Ao vivo: Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo lança novo disco em noite movimentada no Cine Joia

texto de Alexandre Lopes
fotos de Fernando Yokota
vídeos por Bruno Capelas

Responsáveis por um dos álbuns mais falados de 2023, a banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo anunciou o show oficial de lançamento de “Música do Esquecimento” em uma noite de domingo (22/10) no Cine Joia, na capital paulistana. Depois de um primeiro disco produzido pela incensada Ana Frango Elétrico em 2021, uma participação no Festival Coala 2023 dividindo o palco no mesmo dia de nomes consagrados como Jorge Ben Jor, Marina Lima, Fernanda Abreu e Letrux e uma mini turnê de divulgação por cidades do sudeste brasileiro, será que um grupo de apenas quatro anos de carreira teria capacidade para lotar uma casa para cerca de mil pessoas?

De fato, pouco antes da abertura do Cine Joia, às 19h, já havia uma fila grande na entrada – talvez resultado da estratégia de liberar um lote surpresa de ingressos mais baratos por um período limitado, três dias antes do evento, mas talvez também pela banda já ter um séquito de fãs respeitável. Dentro do local, o que se observava era uma plateia majoritariamente jovem na faixa dos 20 anos, adolescentes acompanhados dos pais e alguns espectadores acima dos 30 anos, com todos mexendo em seus smartphones enquanto aguardavam o show.

Amigo de Sophia Chablau, Jonnata Doll aceitou a tarefa de abrir a noite com seus Garotos Solventes. Se o artista punk cearense não conquistou um merecido sucesso com os fãs saudosistas da Legião Urbana ao participar da turnê de 30 anos do grupo, apostar em um público bem mais jovem poderia ser o passo mais lógico a seguir. Só restava saber se os ‘Gen Z’s se conectariam com frases como “vamo cheirar cola até me acabar ouvindo punk rock” (da letra de “Cheira Cola”) e temas como a descrição da paisagem viciada de “Vale do Anhangabaú”.

Ao menos durante o show a aceitação se confirmou: a massa presente não mostrou indiferença e pouco a pouco se empolgou com os trejeitos de Jonnata, que subiu ao palco usando na cabeça uma coroa improvisada com pequenas lâmpadas rosa, acompanhado do guitarrista Edson Van Gogh, o baixista Joaquim “Loro Sujo” e o baterista Clayton Martins. A energia de canções protopunk como “Namorada Fantasma”, “Esqueleto” e “Crocodilo” era mesclada com faixas de vibe oitentista como “Edifício Joelma”, “Trabalho Trabalho Trabalho”, “Vai vai”, “Volume Morto” e “Filtra-Me”. Como um pequeno spoiler do que viria a seguir, Sophia Chablau foi convocada ao palco para dividir os vocais de “O Mundo Contra Nós” e, em um momento mais sóbrio, a banda dedicou a música “Pássaro Azul” para o amigo e ex-baterista Felipe Maia, que faleceu no fim de setembro.

Os já tradicionais problemas de som do Cine Joia apareceram – em parte por conta da performance frenética de Jonnata, que várias vezes descia um nível intermediário entre o palco e a plateia e esbarrava no emissor de sinal de seu microfone sem fio, causando ruídos que não botaram tudo a perder graças à coesão da parede sonora da banda. Na sequência final, ao emendar músicas rápidas, a exaltação do vocalista culminou em uma espécie de “autocuecão”, com Jonnata puxando a parte traseira da própria cueca contra suas costas, revelando o tecido totalmente esticado entre as nádegas.

Parecia difícil que qualquer um pudesse superar o que o público havia presenciado nesse show de abertura – tanto para o bem ou para o mal. É verdade que a atração principal sobe ao palco com metade do jogo ganho, pois o público está ali para assistir a performance de encerramento. Só que se a banda de abertura investiu na presença visceral para conquistar o público, a estratégia de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo foi justamente apostar na contramão disso: a sutileza.

Para esta apresentação, o quarteto original (Sophia Chablau nos vocais e guitarra, Vicente Tassara na guitarra, vocais e teclados, Téo Serson no baixo e Theo Ceccato na bateria e vocais) contou com o reforço de duas backing vocals e Vitor Araújo (produtor de “Música do Esquecimento”) no piano em vários momentos-chave do espetáculo. E essa formação provou estar bem afiada ao longo do show.

