entrevista por Leonardo Vinhas
Os Skamoondongos vieram do punk e ao punk estão voltando. Mas calma, que o nome da banda não é propaganda falsa: trata-se, hoje e sempre, de uma banda de ska, uma das pouquíssimas do estilo no Brasil a conseguir botar a cabeça um pouco pra fora do underground.
Explica-se: finalmente a banda paulista deve lançar seu segundo álbum. Embora ativa desde 1994 (com dez anos de pausa nesse tempo), “Segundo”, de 1995, é o único álbum oficial deles até o momento. Os três singles lançados nos últimos anos – “Contra” (2019), “Medo” (de 2022, cover do clássico do Cólera) e “Bella Ciao” (2023), trazem um peso que não fazia parte da sonoridade registrada em disco até então. Mas não é exatamente uma novidade, já que os Skamoondongos tiveram sua origem na cena punk da Grande SP. Esse segundo álbum será, portanto, uma espécie de resgate da origem do grupo. Mas muita água rolou antes disso acontecer.
O Brasil quase teve um “verão do ska” no final dos anos 1990. Esse “quase” é uma certa licença poética, porque o que aconteceu foi que uma gravadora, a Paradoxx Music, que tinha boa penetração de mercado por editar e distribuir as coletâneas chanceladas pela rádio Jovem Pan, decidiu investir em gêneros diferentes, e apostou no ska. Skamoondongos e Skuba estavam entre os contratados da gravadora, e tiveram lá os seus hits – hits mesmo, de tocar ostensivamente nas rádios e ser conhecidos por muita gente que nem fazia ideia do que era ska.
O Skuba (de onde saiu Sergio Sofiatti, hoje à frente da Orquestra Brasileira de Música Jamaicana) tinha “Não Existe Mulher Feia” e “Só Amo Essa Mulher” (e vale notar como o álbum deles hoje provavelmente nem seria lançado por uma gravadora, já que as letras tinham forte carga machista). Já o Skamoondongos emplacou “Pobre Plebeu”, cujo clipe também teve boa rotação na MTV.
Se não chegava a ser um boom mercadológico como foi nos EUA com a “terceira onda” do ska, pelo menos parecia que o ritmo finalmente entraria pro inconsciente coletivo dos ouvintes brasileiros. Mas não foi o caso. Vários perrengues bastante comuns na indústria musical fizeram que ambas as bandas não conseguissem dar voos mais altos, apesar de tentarem, e ambas interromperam suas atividades.
O Skuba, impulsionado por desgastes internos, acabou de vez, mas os Skamoondongos, não. Ou quase. “A gente se falava, mas não tocava nem ensaiava. A gente dizia que era uma ‘pausa por tempo indeterminado’”, conforme conta Alessandro Krenek, mais conhecido como Axl Rude, a voz da banda.
Axl e Wellington de Mello (bateria) são os únicos remanescentes dessa primeira formação. Ao lado deles, estão Nicolas Miranda (guitarra), Anderson Buda (baixo), Marcão Lespier (sax barítono), Muka Badelatto (trompete), Rodrigo “Roddy” Sonnesso (trombone) e Pera (teclados e gaita). A banda recentemente abriu shows brasileiros dos Toy Dolls e dos Toasters, e é uma das atrações da primeira edição do festival SP Music Experience, que acontece na capital paulista no dia 19 de novembro.
Mas Axl e os Skamoondongos querem, literalmente, as ruas. A ideia é fazer de 2024 não necessariamente um ano de comemoração dos 30 anos de fundação da banda, mas sim um período de muita atividade, onde a celebração acontece por si só. Nessa entrevista concedida via Google Meet ao Scream & Yell, ele fala desses planos, da postura claramente antifascita da banda e dos percalços que vieram com a maior exposição midiática na primeira fase da banda.
O plano inicial era botar o disco novo na rua em dezembro. A data continua de pé?
A gente estava tentando terminar o álbum, mas foram aparecendo muitos convites para a gente tocar nesses últimos meses. A gente fez uma parte da turnê do Toy Dolls em setembro, abrindo pra eles em São Paulo e em Curitiba, também chamaram a gente pra abrir pros Toasters em outubro, e tem o show que vamos fazer agora no dia 19 de novembro, que vai ser o último show do ano (no festival SP Music Experience, no Fabrique, na capital paulista). Como nós somos em oito, um show demanda uma atenção especial em ensaios, o que acaba prejudicando um pouco essa parte da gravação. Se tudo der certo, a gente vai se trancar no estúdio depois desse show do dia 19, mas acho que o lançamento realmente vai ficar pro começo do ano que vem.
