texto de Renan Guerra
Num momento em que o consumo de música é cada vez mais veloz e que o single de hoje é esquecido na semana seguinte, é muito simbólico que uma banda eletrônica de spoken word consiga se manter por mais de 20 anos na ativa e lançando trabalhos significativos para seu público. Esse é o caso do NoPorn, projeto de Liana Padilha criado ao lado de Luca Lauri, que permaneceu até 2018; atualmente o parceiro de Liana é Lucas Freire. Na saideira de 2023, o duo lançou “Adoro DJs”, disco de remixes que celebra os 20 anos da banda (comemorados em 2022) e que conecta o projeto com diferentes nomes da cena eletrônica alternativa brasileira.
Para entender o NoPorn é preciso voltar no tempo: no início dos anos 2000, Liana e Luca tocavam nas boates de São Paulo com um casamento aparentemente simples, mas bastante especial: as classudas bases eletrônicas de Luca e as declamações poéticas de Liana. Um texto de 2006 da Folha de S. Paulo, quando do lançamento do disco de estreia do duo, dizia que o “No Porn não tem nada a dizer […] As canções têm letras desgastadas, que não são inteligentes, não são engraçadas, não são sexy… São um punhado de citações e jogos de palavras que tentam ser espertas, mas não têm alcance”. E é curioso como o tempo se encarregou de criar os encontros das canções com os seus ouvintes: se o NoPorn começou no underground de São Paulo e não foi lá muito bem-quisto pelos jornalistas dos cadernos de cultura, por outro lado a banda foi abraçada pelo universo da moda, se tornou referência para uma geração de criadores e, através da internet, chegou aos mais diferentes ouvidos pelo país, sendo uma referência fundamental de liberdade para uma série de pessoas LGBTQIA+.
Dessa forma, o disco “NoPorn” (2006) se transformou em um clássico cult para clubbers & fashionistas, porém o duo não ficou refém do tempo, e de lá pra cá lançou uma série de excelentes álbuns – chegamos a conversar com a banda quando do lançamento de “Boca”, em 2016, e depois resenhamos “Sim”, lançado em 2021, ainda durante a pandemia. Já em 2022, a banda lançou “Contra Dança” e é sobre o repertório desses quatro discos que uma série de artistas trabalhou em “Adoro DJs”. E aqui a lista é bem ampla: o hit “Baile de Peruas” ganha novo compasso na mão de BADSISTA, produtor musical e DJ que já trabalhou ao lado de nomes como Linn da Quebrada e Jup do Bairro e que lançou o excelente disco “Gueto Elegance”, em 2021. “Xingu”, outro clássico underground, ganha tons de house e synthpop na mão de Las Bibas From Vizcaya, DJ, produtora e drag queen com mais de 30 anos de carreira e nome fundamental da cena eletrônica LGBTQIA+.
“Geléia de Morango” ficou na mão do duo CyberKills, conhecido por seu trabalho ao lado de artistas pop como Pabllo Vittar e Mia Badgyal, e que aqui injeta batidas pesadas, que remetem ao trance, dando outra cara para narrativa noturna de Liana Padilha. Já a DJ BA$$AN turbina a faixa “Adoro DJs” com batidas de funk; inclusive, a canção-título do disco ainda ganha também um remix veloz de Entropia-Entalpia, que remete ao jungle e ao drum’n’bass e outro remix absurdamente poderoso produzido por Alírio, Guza e Mari Herzer – essa última é dona do excelente disco “Cheia” (2022), lançado pela MAMBArec. Já a canção “Baba Bombom”, do disco “Sim”, ganha novas camadas na mão de Andrea Gram, nome fundamental da cena techno no Brasil desde o início dos anos 90. Além dos citados, ainda temos remixes de Gabto, DUPLA 02, Rico Jorge, Cassius A. FKOFF1963 e Baroque Angel.
Todas essas colaborações criam um interessante mapa do underground das noites paulistanas desde os anos 90 até os dias atuais, misturando nomes naturais da cidade e outros tantos que encontraram nas ruas da capital o seu espaço sonoro e criativo. Além de todos esses artistas, ainda vale citar aqui a arte gráfica de “Adoro DJs” criada por Luccas Morais, designer e artista visual que cria um universo imagético bastante próprio tanto em espaços físicos quanto virtuais, através de performances, de suportes têxteis e de estamparia – deem o play em “Adoro DJs – Alírio, Guza e Mari Herzer Remix” e vejam no visualizer da canção um pouco dessas possibilidades artísticas criadas por Luccas.
“Adoro DJs” acaba sendo um disco de remixes que reforça a importância do NoPorn para a música eletrônica brasileira, conecta o trabalho da dupla com uma série de artistas fundamentais para a diversidade da cena underground brasileira e possibilita que novos ouvintes se conectem com esse universo único de hedonismo, liberdade e gozo proposto pelo NoPorn. Dê o play com o volume bem alto!
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.