursos, mas sinto que para de fato chegarmos mais próximos dessa realizar nosso propósito temos que fazer algo mais. Sem tentar encaixar em termos, somos algumas pessoas tentando dividir e impulsionar a paixão pela arte e pelo ato de criar.”
O primeiro passo dessa jornada começou no ano passado, com o lançamento da Aurora, uma newsletter diária sobre criatividade. Depois, veio uma central de cursos, lançada com uma cadeira de Lourenço Mutarelli sobre processos criativos – inicialmente disponível de forma gratuita, hoje à venda no site da editora por R$ 97. Nomes como o quadrinista Rafael Coutinho, a editora Bárbara Prince e o próprio Lameira também oferecem aulas no site.
Na primeira semana de abril, chegou às livrarias o primeiro título da editora: “Arte e Medo”, dos americanos David Bayles e Ted Orland. Inédita no Brasil, a obra passou anos no underground, até começar a ser incensada recentemente por gente como Austin Kleon, autor do best-seller “Roube como um Artista”. “É a apresentação perfeita [da editora]. Antes de lançarmos obras e cursos que tragam referências, técnicas, aprofundamentos, é um livro que tem algo que vejo como o núcleo do ato de criar: enfrentar nossos próprios medos de fazê-lo”, conta Lameira.
Afinal, o que é a Seiva? É escola, é comunidade, é editora – ou um quarto continente à sua escolha? E de onde nasceu esse ímpeto e esse formato?
Daniel Lameira: A Seiva nasce desse propósito anterior à execução: queremos impulsionar as pessoas (e nós mesmos) a viver o mundo da arte, viver de forma mais criativa, se dar a liberdade de criar o que deseja. A partir dessa vontade, começamos a tentar dar materialidade a isso. Nossas experiências até hoje foram com livros e cursos, mas sinto que para de fato chegarmos mais próximos dessa realizar nosso propósito temos que fazer algo mais. Isso se mistura com uma outra grande paixão, os conteúdos online. Como entrar nesse front da internet e nos juntarmos a outras pessoas tão legais, como vocês por exemplo, que tentam usar essa ferramenta para o bem das pessoas! Então, dentro das nossas capacidades, pensamos em algumas frentes: a Aurora, uma newsletter diária sobre criatividade; um podcast de entrevistas com artistas que está sendo gravado; um Instagram que não seja focado em propaganda de produtos, mas tenha uma editora própria; e um canal no Discord. Então, o que é a Seiva? Na realidade, sem tentar encaixar em termos, somos algumas pessoas tentando dividir e impulsionar a paixão pela arte e pelo ato de criar.
Acompanho tua carreira há mais de uma década, da época que a Aleph estava relançando todos os clássicos de ficção científica até a criação da Antofágica, que lançava clássicos… de todos os gêneros. Como essas experiências te ajudam a chegar no que é a Seiva? E quem é o público-alvo dessa nova editora?
Vejo uma semelhança nesse trabalho que fiz na Aleph e na Antofágica com o da Seiva. Em todas, tentei achar formas de mediar algo que pode parecer difícil ou distante, mas que, no fim, são criações completamente humanas. Seja na Aleph, mostrando que ficção científica não está falando só de robôs, naves e ETs, mas sobre nossa condição humana. Seja na Antofágica, mostrando que os clássicos não precisam ser tão sacralizados e que são histórias para todos lermos. Agora, com a Seiva, sinto que dou um passo a mais em direção ao núcleo dessa vontade. Por um lado, é, como nos outros casos, um esforço para dessacralizar a arte e tentar criar mediações para trazer essas criações a um público maior. Mas por outro lado, o mais difícil – e digo isso porque também reverbera pessoalmente em mim e em outras pessoas da equipe – entregar ferramentas para mostrar que nós todos também podemos criar arte e dividir com o mundo.
Ao mesmo tempo, dado que são experiências bem sucedidas comercialmente, como é deixá-las para trás e seguir adiante com um novo projeto? E como é ter parceiros de jornada, como o Adriano Fromer, te acompanhando nessa nova empreitada?
Foi dolorido deixar essas outras empreitadas porque foram experiências profundas pra mim, que envolveram pessoas e vivências que me marcaram muito. Só de olhar o catálogo e as capas de cada uma, são centenas de histórias e relações, de paixão e dedicação. Mas tenho muito orgulho do que fiz e fico muito animado também vendo elas seguindo seus caminhos, todas lideradas e com equipes das quais sou amigo e admirador! Ter o Adriano, também sócio da Aleph, junto na Seiva, tem sido uma felicidade. É uma pessoa maravilhosa, um grande amigo, também extremamente sensível, e que tem propósitos e sensibilidades comuns. E, claro, um profissional que me ensinou e me ensina muito até hoje, com muitas experiências complementares em áreas que eu nunca havia atuado.
Pra gente fechar: “Arte e Medo” é o primeiro livro que vocês estão lançando. Por que ele é importante? E por que começar justamente com ele para dar o primeiro passo no lado editora da Seiva?
Esse foi o quinto livro que contratamos para a editora, mas decidimos que seria o primeiro a ser lançado porque acho que ele é a apresentação perfeita. Antes de lançarmos obras e cursos que tragam referências, técnicas, aprofundamentos, é um livro que tem algo que vejo como o núcleo do ato de criar: enfrentar nossos próprios medos de fazê-lo. Todos outros movimentos decorrem desse, então trazer essa discussão primária para apresentar nossa empreitada foi uma decisão simbólica e narrativa da marca que eu fiquei muito feliz de ser possível.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.