por Bruno Capelas
Com mais de três décadas de militância no underground carioca, Marco Homobono está de volta. Responsável por bandas como Los Djangos e Minha Pequena Soundsystem, além de uma carreira solo sob o nome de Homobono, ele agora se apresenta ao mundo ao lado do Esquadrão Sonzera Total. Criado em meio à pandemia, o grupo já foi definido por aí como uma mistura de “piseiro, som eletrônico e rock”, ainda que sua sonoridade também passeie por cumbia, reggaeton, reggae e outros ritmos latinos.
A inspiração para o projeto veio de uma viagem que Homobono fez durante a pandemia para o interior da Paraíba, onde descobriu um ritmo “que parecia um forró eletrônico, com teclado, mas com alguns elementos de funk, timbres bem característicos”. Era a pisadinha, que se tornou conhecida nacionalmente pouco tempo depois graças a nomes como Os Barões da Pisadinha. “Acho que a pisadinha é muito punk: é um ritmo periférico, feito em casa, com montagem de computador, usando Fruit Loops. Era algo que merecia minha atenção e que eu achei divertido o suficiente pra investir”, conta o músico.
Ao voltar pro Rio de Janeiro, ele decidiu começar a compor músicas no estilo ao lado da vocalista Dani Vallejo (Blastfemme, A Batida Que Seu Coração Pulou) e do produtor musical e guitarrista Claudio Lyra. A primeira canção foi “A Motoqueira”, um flerte lésbico inspirado nas motogirls de farmácia em Jacarepaguá. Depois, vieram “Quero Porque Quero” e a deliciosa “Medida Protetiva”, já com a inclusão de Dora Quadros (sax, percussão, MPC) ao Esquadrão.
Como um quarteto, a banda tem rodado os palcos do Rio de Janeiro – ao vivo, o grupo mistura seu repertório próprio com releituras de artistas como Marília Mendonça e Glória Groove, em um espetáculo animado e contagiante. Depois de assistir a um show divertidíssimo do grupo na Lapa, no começo de novembro, a reportagem do Scream & Yell resolveu trocar uma ideia como Homobono para entender um pouco dessa nova fase “piseiro”. “Foi daqui que chamaram o Esquadrão Sonzera Total?”
O Esquadrão Sonzera Total já foi definido por aí como uma mistura de “piseiro, som eletrônico e rock”. Como nasceu esse projeto? E por quê você decidiu criar algo com essa cara?
Em 2020, em plena pandemia, eu tive que ir para a Paraíba, para tentar resolver alguns assuntos pessoais do meu pai, que havia ficado doente. Ele é de uma cidade bem pequena, chamada Jacaraú, a mais ou menos 1 hora de viagem de João Pessoa. Não estava sendo uma viagem muito divertida, foi algo de surpresa, mas aconteceu uma coisa que eu considero muito importante pela parte musical. Eu estava andando pela rua e sempre via os carros com o porta-malas aberto, o som saindo de dentro, tocando sempre o mesmo tipo de música. Para mim parecia um forró eletrônico, com teclado, mas com alguns elementos de funk, aqueles timbres bem característicos. Eu falei: “que som é esse?”. E a temática parecia ser aquela de sempre: festa, farra, amor, etc. Mas tinha uma coisa bem interessante: era época de eleições para prefeito e muitos dos jingles que eu escutei lá também eram nesse ritmo, que eu fui descobrir depois que era o chamado piseiro ou pisadinha. “Caraca, que interessante, esse som”. Pô, eu tenho uma formação musical muito baseada no ecletismo, de bandas como Paralamas do Sucesso, The Clash, Mano Negra. Sou muito afeito a essa pluralidade, apesar de ter começado no ska-ragga-punk-rock, meu espectro de interesse é muito espalhado. E eu pirei com esse ritmo, queria fazer umas músicas assim desse jeito. Logo em seguida, eu tava conversando muito com o Cláudio Lyra, que vem da família da bossa nova, faz trilhas, e ele decidiu entrar comigo nessas. Quando voltei para o Rio, uns 20 dias depois, a pisadinha estava começando a estourar aqui, os Barões da Pisadinha estavam tocando em tudo que é lugar – e aqueles timbres de bateria eram escutados em todo lado. Demoramos um tempo pra fazer a primeira música, “A Motoqueira”. É uma homenagem pras motoqueiras da farmácia perto de onde eu moro, aqui em Jacarepaguá, perto da Cidade de Deus. A farmácia daqui tinha uma garota que entregava remédios, uma motogirl, e eu criei uma história pra ela, a partir de um uma perspectiva feminina – uma garota que alimentava um amor platônico pela motoqueira, era um flerte lésbico. Daí, me dei conta que tinha de chamar uma mulher e logo pensei na Dani Vallejo. Não sei porque eu pensei nela, acho que foi mesmo pelo talento. Eu já a conhecia do Blastfemme e A Batida Que O Seu Coração Pulou, um duo que ela tinha com o Jean Albernaz. Fiquei meio bolado de chamar ela, porque ela fazia um som mais agressivo. Mas acabou que ela se amarrou na música, quis gravar, e aí começamos a gravar e planejar shows como um trio. Depois, nós encontramos a Dora Quadros, que começou tocando percussão e depois passou pro sax e pro MPC. É esse o começo do Esquadrão Sonzera Total, que surgiu por essa afinidade que eu tenho com o Nordeste e com ritmos dançantes. Acho que a pisadinha é muito punk: é um ritmo periférico, feito em casa, com montagem de computador, usando Fruit Loops. Era algo que merecia minha atenção e que eu achei divertido o suficiente pra investir.
