por Herbert Moura
O pianista paulistano Henrique Gomide, que vive há quase dez anos em Colônia, na Alemanha, está em constante atividade com seu trio instrumental Caixa Cubo, trio de jazz moderno que ainda conta com João Fideles (bateria) e Noa Stroeter (baixo, baixo elétrico), e também já acompanhou bambas como Mateus Aleluia e Guinga. Agora, Gomide se aventura solo com “Portais”, um disco em que o pianista presta sua homenagem a grandes nomes da música brasileira ao piano solo.
Entre os arranjos, Gomide incluiu interlúdios autorais, pequenas miniaturas improvAisadas. ‘’Elas são como descarregos inevitáveis de criatividade de um pianista que é também autor. Fragmentos da intensa inventividade do Henrique ao piano, cujas mãos estão sempre lançando ideias espontâneas’’ conta o produtor Lourenço Rebetez.
Um dos compositores homenageados por Henrique em “Portais” é Egberto Gismonti, que é representado no álbum por três faixas: “Loro”, “Palhaço” e “Frevo”. ‘’A obra de Gismonti sempre me inspirou desde criança. Ter escutado ele tocar as peças do seu álbum ‘Alma’ em 2009 no Teatro Municipal de São Paulo me marcou tão profundamente que, quase quinze anos depois, ainda sinto que aquela experiência está reverberando no meu inconsciente e me apontando direções a seguir. Quando decidi homenagear alguns mestres no meu primeiro álbum solo, Gismonti foi o primeiro nome que me veio à cabeça, pela contribuição imensurável que ele deixou para o piano brasileiro’’, conta o pianista.
Outro pianista homenageado na estreia solo de Henrique é Ary Barroso (1903-1964), que teve o clássico “Na Baixa do Sapateiro” revisitado pelo pianista. ‘’Ary não foi só o pai da canção brasileira como também um ótimo pianista, o que nem todo mundo sabe. Por isso, pensei que ele não poderia ter ficado de fora desse repertório’’, justifica.
Gomide também se debruça sobre a obra de um dos principais modernizadores da música do Brasil no início do século 20, Garoto, considerado como o “pai do violão moderno brasileiro”. Dele, o jovem pianista apresenta sua versão de “Jorge do Fusa”, interpretada em sete por oito, um compasso pouco usual no choro. Gomide se especializou na obra de Garoto, que foi tema de seu mestrado na Holanda. O pianista lançou pelo IMS-Sesc o songbook “Choros de Garoto”, e foi um dos diretores do documentário “Vivo Sonhando” (Lente Viva Filmes), premiado no Canal Curta!.
De outro violonista, Baden Powell, (1926-2006), em parceria com o poeta Vinicius de Morais (1913-1980), Gomide resgata ‘’Canto de Xangô’’, um clássico registrado originalmente em 1966 no histórico álbum “Afro-sambas”. Outro autor evidenciado é Guinga: “Tive vontade de trocar meu universo musical pelo dele”, revela Gomide, que incluiu no disco a valsa “Pucciniana”. Falando em valsa, “Beatriz”, de Edu Lobo e Chico Buarque, também entrou na seleção. ‘’Eu ainda me lembro da primeira vez que escutei a versão em duo de ‘Beatriz’ com Milton Nascimento e Cristovão Bastos no piano. Aquilo me paralisou. Ao interpretar ela agora eu sempre procuro revisitar aquele sentimento que tive na primeira vez que escutei essa música, talvez uma das canções mais importantes e sensíveis da música brasileira’’, comenta o pianista.
“Portais” ganhou lançamento pelo selo holandês Challenge Records (que, além dos streamings, também disponibilizou o disco em CD e vinil), e destaca “arranjos engenhosos, requintados e cheios de vida, sem forçar artificialmente qualquer originalidade desnecessária”, afirma o produtor Rebetez. “Além dessas peças fundamentais, tão repletas de significado para nós, brasileiros, há também as ‘miniaturas’ improvisadas, que trazem ao álbum a assinatura de Henrique como compositor. São como explosões inevitáveis de criatividade, transpirações desse processo de metabolização dos mestres por um pianista cujas mãos estão sempre lançando ideias espontâneas”, finaliza o produtor, deixando o ouvinte com bastante curiosidade sobre o disco. É só dar play abaixo e se deixar levar…