Alzira E comenta faixa a faixa “Mata Grossa”, seu novo disco ao lado da Corte

introdução por Marcelo Costa
faixa a faixa por Alzira E

Em 2017, Alzira E surpreendeu a todos ao pegar seu repertório mais lado B e se unir ao grupo Corte num disco homônimo, gravado ao vivo e de maneira crua em quatro dias – e presente em diversas listas de melhores discos daquele ano. “Em seu caráter mais indefinível, ‘CORTE’ consegue soar um olhar interessante sobre nosso tempo: não há definições bem estabelecidas de certo ou errado em suas composições, há aqui uma tentativa de tatear a nossa existência em tempos tão difusos”, pontuava Renan Guerra aqui mesmo no Scream & Yell.

Agora, seis anos depois, surge “Mata Grossa”, a sequência discográfica do projeto que une a sul mato-grossense Alzira a Marcelo Dworecki (baixo e guitarra), Cuca Ferreira (sax processado), Daniel Verano (trompete, teclado, synth e metalofone) e Fernando Thomaz (bateria) com colaborações de Alice Ruiz, Tiganá Santana, Iara Rennó, arrudA, a cineasta Marina Thomé e o engenheiro de som e mixador Bernardo Pacheco, e participação de Ney Matogrosso, Tetê Espindola, Jerry Espíndola, Peri Pane, Iara Rennó e Luz Marina.

Mantendo o peso e as dissonâncias em destaque, e em alguns momentos os ampliando, “Mata Grossa” soa deliciosamente inquieto enquanto promove reflexões sobre a vida, o tempo e a natureza. Abaixo, Alzira E comenta as nove faixas do disco, destaca sua parceria (de tanto e de vida) com Tiganá Santana, elogia a desconstrução e provocação promovida pela banda Corte nos arranjos, celebra a poesia de arrudA, o glamour de ter Ney Matogrosso cantando uma música, a parceria com Alice Ruiz e muito mais. Mergulhe!

01) “Mata Rara”: O curioso dessa parceria é que ela nasceu inspirada na denominação que Tiganá Santana fez sobre eu ser “da Mata Grossa”, e isso me arrebatou, fiquei discursando sobre essa mata grossa e o tanto que eu me identificava com ela. Isso foi um pouco antes da pandemia, falei com Iara Rennó sobre fazer uma música disso e logo depois ela me mandou “Na mata grossa a mátria goza”, que de impactante virou o refrão, e na sequência ela descreve essa linda, selvagem e forte descida pelo rio Paraguai, adentrando no nosso pantanal! Não foi diferente quando o Corte fez o arranjo, nessa mesma viagem, provocando um retrato desconstruído, de sonoridade única, tribal, que percorre um fio, como um rio descendo suas águas caudalosas!! “Mata Rara” foi se desdobrando até virar o título do álbum e mudar seu nome para “Mata Rara”, pois quando nasceu chamava-se “Mata Grossa”!! Viva minha parceira de tanto e de vida!!

02) “Chão do Abandono”: Certo dia, ou talvez noite, Tiganá Santana foi até minha casa (apelidada de mini-sitio). Invadimos a madrugada, disso me lembro! Quando ele foi embora deixou um dos meus caderninhos (esse era bem pequeno) aberto em cima da mesa da cozinha, com essa maravilha escrita! Foi ler e fiquei a vagar com o poema me entranhando… pelas noites, meses, anos (3)… Me cutucou fundo, queria cantar esse poema, não dava mais, ele dizia tudo que preciso cantar agora, eu sempre soube “…amor serve na mesa, céu cria defesa…”. A paixão por essa música despertou no Corte que deu peso certo e leveza de lindas frases melódicas, ual como gosto desse arranjo! Ela também despontou em plena pandemia, como se esperando esse certo abandono, para se propagar!! Meu amado e gigante Tiganá, é parceiro nessa e outras tantas do álbum “Mata Grossa”! Agradeço!

03) “Filha da Mãe”: Coisa linda essa música sair do ineditismo, com glamour e participação de Ney Matogrosso!! Acontece que ela foi resgatada dos arquivos do filme de Marina Thomé (2021) “Aquilo que eu nunca perdi”, numa fita cassete de um show que montamos entre irmãos (eu, Tetê e Jerry Espindola) na década de 1990, mas ela demorou uns 10 anos pra ficar pronta, desde 1980 venho trabalhando nela! Veja quanto tempo demorou, assim ela quis!! Sinto que foi a ancestralidade que guiou essa música para que ela chegasse até aqui, não dava pra ser diferente, ela veio na hora certa pra complementar essa visão de raízes e proteção da natureza que o álbum aborda com peso e amplitude que o Corte provoca na sonoridade. Agradeço à ancestralidade e a sincronicidade das participações de Jerry e Ney Matogrosso!!