E vai ser um lançamento comemorativo de certa forma, não? Afinal, é o segundo disco da banda, no ano em que ela completa 30 anos…
A gente está pensando em fazer algo assim, uma parte com as coisas mais recentes e quem sabe fazer alguns alguns shows esporádicos comemorativos, chamando pessoas da época [do primeiro disco].
Uma das faixas do disco novo que já foi lançada foi essa versão do hino partisano “Bella Ciao”. Quando você a anunciou ao vivo no show de abertura do Toy Dolls, pensei: “Pôxa, será que fazer uma música antifascista no underground não é pregar para convertidos”? Mas aí a ingenuidade passou e vi que não (risos).
Vamos dizer que os fascistas no underground têm um pouco mais de vergonha de se assumir, mas tem bastante fascismo no underground, no punk, no metal, no ska…. Inclusive, por sermos abertamente anti-fascistas, anti-machistas e anti-racistas, recebemos bastante convite pra tocar. Tem produtor que fala que chama a gente porque quer que o público saiba que aquela festa não é para qualquer um (risos). Como eles não querem fascista ali, chamam a gente pra participar. No começo dos anos 1990, a cena era bem difícil: tinha todo tipo de preconceito de classe e de raça, mas também tinha preconceito musical, tipo “esse estilo é dessa gangue”, “esse estilo é daquela gangue”, não poder misturar isso com aquilo… E a gente fazia show com banda de metal, de hip hop, sempre teve essa coisa da união. Demorou pra galera aceitar, tinha muito local que não aceitava marcar show. E aí com o tempo foi melhorando, mas realmente, esse governo anterior abriu a porta do bueiro.
Tirou o pessoal do armário.
A gente via muito cara que a gente já notava… De olhar pro cara, pelas atitudes do dia a dia, você já sacava as ideias meio esquisitas… Mas, de repente, deram aval para o cara falar o que ele queria, o que ele sentia de verdade. Por um lado foi bom, porque escancarou realmente o que cada um pensa e agora a gente sabe quem tá do lado de lá e quem tá do lado de cá do muro.
O “Segundo” era um disco com uma sonoridade bem limpa. Tinha seu peso, mas era mais pop. Esse novo momento da banda vem com cover do Cólera, muita distorção, uma coisa de assumir a herança punk, já que vocês se criaram nela. O que levou a essa mudança?
Eu acho que foi mesmo um resgate. A gente saiu do punk, principalmente eu e o Wellington. Quando fomos gravar o “Segundo”, a gente teve a ajuda e a produção do grande Clemente, dos Inocentes, e a gente tinha a proposta de deixar o som mais ska ainda, porque era uma novidade, não tinha ska na mídia. A gente não fazia essa coisa limpa, o som era calcado no ska punk. Só que a gente achou legal essa proposta, e foi bacana pra caramba fazer desse jeito. Mas quando a gente estava tocando o disco na turnê, tudo foi ficando um pouco mais pesado, porque a nossa essência mesmo é essa coisa mais visceral no palco. Depois do breque que demos nos anos 2000, voltamos e viemos com tudo, trazendo essa bagagem toda do punk, mas sabendo exatamente como dosar o que precisa, não tendo que moldar o som por nada. Nunca foi pedido para a gente tocar assim ou assado, mas a gente mesmo ficava em dúvida se não era melhor fazer com uma guitarra um pouco mais limpa. Fora que a gente era um pouco mais verde, meio cabaço em gravação. A gente não sabia exatamente o que queria mostrar, tanto que o Clemente, que produziu o nosso disco, foi no nosso show de 20 anos – 10 anos atrás, né? (risos) – e falou?,”Agora vocês sabem o que vocês querem”. Agora a gente amadureceu como músico, e isso ajudou a dar uma clareada. A música já sai da gente como a gente quer.
