texto por Homero Pivotto Jr.
fotos de Billy Valdez
Será que é isso o que eu necessito? Se “isso” significar um show dos Titãs na atual turnê “Encontro – Pra Dizer Adeus”, sim! Precisava assistir à apresentação da banda que é referência de rock nacional (e foi norte estético e musical também para este que vos escreve) nessa turnê que reúne os integrantes da formação clássica — menos Marcelo Fromer, que faleceu em 2001. A oportunidade para conferir o grupo que, em mais de quatro décadas, já passeou por post-punk/new wave, reggae, ska e pop, rolou em 12 de dezembro, no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre. Foram cerca de 2h30 de som e mais de 30 temas tocados em um evento com ingressos esgotados (cerca de quatro mil pessoas).
Como sugere o nome da gira, deve ter sido a derradeira possibilidade de prestigiar Arnaldo Antunes, Branco Mello, Charles Gavin, Nando Reis, Paulo Miklos, Sérgio Britto e Tony Bellotto, acompanhados do amigo e produtor Liminha, juntos em ação.
Idealizada após diagnóstico e tratamento contra um câncer na garganta de Branco Mello, a tour previa inicialmente 10 shows, mas foi estendida para 22 performances (começando no Rio de Janeiro, passando por São Paulo e chegando até Lisboa). O que se vê no palco, a julgar pela apresentação na capital gaúcha, é uma celebração às glórias do passado e às incertezas do futuro. Uma banda competente, que carrega o peso de levar adiante o próprio legado da melhor forma possível dentro das condições atuais.
Em alguns momentos, a boa vontade talvez seja preterida pelo pragmatismo que o espetáculo exige dos músicos hoje em dia. Não importa, o pulso ainda pulsa.
Se as composições são envoltas na rebeldia de um tempo pretérito, a entrega atual vem embalada por certo comedimento que os tempos pedem. Sons mais furiosos perdem algo da força com volume menos estridente e andamento pouco mais lento do que as versões de estúdio.
A primeira parte do setlist revisita a discografia dos anos 1980 e 1990. A batida eletrônica anunciando ‘Diversão’ desperta atenções enquanto a banda entra em cena. Belotto, então, evoca o riff da faixa ao passo que Paulo entoa o hino niilista. Em seguida, temos ‘Lugar Nenhum’ e ‘Desordem’. Se ainda pode se encontrar quem acredite no futuro, aqui ficamos com a nostalgia.
Branco ganha os holofotes e é saudado por colegas e pelo público por sua resiliência. Sem medo de mostrar a voz debilitada por um insistente câncer (diagnosticado na garganta e tratado com radioterapia e quimioterapia em 2019, a doença retornou primeiro em 2021, quando se fez necessária uma cirurgia para retirada do tumor, e novamente no segundo semestre de 2023, quando uma nova cirurgia em outubro foi realizada para retirar um tumor da língua), conversa com a plateia antes de ‘Tô Cansado’. A sequência vem com ‘Igreja’ cantada por Nando e ‘Homem Primata’ e ‘Será que É Isso o que Eu Necessito’, duas com Sérgio nos vocais. Miklos surge na posição de frontman em ‘Estado Violência’ e então é a vez de Arnaldo brilhar com ‘O Pulso’ e ‘Comida’. Para encerrar a primeira parte do espetáculo, ‘Jesus Não Tem Dentes no País doa Banguelas’, ‘Nome aos Bois’, ‘Eu Não Sei Fazer Música’ e ‘Cabeça Dinossauro’ — esta com direito a bateria em evidência e dança performática de Branco ao lado do kit percussivo.
O primeiro bis dá destaque à fase acústica: ‘Epitáfio’, ‘Os Cegos do Castelo’, ‘Pra Dizer Adeus’, ‘Toda Cor’ e ‘Não Vou Me Adaptar’ (as duas últimas com participação de Alice Fromer, filha de Marcelo, no vocal). Tem ainda ‘Família’, ‘Querem Meu Sangue’, ‘Go Back’ e ‘É Preciso Saber Viver’. Em plena terça-feira, os Titãs destacam ainda o saudosismo de ‘Domingo’ antes de engatar ‘Flores’, ‘O Quê’ e ‘Televisão’. Então, momento mais enérgico: ‘Porrada’, ‘Polícia’ (com intro de ‘Acorda Maria Bonita’), ‘AA UU’ e ‘Bichos Escrotos’.
A parte final abre com ‘Introdução por Mauro e Quitéria’ e continua com ‘Miséria’ precedendo duas clássicas oitentistas: ‘Marvin’ e ‘Sonífera Ilha’. A essa altura é difícil manter a voracidade de outrora. Contudo, os Titãs ainda nos lembram de que a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte.
– Billy Valdez é pai da Kaáka, fotógrafo, videomaker, integrante do Coletivo Catarse e baixista da Diokane