por Pedro Salgado, especial de Lisboa
fotos de Francisco Paraiso
É de noite na zona oriental de Lisboa e uma romaria de imensos fãs brasileiros residentes em Portugal e em vários países da Europa além de portugueses caminhava para a Altice Arena com um semblante animado. A perspectiva de assistir ao show do tour Encontro com maior proximidade, e participar na comemoração dos 40 anos de carreira dos Titãs, constituía um momento musical carregado de simbolismo e uma oportunidade histórica e única que convinha não desperdiçar.
Algum tempo mais tarde, o interior da Altice Arena, lotado, albergava uma multidão que aguardava impacientemente a chegada dos seus heróis, não sem antes ter sido contemplada com o anúncio insistente, num ecrã gigante, de uma série de atuações de vários músicos que irão atuar proximamente em Portugal, entre os quais se incluem os brasileiros Marisa Monte, Silva e Luan Pereira.
Passavam 15 minutos da hora marcada e as luzes do famoso pavilhão de espetáculos lisboeta apagaram-se e os músicos entraram em palco saudando a multidão ruidosa. Sem demoras, o show arrancou com um riff de Tony Bellotto e Paulo Miklos abeirou-se do palco e, como vem fazendo em toda a turnê Encontro, o grupo detonou “Diversão”, numa versão reveladora do poderio instrumental que a banda desenvolveria no show. Miklos dançou, fez coro com a assistência e dirigiu-se ao público no final da interpretação: “Boa noite Lisboa! É uma alegria enorme estar aqui com vocês” e prosseguiu: “Informo que o Branco Mello não pode cantar porque fez uma cirurgia e vai apenas tocar o baixo elétrico”. Seguiram-se mais duas rendições que mantiveram a corrente em alta voltagem, primeiro com Arnaldo Antunes cantando a provocadora “Lugar Nenhum” e depois Sérgio Britto assinando a direta “Desordem” com os anos 80 ali tão perto pela voz do grupo e na alma de todos os presentes.
A banda paulista entrou firmemente na revisitação do disco “Cabeça Dinossauro” (1986) numa sequência composta pelas músicas “Igreja”, “Homem Primata” e “Estado Violência” num território mais punk, que comprovou a eficácia da seção rítmica composta pelo baixista Nando Reis e pelo baterista Charles Gavin e confirmou igualmente a capacidade interpretativa e o poder de incitamento do público por parte de Sérgio Britto e Paulo Miklos. A contemplativa “O Pulso” possibilitou um relativo abrandamento e Arnaldo Antunes aproveitou para brilhar com a sua voz e os seus passos de dança peculiares, enquanto “Comida”, com uma letra facilmente assimilável e uma cadência funky contagiante pôs a plateia a dançar. Antes de interpretar a alucinada “Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas” que a par de “Cabeça Dinossauro” abriria caminho para o set acústico, Nando Reis foi a voz do sentimento do grupo: “É difícil colocar em palavras e emoção de estar aqui neste palco e cantar estas canções que ainda se comunicam tão bem”.
Durante o momento em que o cenário mudava, no ecrã gigante da Altice Arena foram exibidas imagens de arquivo da banda em momento de festejo, algumas entrevistas icónicas dos anos 80, recordações do falecido Marcelo Fromer a tocar guitarra nos bastidores e uma declaração antiga de Tony Bellotto a enaltecer a vitalidade do rock brasileiro. Escutaram-se gritos de “Titãs!” e Sérgio Britto afirmou: “Como prometido, vou chamar o nosso querido Branco Mello para tocar baixo conosco” e o set acústico iniciou-se com Britto ao piano tocando a balada “Epitáfio” e a audiência cantando em coro e acendendo os celulares num singalong que terminou com um aplauso enorme.
Vieram, ainda, “Os Cegos do Castelo”, com Nando Reis nos vocais, e “Pra Dizer Adeus” (cantada por Miklos), que manteve a afinação e o entusiasmo do público. E a entrada da filha de Marcelo Fromer em palco gerou outro momento de comunhão generalizada, através da canção “Toda Cor”. Perante a satisfação dos Titãs e a cantoria emocionada da audiência, Alice Fromer agradeceu os aplausos e disse: “Obrigado Lisboa, vocês são demais” e lançou um desafio: “Vamos fazer mais uma?” e concretizou um dueto com Arnaldo Antunes em “Não Vou Me Adaptar” que finalizou em euforia o segmento acústico.
Com a presença de Liminha em palco a tocar guitarra (cujo papel foi elogiado pouco antes por Tony Bellotto), a banda paulista enveredou pelo reggae irresistível de “Família”, que proporcionou um novo momento de adesão dos espectadores e “Go Back” manteve a tendência solarenga e a meio gás com Britto, Reis e Belloto a ajoelharem-se na beira do palco na conclusão da performance. Seguidamente, Paulo Miklos cantou acapella um trecho de “A Minha Casinha”, do grupo rock português Xutos & Pontapés, que entusiasmou a multidão, e exclamou: “Salve os Xutos & Pontapés, Portugal e a memória do grande Zé Pedro”. O show dos Titãs estava em velocidade de cruzeiro e com “É Preciso Saber Viver”, de Erasmo Carlos, um hino de boa fé e um retrato apaixonado do percurso da banda, a multidão correspondeu cantando e aplaudindo.
O concerto dos Titãs aproximava-se do final e com ele a banda explanava cada vez mais o seu potencial interpretativo e as suas soluções instrumentais. “Flores” foi um dos exemplos da mestria do conjunto, que arrebatou a assistência com uma execução perfeita e um belo solo de saxofone de Paulo Miklos. Uma nova e sólida incursão no álbum “Cabeça Dinossauro” revelou a energia inesgotável dos músicos paulistas e a sucessão de faixas contundentes “Porrada”, “Polícia”, “AA UU” e “Bichos Escrotos” foi o perfeito comprovativo de um grupo que soube criar uma vertigem sonora e transmitir uma mensagem familiar que encontrou ressonância no público. Após a banda fazer a vénia coletiva e despedir-se da assistência, os gritos insistentes para o seu regresso, durante poucos minutos, resultaram e o encore iniciou-se com “Miséria” e prosseguiu com igual sucesso ao som do pop “Marvin”, no qual Nando Reis embalou os corpos e incentivou o coro geral repetindo a frase “Marvin agora só falta você”.
Por fim, Paulo Miklos apresentou elogiosamente os integrantes da banda e disse com entusiasmo: “Lisboa, que noite, vai ficar na nossa memória” e anunciou a tão esperada música de encerramento do show: “E agora a nossa primeiríssima canção para fecharmos com chave de ouro” e soaram os primeiros acordes de “Sonífera Ilha” que levaram a assistência à loucura, multiplicando-se os coros e os passos de dança, devidamente acompanhados em palco por uma coreografia que contou com o regressado Branco Mello e os outros integrantes que pararam para deixar o público cantar o refrão até á vénia final. Em duas horas, os Titãs rubricaram uma atuação com diversos momentos de brilhantismo, revelando mestria interpretativa e abordando um cancioneiro que continua atual, mas sem nunca resvalarem para a nostalgia gratuita. Por esse motivo, a versão que apresentaram no show de Lisboa teve o mérito de os aproximar indubitavelmente dos tempos em que não haviam limites.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.