Eu lembro que, um tempo após o fim do contrato com a Paradoxx, vocês lançaram algumas faixas soltas em um dos primeiros sites que oferecia download em mp3 – era o mp3 Club, se não me engano. Chegaram até a tocar algumas delas no programa Musikaos, da TV Cultura. Mas hoje essas faixas estão praticamente desaparecidas. Vocês não têm interesse em disponibilizá-las nos serviços de streaming?
A gente quer, sim. Estamos tentando achar uma mídia que esteja um pouco melhor pra gente poder mexer. Eu acho que elas estão em alguma dessas plataformas mais antigas… Não é no GrooveShark, porque ele sumiu (risos).
Nem na Trama Virtual (risos).
Pois é. Acho que é no Soundcloud (nota: não era. A banda ainda tem um perfil no Soundcloud, mas, no fim, essas faixas – “Ela Não Mais Está”, “Bota pra Dançar”, “Vocês Já Ouviram Falar” e a versão para “Intolerância”, dos Inocentes – estão apenas no canal da banda no Youtube). Mas a gente tem vontade de lançar elas nos streamings, sim. Inclusive a gente tem o bootleg do show de 20 anos no SESC. Tínhamos o projeto de lançar um CD ou um DVD, mas a produtora com quem a gente tinha parceria acabou não captando as imagens, não deu muito certo. Mas temos o áudio, e pensamos em lançar ele nas plataformas também. Também podemos acabar incluindo esse material como bônus em algum possível lançamento em formato físico no futuro.
O “Segundo” teve uma rotação legal, “Pobre Plebeu” tocou em rádios pop e na MTV, enfim… Você conhece bem a história (risos). Mas você já disse em outras entrevistas que lidar com toda aquela engrenagem do mercado da música foi bem desanimador. Tinha a questão do jabá, o lance de vocês começarem a ter que circular em ambientes onde vocês não se identificavam, essas coisas. A pergunta é: passado tanto tempo, que lição fica de ter vivenciado isso tudo?
Que a gente tem que estar com a rédea da nossa carroça. Não adianta você delegar para outras pessoas. Por mais que sejam pessoas que estivessem carregadas de boas intenções, cada um tem a sua maneira de ver o corre. Principalmente em questões sobre como organizar um evento ou como organizar um lançamento de CD, onde colocar a música para tocar. A gente tinha muito isso com a gravadora [Paradoxx]. Eles falavam: “não, agora vocês têm que tocar aqui”, ou então o nosso empresário da época que dizia “essa cidade aqui é importante, vocês têm que tocar nessa região”, e quando a gente chegava lá, a galera conhecia só a música que tocava no rádio. Só tinha duas ou três pessoas que estavam ali realmente por nós, que falavam “pô, que legal que vocês vieram, porque só a gente gosta e mais ninguém conhece vocês por aqui”. A gente também percebeu que tinha locais que a gente acabou não fazendo. Por exemplo, nunca tocamos no Rio de Janeiro, nem na maioria das capitais do Norte e Nordeste. Ficou muito em São Paulo e em Minas; A gente tocava bastante no litoral de São Paulo. Era legal tocar em lugares diferentes e conhecer novas pessoas, levar o ska pra uma galera que não conhecia o estilo, mas ficava muito sem contexto também. Chegou a rolar uma turnê que era a gente, o Skuba e o Boi Mamão (nota: companheiros de gravadora e ambos de Curitiba, o primeiro num ska mais pop, e o segundo bem skacore). Depois o Boi Mamão saiu, ficamos nós e o Skuba, e às vezes a gente ia tocar em lugar com uma estrutura boa de palco, mas não era a casa certa na cidade. Ia rádio, ia a TV da região pra falar com a gente, mas faltava a gente estar inserido na casa certa da região. Era uma casa que não tinha nada que remetesse ao underground, ao ska, a gente ia parar em lugares que normalmente tinham uma programação de samba, axé, e aí o público às vezes nem ficava sabendo que a gente ia tocar, a propaganda que rolava na rádio não era direcionada para a galera, era para um público mais pop, o lugar muitas vezes era mais caro e a galera nem podia pagar… Então, ficou esse aprendizado que a gente tem que cuidar do nosso.
