texto por Renan Guerra
Nas décadas de 1970 e 1980, o nome Chic Show virou sinônimo de celebração da cultura negra. O baile black Chic Show foi criado por um ainda adolescente Luiz Alberto da Silva, o Luizão, mas ganhou fôlego e se tornou um marco na noite paulistana, movimentando populações negras dos quatro cantos da cidade. Em seu momento mais simbólico, o baile ocupava o espaço da sede do Palmeiras, na zona oeste de São Paulo, onde homens e mulheres de black power, calças de boca de sino e sapatos mocassim de bico fino desfilavam prontos para dançar ao som do soul, do funk e do samba. É esse clima que é resgatado pelo documentário “Chic Show” (2023), de Felipe Giuntini e Emílio Domingos.
Sucesso de público durante a edição de 2023 do festival de documentários musicais In-Edit Brasil, “Chic Show” chegou agora ao Globoplay e é uma história imperdível para quem ama música e cultura. O Chic Show foi um dos mais emblemáticos bailes blacks do país e sua história é recontada aqui pela voz de seu criador, o Luizão. Em uma construção cênica, os diretores colocam Luizão ao lado de seu filho e de seu neto e, através de uma linha do tempo bem delineada, o criador do baile vai contando cada passo dado e como o Chic Show passou de um baile criado por um adolescente a uma marca fundamental na construção da identidade cultural de uma geração de jovens negros, trazendo grandes nomes da música mundial para se apresentarem nos palcos do baile.
Contado de forma cronológica, o filme de Felipe Giuntini e Emílio Domingos tem um acervo bastante reduzido de imagens em movimento do baile, porém compensa isso com um acervo amplo de fotografias que constroem um panorama amplo da importância do Chic Show para além da música. Os registros fotográficos mostram para o público um recorte muito interessante da cultura negra paulistana nos anos 70 e 80, com destaque para todo o apuro estético dessa geração, com suas roupas bem cortadas, ternos, calças boca de sino e vestidos perfeitamente ajustados, bem como destaca a importância dos cabelos e penteados afros para a construção de uma identidade própria dessa comunidade. A apresentação de como os frequentadores primeiro arrumavam seus cabelos black no centro da cidade e depois partiam em direção ao baile é do tipo de relato que nos apresenta uma gama de complexidades sobre a sociedade da época, num tipo de relato extremamente rico e devemos celebrar que tenhamos acesso a esses depoimentos.
Além de múltiplas histórias de frequentadores anônimos, temos em “Chic Show” uma série de entrevistas com nomes como Mano Brown, DJ Thaíde, Péricles, Sandra de Sá e Rappin’ Hood, que recontam a importância do baile para as suas formações culturais e artísticas. Adicione-se a isso as histórias incríveis de como grandes shows se tornaram a marca do Chic Show, indo de nomes nacionais como Jorge Ben Jor, Tim Maia e Carlos Dafé até nomes internacionais como Earth, Wind & Fire, Cheryl Lynn e a absurda história de como eles trouxeram o James Brown para o Brasil. De impacto inegável no soul e no funk brasileiros, o Chic Show ainda está no cerne do hip hop paulistano e do pagode que tomaria conta dos anos 90. E é interessantíssimo que tudo isso é muito bem alinhavado dentro de um documentário informativo, divertido e emocionante.
“Chic Show” é o tipo de documentário que a gente recomenda já esperando que as pessoas assistam para que a gente possa comentar junto sobre cada detalhe do filme. É uma riqueza de histórias, de relatos, de imagens, é um absurdo nos melhores sentidos possíveis. É o tipo de história que precisa ser reverberada e reverenciada. Chic Show, o baile, foi um marco na cultura paulistana e é uma aula sobre cultura negra, sobre identidade e sobre paixão pela música. Um filme imperdível.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.
Magnifico!!! Verdadeira máquina do tempo que emociona e instrui. Me levou para a porta do palmeiras.