texto de Bruno Moraes
fotos de Ivana Cassuli
vídeos: Marcelo Borges (shows) e Rodinei Silveira (depoimentos)
DIA 2 – 10 de fevereiro de 2024 – Sábado
Saiba como foi o Dia 1 / Dia 3 / Dia 4 / Dia 5
O sol sobre as barracas garantiu que o segundo dia de festival começasse cedo, apesar das poucas horas dormidas. Hora de passear pela fazenda e ver a dimensão do pequeno mundo que é o Psicodália. Em frente à tenda do Cine Dália, ainda pela manhã, era possível ver a visita das viaturas da Polícia Militar, fazendo ronda pelas áreas de camping e acompanhadas de carros do Conselho Tutelar. A visão das viaturas foi uma constante durante o 21º Psicodália, aparecendo pelo menos uma vez por dia, acompanhadas ou não dos carros do Conselho Tutelar. Apesar de incômodo, o contraste entre as forças policiais armadas e o clima carnavalesco e cordial do festival não foi o bastante para contaminar a atmosfera geral de paz, como pode-se ver na caravana que passou logo após a viatura, saindo da Oficina “Vivência em Perna de Pau” ministrada pelo Coletivo Peraltas (fotos acima).
No final da tarde, Rúbia Divino abriu o Palco Lunar com voz e música potentes, trazendo uma ampla gama de ritmos afrobrasileiros como maracatu, samba e o baião com uma pitada de jazz. A versatilidade sonora vinha também com um repertório vasto de letras, cantando tanto sobre situações cotidianas como trazendo uma forte espiritualidade devocional que é inseparável de uma música que resgata tantas raízes da brasilidade. Com simpatia e carisma, Rúbia parecia abraçar a plateia com seu canto. Acompanhada de uma banda extremamente versátil, a cantora carioca radicada no Paraná deixou a plateia em um tom celebratório, importante para aguentar o peso de quem viria em seguida no palco.
Assistir a uma apresentação de Mateus Aleluia é um vislumbre de algo muito maior e mais sublime do que o pesado mundo da matéria. O que se ecoou entre as pessoas durante os dias que se seguiram à apresentação intimista do lendário cantor-compositor e pesquisador musical baiano, foi que aquela apresentação não foi um mero show. Sua presença suave, além do repertório que misturava clássicos de sua extensa carreira a faixas do projeto “O Afrocanto das Nações”, que resgatou músicas e ideias de diversos povos do continente africano, davam ao acontecimento a apoteose de uma celebração religiosa. Independente da fé de quem assiste, Mateus Aleluia convida o ouvinte a contemplar a sabedoria ancestral, a força de Orixás, Loas e culturas inteiras, apresentadas com a delicadeza de sua voz grave e instrumental potente.
Logo depois, Ava Rocha trouxe o ânimo e a teatralidade de alguém que, segundo a própria, está “sempre em carnaval”. Com interação constante e enérgica com o público e o uso de fantasias, a cantora entregou um show extremamente empolgante e alegre, um contraste com o clima meditativo deixado por Aleluia. Do meio para o fim, Ava cantou com um enorme barco de papel na cabeça como um chapéu, do qual despejavam lantejoulas brilhantes, um ato tão carnavalesco quanto surrealista. Encerrando o show com a clássica “Conselho”, de Almir Guineto, Ava lembrou a plateia de que as pessoas que pisam naquele palco carregam consigo uma longa tradição do cancioneiro nacional. As bases da música do amanhã estão enraizadas em vergalhões que se fincam na sólida argamassa do passado.
É também com esta conexão entre a música do futuro (e por que não dizer música futurista) que Juçara Marçal encerrou o segundo dia de festival apresentando as canções do excelente “Delta Estácio Blues”. Partindo de um encontro imaginário entre o mítico bluesman Robert Johnson e o trio de Bambas do Estácio (Baiaco, Bide e Ismael Silva), Juçara, seu parceiro de longa data Kiko Dinucci e outros músicos convidados compuseram um álbum caótico, carregado de sintetizadores e equipamentos eletrônicos analógicos, samples e vocoders. O espetáculo dedicado a trazer o disco para o palco consegue superar em potência o que, no estúdio, já parecia insuperável. Com a altivez e talento múltiplo de uma professora, Juçara levou o caos potente da megalópole paulistana para a pequena Rio Rufino, encerrando as atividades do Palco Lunar com uma forte “madeirada”. O segundo dia chegava ao fim, mas tem mais, muito mais pela frente.
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– Bruno de Sousa Moraes migrou das ciências biológicas para a comunicação depois de um curso de jornalismo científico. Desde então, publica matérias sobre ecologia e conservação da biodiversidade, e está se arriscando pelo jornalismo musical.
Quem vai uma vez volta sempre. Psicodalia faz a gente acreditar que o mundo tem concerto