por Pedro Salgado, especial de Lisboa
fotos de Rita Chantre
Na apresentação lisboeta do álbum “Três Anos de Escorpião em Touro” (2023), o público que lotava o Lux Frágil era formado por fãs da primeira hora de Filipe Sambado e recém convertidos, por via do novo álbum, abrangendo pessoas de várias idades e identidades animadas com a perspectiva de presenciar a nova fase da artista. Uma cortina na parte traseira do palco, que era ladeada por duas bolas de espelhos, separava os diversos instrumentos da parte da frente, e em fases posteriores do show seria destapada revelando o potencial do conjunto em plena carburação. Passavam 20 minutos da hora marcada para o show, Sambado entrou na companhia dos músicos Vera Vera-Cruz (baixo e teclados), Joana Komorebi (bateria), Miguel Chinazkee (percussões e efeitos sonoros), bem como a artista, hype woman e performer, Aurora.
Sambado dirigiu-se para o sintetizador, colocado no meio do palco, e começou a tocar uma música ambiente simulando um uivo, percorrido pela distorção, e a seu lado Aurora desenvolveu um movimento corporal ondulante e libidinoso que repetiria várias vezes durante o show. A primeira canção da noite, “Serralha, Serralhinha”, foi servida pelo vigor da seção rítmica e pela introdução do canto popular que abriu caminho para “Caderninho”, com direito a sample de Conan Osiris. A artista alternava momentos interpretativos profundos e períodos de maior soltura, sugerindo algumas direções inesperadas em sintonia com a toada hyperpop do disco “Três Anos de Escorpião Em Touro”. Após a performance, Sambado agradeceu ao público e recuperou “Vida Salgada”, do álbum homónimo de 2016, tocando guitarra e conduzindo a banda para mais uma demonstração de poderio instrumental que evoluiu para um patamar sonoro de grande intensidade com “Laranjas/Gajos”, na qual a repetição das estrofes “Ela gosta de Gajos / Mas gosta de mim” ressoou num público rendido à forma emotiva, mas tranquila, com que Filipe Sambado pautou o seu espetáculo.
Na sequência, com “No Leito”, o ritmo imposto pelos músicos desacelerou, derivando para uma cadência pontuada por efeitos sonoros e o pop com sentimento de “Só Beijinhos” proporcionou o coro geral da assistência. Pouco depois, enquanto dedilhava sua guitarra, sozinho, com um foco de luz a incidir em si, deu corpo a “Assim a Assim” num momento arrastado e intimista em que exibiu a sua elasticidade vocal. A banda regressou para acompanhar o crescendo de Sambado até à acalmia final e “Choro da Rouca” manteve a emotividade do concerto em alta assente nas estrofes: “Ó Filipe, olha lá, essa passividade ‘tá mesmo agressiva hoje / Não dizes nada, só te queixas / Tanto rancor que tens aí”.
Com evidente satisfação perante o acolhimento entusiástico, a artista dirigiu-se ao público presente: “Obrigado por estarem aqui hoje no dia em que apresento o meu novo álbum. Vamos continuar”. O show prosseguiu com a rendição de “Entre os Dedos das Mãos” com Sambado a solar a guitarra desenfreadamente num momento magnífico de fusão da música popular portuguesa com o rock, no qual o conjunto de músicos realizou a melhor tradução instrumental do mood e das variações rítmicas da canção.
A dupla revisitação do disco “Revezo” (2020) com a insinuante “Paçoquinha Pra Novela” e a forma como amenizou “Jóia da Rotina” sem perder a sua essência atrativa entusiasmaram o público, mas seria um dos mais recentes singles, “Talha Dourada”, a arrebatar por completo a audiência com um lema forte e concreto que reflete uma posição inequívoca e uma mensagem identitária clara: “Sou mais eu quando não tenho medo de ser”, possibilitando um desempenho enérgico e exploratório dos músicos e uma interpretação enfática e gutural de Sambado.
“Mania”, com uma pegada rock pauleira mais vincada e “Hybris”, alternando o fulgor interpretativo e a sofisticação sonora, empolgaram os presentes e realçaram o espírito de grupo que reinava no palco. Após um interlúdio instrumental marcado por um ritmo samplado de castanholas, efeitos sonoros e um coro infantil, veio a apresentação dos músicos. A visita ao novo trabalho continuou com “Mau Olhado” e Sambado no sintetizador, acompanhado apenas por Aurora e pelo coro do público deu mais elevação à frase: “Eu já só vou fingir a rir que estou bem / Eu já só vou fingir a rir / À espera da dança que ainda vem / À espera da que há de vir”, e concretizou outro grande momento da atuação.
“Enquanto agradecia a várias entidades como a Altafonte, Maternidade, Myth agency, Ao sul do mundo e à SPA e GDA, pelo apoio e concretização do show, a artista anunciou que ia tocar a última música e com um “Vamos lá!” iniciou a sequência final abordando “Frasco de Vidro” com uma pegada eletrônica e um enfoque vocal expressivo que evoluiria para o rock pesado e culminaria com outro solo característico de guitarra. O pop envolvente e nostálgico de “Nó do Peito” trouxe boas recordações aos mais devotos e ainda houve tempo para acabar em festa e transformar o Lux Frágil numa pista de dança e prolongar a cantoria com “Deixem Lá” (uma boa escolha do álbum “Filipe Sambado & Os Acompanhantes de Luxo”, de 2018). A artista fez um último agradecimento à assistência e ao mesmo tempo que os músicos atrás de si desligavam o equipamento de som cantou no microfone o fado “Um Lugar na Mouraria” encerrando o concerto de forma comovente e sugerindo o seu regresso a casa, que os espectadores abraçados celebraram com um enorme aplauso final. Em 75 minutos, Filipe Sambado realizou um show dinâmico e intimista que confirmou a sua capacidade de estabelecer uma proximidade incrível com o público.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.