“Obrigado, Rapazes”, de Riccardo Milani (2023)
Antonio (o veterano Antonio Albenese) é um ator e pai frustrado que está distante dos palcos dos teatros tanto quanto da filha, que está trabalhando no Canadá. Ele vive em um pequeno apartamento em Ciampino, província de Roma, vizinho ao segundo mais importante aeroporto da cidade e a uma movimentada linha férrea, ganha a vida como dublador de filmes pornográficos e está desiludido com o mundo. Nesse cenário de solidão e desolamento surge uma oportunidade quando um amigo e ex-parceiro de teatro lhe indica para um projeto: dirigir uma oficina de teatro dentro de uma prisão com financiamento público. O projeto não é bem-visto nem pelos guardas muito menos pela diretora do presídio, mas Antonio aceita o desafio. Segundo o projeto, os presos interessados precisam encenar um conto de fadas para os outros detentos após um curso de seis horas, e o resultado, ainda que insignificante no resultado teatral, anima Antonio, que planeja voos mais altos: ele quer encenar com os cinco presos que se apresentaram para as oficinas a peça “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, um clássico mundial, porque se algo que os prisioneiros – nenhum deles, ator – conhecem bem na prisão é a palavra “esperar”. Remake do filme francês “Un Triomphe” (2020), que por sua vez era baseado no documentário “Les Prisonniers de Beckett” (2005), com foco nas experiências do ator sueco Jan Jönson nas prisões em 1985 (história real que já havia rendido uma adaptação sueca, chamada “Breaking Out”, de 1999), o italiano “Grazie Ragazzi” está dentro daquele grupo de filmes corretos e simpáticos que poderiam facilmente estar presentes numa sessão da tarde. O diretor Ricardo Milani, que também assina o roteiro ao lado de Michele Astori, conduz a história sem grandes tropeços, com ajuda de um elenco competente, que consegue driblar a obviedade da trama com certo humor e alguma poesia num simplório e agradável que merece atenção.
Nota: 7
“A Última Vez Que Fomos Crianças”, de Claudio Bisio (2023)
Ítalo, Cosimo, Vanda e Riccardo tem 10 anos de idade. É 1943 e, em plena Segunda Guerra Mundial, eles vivem em uma Roma bombardeada pelo exército aliado tendo que conviver com soldados fascistas nas ruas, a possibilidade de bombas caindo do céu e o som de sirenes no ar. O cotidiano amedrontador, porém, não impede que as crianças se divirtam inventando brincadeiras e sonhando em acertar os B’52s do “inimigo” com seus estilingues. O pai de Ítalo é o líder bonachão dos fascistas locais, um homem que idolatra Mussolini e o filho mais velho que voltou ferido da guerra e acha o rechonchudo Ítalo um estorvo. O avô de Cosimo, por sua vez, odeia Mussolini, enquanto a órfã Vanda vive no colégio de freiras do bairro esperando por uma família que a adote e Riccardo, bem, é judeu. A trama do bonito e comovente “L’ultima volta che siamo stati bambini”, estreia na direção do experiente ator Claudio Biso, ganha corpo no momento em que a família de Riccardo é enviada em um trem para um “campo de trabalho” na Alemanha, e o trio de amigos decide seguir a pé a linha do trem de Roma até o tal campo alemão para dizer aos nazistas que Riccardo não cometeu nenhum crime. Apoiado nas atuações convincentes de Vincenzo Sebastiani (Ítalo), Alessio Di Domenicantonio (Cosimo), Carlotta De Leonardis (Vanda) e Lorenzo Mc Govern (Riccardo) além de Federico Cesari (o irmão Vittorio) e Marianna Fontana (a freira Suor Agnese), destaque recente na Rolling Stone Itália por “Romulus II – La Guerra Per Roma”, série da Sky Local, “A Última Vez Que Fomos Crianças” é aquele tipo de filme que o espectador não dá nada até perceber que as lágrimas estão rolando pelo rosto, desenfreadas. Biso conduz a trama com bastante delicadeza, utilizando-se de necessários alívios cômicos sutis e não embarcando no dramalhão gratuito, pois a tragédia está ali à espreita – do mesmo jeito que a guerra está modificando o cotidiano (e matando crianças) em locais próximos da Itália –, mas Ítalo, Cosimo e Vanda ainda são… crianças. Pela última vez. Belo e doloroso.
Nota: 8
“Ainda Temos o Amanhã”, de Paola Cortellesi (2023)
Roma, 1946. Logo nos primeiros segundos de “C’è ancora domani” (título original), o marido Ivano (Valerio Mastandrea) está sentado na cama quando a esposa Delia (Paola Cortellesi) acorda e lhe dá bom dia. Como resposta, Delia ganha um forte tapa na cara, e começa aqui a rotina ingrata de uma mãe de três filhos que precisa cuidar da casa (constantemente atacada pela poeira, por xixi de cachorros e o péssimo humor do sogro) e batalhar um troco em diversos bicos (costurando roupas, aplicando injeções e consertando guarda-chuvas, sendo que nesta última tarefa ela precisa ensinar um jovem novato que não sabe o ofício, mas que ganhará semanalmente muito mais do que ela apenas porque é… homem) para voltar ao lar e sofrer mais uma noite com a fúria de um marido violento. Estreia na direção da atriz Paola Cortellesi – que alguns já a devem ter visto estrelando o bom “Algo Novo” em outra edição do Festival de Cinema Italiano –, que também colocou as mãos no roteiro ao lado de Furio Andreotti e Giulia Calenda, “Ainda Temos o Amanhã” é extremamente interessante em seus detalhes: Paola brinca com a teatralização em algumas cenas, altera o ritmo da trama utilizando a dança combinada com a letra das músicas (o que surpreende principalmente numa passagem de violência doméstica) e consegue esconder do espectador até o último minuto um dos pontos centrais de sua história (feminista), uma fato marcante na Itália do pós guerra. Filmado com elegância em branco e preto, o filme fez uma carreira surpreendente em sua terra natal: Paola já tinha dito em entrevistas que estava feliz só de exibir o filme no principal festival de sua cidade natal, o Festival de Cinema de Roma, mas saiu dele com o Prêmio do Público, a Menção Especial de Melhor Primeiro Filme e o Prêmio Especial do Júri. Mais: “Ainda Temos o Amanhã” se transformou não apenas no filme italiano mais visto de 2023, ultrapassando a marca de 1 milhão de espectadores, mas também na maior bilheteria de um filme italiano pós pandemia, feitos que referendam um filme que marca o surgimento de uma grande diretora.
Nota: 7.5
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.