Como é abraçar sonoridades populares e latinas como reggaeton, cumbia e o piseiro em uma estética que se combina com rock e psicodelia? E como fazer isso sem que a música soe como decalque ou apropriação cultural?
Simples: gostando dessa música e se divertindo com ela, absorvendo-a por inteiro. A gente não está fazendo um pastiche, não é nossa intenção fazer uma sátira ou nada. Nós reverenciamos sim a cultura popular e não estamos fazendo uma piada. Para mim, isso já é suficiente. Queremos montar um repertório próprio que parta do piseiro, passando por cumbia, reggaeton, reggae, um pouco de ska também. É um trabalho bem aberto, e para mim isso é muito fácil, por conta da minha formação musical afeita à diversidade. Outra banda que tem isso é o Beastie Boys, em que você tem música eletrônica lado a lado com hardcore, por exemplo. Esses contrastes sempre me seduziram muito. Outra coisa que nos autoriza bastante é o do it yourself do punk. Com o DIY eu vou pra qualquer lugar na música, desde que eu goste da música, desde que eu esteja fazendo aquilo de coração. E acredito que todo mundo na banda aprecia. Se a Dani não fizesse parte do Esquadrão Sonzera Total, ela iria se divertir no nosso show, assim como o Lyra e a Dora. Está todo mundo focado nisso, sabe? A gente gosta do que faz e isso afasta qualquer indício de ser um pastiche, de ser um decalque ou apropriação cultural. É um trabalho honesto.
Entre o fim de 2022 e este final de 2023, a banda já lançou três singles diferentes e tem tocado bastante no Rio de Janeiro. O que dá pra esperar do Esquadrão Sonzera Total em 2024? Vai ter disco cheio vindo aí?
O Esquadrão Sonzera Total é um projeto que começou durante a pandemia. Ainda existia muita restrição de locomoção na época que a gente começou, e até demorou pra gente começar a fazer shows. Todo mundo na banda respeitou o isolamento social, obedecendo às orientações oficiais. Nesse sentido, é um projeto muito novo. Nosso primeiro show foi em dezembro de 2022, para você ter ideia. Independentemente disso, nossa ideia é tocar sempre que possível em lugares que ofereçam condições da gente mostrar nosso som. No Rio de Janeiro, esse circuito é muito pequeno, temos que ter cuidado para não esgotar o público em certos bairros, porque você acaba pegando o mesmo público [se toca muitas vezes no mesmo lugar]. A ideia é se mostrar, tocar o máximo possível pras pessoas conhecerem. Já lançamos três singles, estamos trabalhando no quarto, e ano que vem planejamos lançar sim um disco completo. Resolvemos primeiro apostar na estratégia de lançar os singles e obter o máximo de atenção pra cada lançamento, tentando aprender o máximo possível a cada momento. Quando chegar a hora a gente faz o disco – a parte boa é que todos somos compositores, então material é o que não falta. Acho que 2024 é um bom ano pra gente lançar um disco cheio.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
Muito legal esse som. Acompanho o trabalho do Homobono há anos, letras inteligentes, música dançante e muita simpatia. Vale a pena ouvir esse som novo. Parabéns ao Esquadrão Sonzeira Total