Três filmes: “Última Chamada para Istambul”, “O Amor Está no Ar”, “Que Horas Eu Te Pego?”

textos por Marcelo Costa

“Última Chamada para Istambul”, de Gonenc Uyanik (2023)
Aeroporto JFK, Nova York: enquanto aguarda a chegada de sua bagagem na esteira de um voo vindo de Istambul, na Turquia, Mehmet (Kivanç Tatlitug) não tira o olho de Serin (Beren Saat), que também aguarda sua mala e, sutilmente, devolve olhares para ele. Acontece que, porém, a mala de Serin foi extraviada, e o bondoso rapaz se oferece para ajudar a moça numa história que poderia ter o subtítulo de “dois turcos perdidos em uma cidade suja”, e o espectador será surpreendido não apenas com a possibilidade palpável de um romance entre Serin e Mehmet, mas também com a interessante proposta inicial do roteiro de Nuran Evren Sit, que aplica uma pegadinha no público (ainda que fique nítido que algo está fora do lugar no desenrolar inicial desse “encontro” ao acaso) e, principalmente, com o modo tradicionalmente turco de observar a mulher dentro de uma história de amor. E é nesse último tópico que o caldo entorna, porque “Last Call To Istambul” é uma draminha romântico em que tudo soa falso, do relacionamento do casal ao Istambul no nome – que pode enganar interessados na paisagem da cidade turca, que irão ver pela enésima vez uma historinha de amor na Big Apple – até o “romance”, totalmente escrito conforme as “regras de etiqueta” para relacionamentos na Turquia, ou seja, mostrando que até mulheres inteligentes, pretensamente livres e muito mais capazes que seus maridos precisam deixar tudo isso de lado para se entregar ao amor… mais uma vez. “Última Chamada para Istambul” liderou o ranking da Netflix em mais de 90 países, Brasil incluso, e foi “vendido” por sites e blogs como “um filme intimista” que “promete emocionar assinantes”, mas faltou explicar que tipo de assinante iria ficar feliz com um filme que apresenta uma mulher conformada com sua situação em um dos países cuja violência doméstica é vista como “algo natural e necessário”. Esse é daqueles filmes que prestam um desserviço social ao defender, claramente, a hegemonia do patriarcado numa relação completamente disforme: ela é sagaz, inteligente, criativa; ele é um desajustado sem muitas pretensões. A escolha de Serin, no final, é totalmente inesperada. E ruim. Assista… para passar nervoso.

Nota: 0


“O Amor Está no Ar”, de Adrian Powers (2023)
Delta Goodrem é uma cantora pop australiana que vendeu mais de 2 milhões de cópias de seu disco de estreia, “Innocent Eyes”, em 2003, e ainda que os álbuns posteriores não tenham repetido o êxito do debute, ela virou meio que celebridade nacional, participando inclusive da badalada série novelão local “Neighbours” (entre 2002 e 2005, e retornando em 2015 e 2022), que lá nos anos 1980 foi palco para uma jovem Kylie Minogue brilhar (ela também retornou à série em 2022). “Love Is In The Air”, “comédia” romântica dirigida por Adrian Powers, parece se ancorar na ideia de ser um veículo para a bela Delta brilhar. Ela interpreta Dana, filha de aviadores que toca a familiar Fullerton Airways, na Austrália, junto com seu pai Jeff e a mecânica Nikki. A pequena empresa deveria trabalhar com voos turísticos na belíssima região (de Whitsunday, Queensland), mas Dana gasta boa parte do tempo atendendo a necessidades da comunidade, como transportar mantimentos e medicamentos para cantos remotos das ilhas vizinhas ou resgatar um pobre cão e levá-lo ao veterinário. Tudo lindo se a grana que mantém a empresa fosse deles, e não de investidores, e a coisa toda ameaça ruir quando, em Londres, um analista, Will (Joshua Sasse), verifica que a empresa não está dando lucro, comenta do caso com seu chefe, casualmente seu pai, que o envia até o local (ou seja, de Londres para a Austrália) apenas para fechar a empresa – como um teste de responsabilidade. Distante da cidade grande e no meio do paraíso australiano, com direito ao anjo meio rebelde Dana de cicerone, Will terá que escolher entre o amor de sua vida (óóóóó) e o respeito a seu pai (eita). Bem, você já entendeu, né: estamos diante de um poço de clichês de estilo. “O Amor Está no Ar” transborda sacarina numa comédia que não se sustenta como cômica com uma parte romântica bastante capenga quanto ao romance. O roteiro diluiu qualquer possibilidade de arestas, e o que temos em cena é uma historinha dispensável, óbvia, soporífera, tola e esquecível.

Nota: 4


“Que Horas Eu Te Pego?”, de Gene Stupnitsky (2023)
À primeira vista, “No Hard Feelings” (no original) se sugere como mais um besteirol americano em que um universotário tímido e trapalhão (Andrew Barth Feldman) vê cair em seu colo uma deusa (do cinema) loura e bem torneada (Jennifer Lawrence). E ainda que o roteiro de Stupnitsky e John Phillips inicialmente insista nesse chavão desprezível, “Que Horas Eu Te Pego?” acaba surpreendendo quando acerta o rumo das típicas comédias dramáticas de amadurecimento. Na trama, Maddie Baker (Lawrence) vive em uma pequena (e milionária) região costeira do estado de Nova York mantendo alguns bicos como bartender e motorista de Uber para pagar, entre outras coisas, os impostos de uma casa na região herdada de sua mãe. Após seu carro ser guinchado pela polícia, Maddie precisa buscar uma nova fonte de renda antes que o Estado tome a casa dela. Nisso surge um anúncio de pais milionários que querem “iniciar” o filho travado (de 19 anos), Percy (Feldman) nas artes da pegação e do sexo antes dele ir para a faculdade. O pagamento? Um Buick Regal lindão, com o qual Maddie poderá voltar a trabalhar como Uber e manter a casa. História resolvida, certo? Mais ou menos. Percy se mostrará um rapaz difícil de desvirginar, e olha que Maddie (Jennifer Lawrence, lembre-se!) irá ser bastante persuasiva (com direito a uma bela cena de nudez completamente dispensável, ainda que muito bem inserida na trama). O que temos daí pra frente é um interessante amadurecimento dos dois personagens, o bobalhão de 19 anos e a gostosona de 32, e ainda que o roteiro insista em sabotar a história com cenas exageradamente bestas (como a de Maddie, ciumenta, invadindo uma festa para impedir que outra garota “conquiste” o feito que deveria ser dela, ou seja, iniciar o garoto), “Que Horas Eu Te Pego?” sobrevive aos equívocos e a direção quadradinha revelando-se um interessante filme sobre amizade e amadurecimento. Para ver despretensiosamente sem levar tudo muito à sério (ok, pode levar a Jennifer Lawrence – que é uma das produtoras do filme – à sério) …

Nota: 5

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.