O início, com “Minha Mãe É Perfeita”, foi quase como se a banda jogasse uma pista falsa para o que viria a seguir: um noise de pedal introduz notas pesadas na guitarra e o baixo distorcido seguia um riff hardcore que convidava para a maior (talvez única) roda de pogo da noite. “Baby Míssil” apareceu na sequência, mantendo uma linha de guitarra mais melódica e assobiável e um ritmo bem mais aprazível. A partir dali, a porção roqueira da banda diminuiu, cedendo espaço para arranjos de teclados marcantes, dando a oportunidade para que Tassara abusasse de efeitos e texturas bem similares ao que Jonny Greenwood faz no Radiohead.

Mas como um grupo tão novo consegue emendar ao vivo uma sequência de faixas introspectivas como “Qualquer Canção”, “Fora do Meu Quarto” e “As Coisas que Não te Ensinam na Faculdade de Filosofia” e manter a atenção do público tiktoker? A primeira constatação é a personalidade carismática de Sophia Chablau – tanto no palco como em suas poesias melancólicas e frases debochadas. O jeito meio tímido/meio maloqueira de classe média da frontwoman cativa. Em uma comparação bem ridícula e didática, é como se Sophia fosse uma mistura da Mallu Magalhães dos primórdios com uma versão paulistana da marra de Chorão do Charlie Brown Jr. E escrevo isso com a melhor das intenções.

Chablau sabe pedir a participação da plateia, entregando na mão dos fãs para que letras como a de “Idas e Vindas do Amor” sejam entoadas por eles nos momentos certos e com um resultado muito bonito. Ela poderia errar feio e exagerar nas interações (como Dave Grohl cisma em se arriscar, produzindo reações opostas entre o público geral), mas Sophia parece ciente disso e não exagera na dose. Ela também não se leva tão a sério e faz questão de dividir os holofotes com os companheiros de banda; ao longo do show, a vocalista anunciou os autores de outras composições, exaltando os talentos de seus colegas. Nesse quesito, até mesmo o baterista Theo Ceccato teve o seu “momento Ringo Starr” durante “Último Sexo”, assumindo o microfone principal na frente do palco e deixando as baquetas para Sophia.

Além dessa divisão quase marxista das atenções entre os músicos no palco, o show também contou com boas participações de Jonnata Doll (para cantar a curtinha “Neurose”) e Negro Leo, se juntando à gaita de Felipe Vaqueiro (do Tangolo Mangos) para cantar “O Pato Vai ao BRICS” e a já esperada “Quem Vai Apagar a Luz?”. Visivelmente feliz com a resposta favorável do público jovem ao seu ‘som torto e erradaço’, Negro Leo chegou a dizer que “é melhor ser lembrado pelos mais jovens, do que por uma instituição centenária”, fazendo uma alusão à idolatria que a banda paulistana tem com seu trabalho.

O show caminhava para um final sacudido até que um incidente interrompeu a execução do hit indie “Delícia/Luxúria”: um fã decidiu subir na plataforma intermediária entre o palco e a plateia para arriscar um stage dive mal-sucedido, batendo com a cabeça no chão e ficando inconsciente. Ao perceber a situação, a banda parou o show imediatamente, pediu para que o público abrisse espaço e a vocalista chamou a atenção dos bombeiros na casa para atender o rapaz machucado. Preocupados com o ocorrido, o grupo anunciou que faria uma pausa na apresentação para checar se o fã estava bem.

Cerca de 15 minutos depois os músicos voltaram e anunciaram que o stage diver azarado estava bem e encerrariam o show com mais quatro músicas – incluindo números que não estavam previstos, como o samba “Deus Tesão” improvisado na guitarra. A dançante “Debaixo do Pano” até tentou reparar os ânimos do público, mas a própria Sophia Chablau ainda parecia um pouco atordoada pela queda do fã minutos antes. Na beira desse anticlímax, o espetáculo chegou a um fim ainda morno com “Segredo”.

Apesar do incidente, a impressão que fica é a de que Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo é um grupo competente no palco e merece a atenção recebida – por mais que não tenha abarrotado o Cine Joia, 700 pessoas num domingo à noite deve ser comemorado. O setlist com grandes sequências de músicas absortas intercaladas com ecos de shoegaze pode deixar os admiradores de rock tradicional confusos e até mesmo entediados durante uma apresentação da banda, mas essa escolha é deliberada e funciona muito bem com seus seguidores, resultando em alguns momentos contemplativos (coisa que um amado/odiado quarteto de barbudos cariocas conseguia fazer muito bem no auge de sua forma). Para nós ouvintes, só nos resta torcer para que a banda siga evoluindo e renda frutos ainda mais interessantes que o elogiado “Música do Esquecimento”. Cacife para tanto eles parecem ter.

– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.

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