04) “Coiote”: Nessa parceria com Tiganá Santana, a letra cantarolava na minha cabeça desde que a li. Após um tempo queria nascer, como um animal, com a sua natureza implacável! Acompanhei com o baixo, mais como um apoio, e quando foi parar no Corte, pedi ao Marcelo Dworecki que fizesse o baixo, ele tinha que fazer, o meu era apenas uma guia, era com o baixo dele que eu sonhava canta-la, mesmo no momento da composição. “Porque cantar porque não se guiar pelo mapa que altera o lugar” fez ainda mais sentido pra mim, quando o arranjo do Corte veio na pegada do baixo, selvagem, acho que veio da América Central, nosso lobo, a nossa Coiote, para ser abraçada pela “Mata Grossa”. E, ainda, Bernardo Pacheco liberou o lá lá lá no final, que me soa como uma homenagem a dona Alba, minha mãel! Tiganá me surpreendendo com sua profundidade!!

05) “Cena”: Foi muito fluida essa nossa parceria, eu estava em 2021 vivendo o lançamento do documentário “Aquilo que eu nunca perdi” de Marina Thomé, período de isolamento social, muita tela… quando recebo por e-mail esse lindo escrito, como costumo dizer, do meu amigo Tiganá Santana! Pareceu mágica e o violão soou, deu tudo certo tão rapidamente, tem disso também, integrada nos meus dias, ele antenado no filme… deu nisso!! E só depois fiz esse arranjo no baixo, quando ela me pediu que o Corte entrasse em cena arrasando!

06) “Palavra de Honra”: “Palavra de Honra” no Corte, marca uma trajetória desde 2017, incluída nos nossos shows! Fico feliz em dizer isso e acho bonito, que a palavra de honra nos acompanha desde muito! Tivemos a honra de ouvi-la gravada por Tiganá Santana no álbum “Vida Código” (2020), maravilhoso, som que não me canso de ouvir!! E veio em “Mata Grossa” na versão guita e bari, resultando nesse registro, carregado de intimidade e liberdade criada nesse arranjo, por esses anos todos! Tiganá é inspirador!

07) “Dose Exata”: Quando abri a página 76 do livro “A representação matemática das nuvens” (2014), de arrudA,.. adoro esse livro!! Após três anos do seu lançamento, parei nesse poema, tão gigante em três versos, a música foi organicamente procurando um grande refrão para o verso de conclusão do poema, enquanto o som deveria perambular atras dos dois versos iniciais e assim nasceu esse encontro do baixo com o poema! Ela já está na estrada com o Corte a alguns anos, abrilhantando nossos palcos e agora foi abraçada pela “Mata Grossa”, com seu grito de urgência por equilíbrio! Viva o poeta arrudA!!

08 “Beabá”: Olha só a pequena estória dessa música: em 2013 mais ou menos, mandei por email um escrito, assim eu chamo, pro Peri. Cheguei a esquece-lo totalmente, mas eis que em meio a pandemia recebo a música fantástica que ele colocou nesse escrito, a música atualizou o texto imediatamente… “nenhuma língua sem saliva me traduz”, me apaixonei na nossa parceria Peri Pane e senti presente a escola de Itamar na sua música! Marcelo Dworecki já estava antenado, tem intimidade com as composições do Peri, e veio o arranjo do Corte para deixar o dito bem dito!! É nossa primeira parceria bem vinda!! Quero mais Peri!!

09) “Sobra Falta”: Lá atras, me recordo de ser começo do milênio, Alice falou sobre “Sobra Falta” e combinamos de fazer uma música sobre isso… e assim passou anos até que retomamos em 2017 ou 2018, e ela veio completa e nos surpreendeu, algo faltava ou algo sobrava?? o que importa é que essa parceria responde a muitas perguntas e nos enche de vida!!! Ficou assim só com o baixo, mas o Corte nos surpreendeu com esse arranjo que nada falta e nada sobra! Não por acaso, a participação da poeta Alice Ruiz fecha o álbum “Mata Grossa”, “não falta nada”!

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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