Eu cheguei a ver um show dessa turnê. Era num clube de campo em Taubaté, e vocês tocaram depois de algum playback de dance music. (risos)
Foi naquela época que tinha a turnê do Titãs do “Acústico MTV” (1997). E óbvio que Titãs é um outro patamar de público, uma banda que era muito grande, é até hoje, vide essa última turnê. Eles estavam tocando muito em rodeios, aí a gravadora achou que ia ser legal colocar a gente nesse circuito também (risos). Teve show que a gente se divertia porque, meu, a gente ganhava uma ajuda de custo e o show virava um ensaio pro próximo show (risos). Porque não ficava quase ninguém. Tocava um artista sertanejo, a gravadora tinha bastante cantores de country, e eles não deixavam a gente tocar antes deles, porque sabia que ia chocar o público (risos). A gente ficava pra última banda do evento. Eu lembro que teve um rodeio, não me lembro em que cidade, mas era um ginásio onde teve um rodeio de búfalos (risos). A gente ficou no ônibus [antes do show] porque a produção da banda country não deixou a gente nem pisar no palco antes de acabar o show deles (risos). Era um show em que a cantora subia a cavalo no palco, esse tipo de coisa (risos). Na hora que a gente entrou no palco e o [então guitarrista] Bagão ligou o amplificador, fez aquele som de distorção e a gente olhou pro lugar (faz um gesto de dispersão)… Começou a esvaziar. Ficaram os dois rapazes da rádio rock da cidade, que estavam lá cobrindo; ficou o motorista do ônibus e os búfalos (risos). Não tava no nosso controle, pra gente era tudo novidade. Quando a gente foi perceber, já estava tudo ficando bem desgastado, e foi quando a gente pensou em romper tudo.
Estamos falando de eventos de 25, 26 anos atrás. A banda parou em 2000, e quando voltou em 2010, não foi com a mesma formação. Vocês ainda mantém contato com os ex-integrantes? Por que eles não voltaram na retomada da banda?
Com alguns, a gente tem contato, sim. Com o Caio [Fortão, que dividia os vocais com Axl] eu tive outras bandas, até, nesse hiato entre 2000 e 2010. O Extra Stout juntava várias pessoas do underground para tocar ska e soul, e depois o Caio acabou se afastando. Não teve nenhuma briga, nada, foi só que a gente acabou seguindo caminhos diferentes. Foi bem nessa volta do Skamoondongos: o Caio voltou, fez alguns ensaios, e falou “não, não quero mais”. Do mesmo jeito também o Bagão, que era o guitarrista e compositor das músicas mais clássicas, também falou que não tava a fim. Ele tem um projeto de reggae e de música eletrônica, e é produtor de muitos cantores, muitas bandas. Mas assim, ele saiu só dos palcos, mas tá no Skamoondongos ainda, porque ele é o nosso técnico de som (risos). Com o baixista [Waldiney Shaolin], a gente se fala muito também, mas ele trabalha com eventos, desistiu da carreira de música assim. E com outros a gente perdeu contato porque foram morar em outra cidade, outros estados. Foi o caso da Carlinha, do saxofone, que foi morar em Minas Gerais e também parou de tocar (nota: Axl não citou, mas a banda ainda contava com o percussionista Breno Sacomã). Quando voltou a banda, voltamos só eu e o Wellington. E o Buda, que não era da banda, mas já era da nossa da nossa galera daquela época e é o atual baixista.
No ano que vem, vocês completam 30 anos, e se for considerar o quanto vocês tocaram nesse ano de 2023, dá pra presumir que vocês vão tocar pra caramba em 2024. Você acha que pode ser o período de maior atividade da banda depois desse retorno de 2010?
Eu acho que sim. mas também tentando tocar não só em festivais, mas também tocar em locais que a gente não consegue chegar, ou que a gente já chegou há muitos anos e pretende retomar. Como tocar na periferia de São Paulo. No ano passado ou retrasado, tocamos no extremo da Zona Sul e foi muito legal. Foi um evento horizontal que a própria galera dos coletivos de lá organizou, colocou o som numa quadra com a criançada brincando de um lado, atividade de fanzine, loja, rango, banda de rap. E a gente tocou muito uma época na extrema Zona Leste, tinha uma galera muito legal de lá que adorava ska, então a gente pegava, entrava num carro e ia pra lá e fazia um meio que um show surpresa pra galera, a gente nem divulgava muito. Tamos a fim de retomar essa coisa de tentar tocar na rua, de graça.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell. A foto que abre o texto é de Marito Palhares